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Noite do crime que tirou a vida de Adélcio Haubert completa um ano nesta quinta-feira
Por Cleiton Zimer
Santa Maria do Herval – Quem foi? Quem mandou? Como conseguiu ou conseguiram escapar? E por que mataram Adélcio Haubert?
Amanhã, dia 21 de outubro, fará um ano desde que o empresário e ex-vice-prefeito de Santa Maria do Herval foi alvejado por um disparo na cabeça dentro da sua própria casa, na localidade de Boa Vista do Herval, levando-o a óbito após passar cinco dias em coma, aos 65 anos.
A partida de Adélcio deixou um vazio na família Haubert e em toda a comunidade, para a qual contribuiu gerando empregos e renda durante toda a vida.
Adélcio morreu aos 65 anos, cinco dias depois de levar um tiro na cabeça (FOTO: arquivo O Diário)
A família confia no trabalho da polícia, que desde o momento do ocorrido se empenha para conseguir elucidar a autoria do crime. Mas a partida abrupta abriu uma ferida profunda que ainda não cicatrizou diante da falta de respostas sobre quem fez o que fez, e do porquê atirou em Adélcio.
Várias diligências já foram realizadas tentando, aos poucos, juntar as peças do quebra cabeças. De acordo com o delegado Eduardo Hartz, que coordena o caso, “há uma linha de investigação definida em fase de conclusão”.
Adélcio levou um tiro vendo seu neto pelo celular
Emocionada, a viúva de Adélcio, Flávia, lembra dos detalhes daquela noite que começou comum como tantas outras. Era época de campanha eleitoral e estavam com a visita do vice-prefeito Gilnei Capeletti e de um sobrinho dele. Conversaram por cerca de 40 minutos e, passado um pouco das 19h, foram embora.
Flávia conta que Adélcio estava sentado no mesmo lugar de sempre, no sofá da sala, que fica de frente para a televisão e posicionado lateralmente à porta de vidro que leva ao jardim. Ele estava com o cachorrinho da família sobre o colo e o gatinho aos seus pés – amava os animais.
Flávia estava sentada ao lado dele (de forma que ficou no campo de visão entre a porta e Adélcio). “Lembro que ele disse: mãe, nossa como o Chilo está gordo. Eu também tenho barriga, mas em um mês eu consigo perder 10 quilos”, recorda, dando um sorriso em meio às lágrimas ao lembrar do último momento com o marido.
Os dois ficaram conversando e cada um mexendo no seu celular. Em determinado momento Flávia mostrou um vídeo para Adélcio, de um dos netos brincando. “Aí começou, parecia que estavam saindo faíscas do meu celular. Aí olhei para ele e vi o sangue saindo pela cabeça”.
O desespero de não saber o que estava acontecendo
Flávia não escutou nada, estava tudo confuso e, desnorteada, achou que seu celular tinha explodido e uma parte dele atingido seu marido. Sem saber o que fazer se agarrou nele e sentiu que começava a suar. “Pai eu te matei. Pai não, meu celular explodiu”, gritava.
Abriu a porta da frente implorando por ajuda de alguém que à pudesse escutar. Foi neste momento que olhou para os vidros e viu as marcas dos disparos. Notou que também tinha sido atingida e estava sangrando. O desespero aumentou. Correu para o telefone e o funcional não estava funcionando. Foi ao celular, tentou ligar para familiares, amigos e, a primeira que a atendeu foi uma amiga de anos. “Eu pedi para chamar a ambulância, ligeiro, que tinham atirado no pai, matado o pai”.
Em poucos minutos a ambulância do Ambulatório 12 de Maio veio, junto com a polícia. Socorreram Adélcio com vida, porém inconsciente; Flávia, que sangrava no rosto, também foi levada.
Ela nem tinha sentido de imediato, mas um fragmento da mesma bala que atingiu Adélcio passou de raspão por seu rosto, logo abaixo do olho direito. Por isso viu faíscas saindo do celular. Conta que não escutou nenhum disparo, possivelmente por ter ficado atordoada pelo raspão.
Questão de minutos
O intervalo entre a saída do vice-prefeito Gilnei e o ocorrido foi de poucos minutos. “Sai de lá, parei na casa de mais um morador e fui para o Centro e, lá, já me ligaram avisando do ocorrido. Logo respondi que não podia ser, que tinha acabado de sair de lá”, relatou Gilnei, que disse não ter visto nada de anormal no momento da sua saída.
O crime ocorreu por volta das 19h30 da noite daquela quarta-feira, 21 de outubro de 2020.
Ambulância foi escoltada pela polícia
O filho Rafael estava em Dois Irmãos, na sua casa. Sua irmã lhe ligou avisando que o pai havia sido levado para o hospital. Não sabiam da causa. Pegou o carro e foi para o Herval. Ao chegar no Ambulatório, um amigo da família lhe disse que Adélcio tinha levado um tiro na cabeça. O mundo caiu.
Em Herval Adélcio foi entubado e recebeu os primeiros atendimentos, estabilizando os sinais, para que pudesse ser deslocado até o hospital de referência em Novo Hamburgo. Diante da incerteza de novos ataques, a Polícia Civil e Brigada Militar fizeram a escola da ambulância até que esta chegasse à BR-116 em Morro Reuter.
O diagnóstico irreversível
Adélcio ficou em coma durante cinco dias. Rafael explicou que os médicos, desde o início, davam diagnóstico irreversível e, se sobrevivesse, as sequelas que ficariam seriam graves, deixando-o em estado vegetativo.
Dias de angústia se seguiram e, na segunda-feira, 26, Adélcio morreu, sendo sepultado no dia seguinte sob forte emoção no Cemitério do Centro de Herval.
Partiu deixando sua esposa Flávia, seus filhos Rafael e Patrícia, a nora Karol e genro Júnior, três netos (agora cinco – dois nasceram após sua morte), a mãe Lucinda e irmã Dulce.
Duas armas diferentes no crime
A polícia trabalha sob sigilo, não divulgando nenhuma informação à cerca das investigações. Já se tinha conhecimento que havia sido efetuados três disparos contra a residência, mas conforme apurado pela reportagem, eles são de dois calibres diferentes, o que leva a entender que havia duas armas e, desta forma, há possibilidade de mais de uma pessoa estar envolvida no atentado na noite do ocorrido.
O primeiro tiro seria de calibre 38, com bala dum dum, que é expansiva. O disparo foi efetuado por uma arma longa, o que explicaria a precisão. Foi este tiro que passou de raspão por Flávia e matou Adélcio, cuja capsula foi encontrada do lado de fora.
Marca do primeiro disparo, que passou de raspão por Flávia e matou Adélcio (FOTO: Cleiton Zimer)
Os outros dois disparos foram aleatórios. Um deles atingiu o mesmo cômodo da sala, porém numa altura próximo ao teto; o outro acertou um quarto, no andar de cima. Ambos seriam de calibre 32, da qual não se encontrou nenhuma cápsula.
Um segundo disparo, calibre 32, aleatório atingiu a parte de cima da sala, além um um outro no quarto do segundo andar (FOTO: Cleiton Zimer)
Acredita-se que estes dois últimos disparos tenham sido feitos para intimidar de alguma forma, já que não tinham um alvo direcionado.
Câmeras não estavam funcionando desde o dia 15
A casa onde ocorreu o crime fica perto da RS-373, ao lado do Frigorífico Boa Vista – fundado e erguido por Adélcio e seu pai -,que foi vendido há cerca de três anos para um empresário de Santa Catarina.
Apesar de perto da rodovia a casa fica envolta por um matagal, estando isolada. Um muro com um metro de altura cerca a residência; acima do muro ainda há uma grade e, em cima desta uma cerca elétrica. Entre o muro e a casa há um espaço que varia entre 10 à 20 metros. A polícia suspeita que o atirador tenha efetuado os disparos a partir do muro, se ajeitando entre a grade e atirando através da porta de vidro, acertando Adélcio que estava sentando no sofá ao lado da mulher.
A residência é cercada por câmeras de monitoramento. De acordo com a família, ao consultarem pelas imagens constataram que as câmeras deixaram de funcionar na manhã do dia 15 de outubro, dias antes do crime, minutos depois de uma manutenção que foi feita.
Sonhos interrompidos e uma família dilacerada
Flávia e Adélcio se conheciam há 46 anos, desdes, 42 de casados. Juntos tiveram dois filhos e cinco netos, dos quais dois nasceram depois do seu falecimento. “Eu choro todos os dias, às vezes até de noite, até pegar no sono, mas a dor não vai”.
Ainda sem conseguir assimilar a perda, Flávia conta que quando eram novos Adélcio trabalhava muito e, quando venderam o Frigorífico, conseguiu parar mais tempo em casa. “Tomávamos chimarrão. Me pedia para ir junto com ele no mercado, para ficar com ele no escritório. Não queria ficar sozinho”.
Nas últimas semanas de vida Adélcio passou vários dias na fazenda com seus netos. “Foram pescar, andaram a cavalo, brincou até de esconde-esconde com eles”, lembra emocionada.
Ainda, para recordar os tempos de antigamente, Adélcio foi carregar uma carga de milho com um caminhão. “Quando passamos no posto, voltando com as crianças, ele disse: mãe, isso a gente vai fazer ainda. Vamos comprar um caminhão; eu e tu vamos viajar, ai tu faz os almoços”.
“Uma pessoa extraordinária”
Rafael começou a trabalhar com o pai quando tinha 11 anos. “Éramos crianças, corríamos para lá e para cá na rua e a mãe nunca sabia onde estávamos. Até que o pai nos colocou para trabalhar na empresa”.
Desde lá, todos os dias, Rafael estava com Adélcio. Depois, quando venderam a empresa, mantiveram um negócio de engorda de gado. “Ligava para ele que iriamos olhar os bois em algum lugar e ele já deixava os sanduíches e o chimarrão prontos para a viagem”.
Rafael tem seu pai como seu grande exemplo, um herói, e nunca imaginou perdê-lo desta forma. Emocionado, diz que Adélcio “era uma pessoa extraordinária”.
Flávia e Rafael, assim como a filha Patrícia (que não pode estar no dia da entrevista pois seu filho acabara de nascer), esperam que a autora do crime seja devidamente apurada e responsabilizada. “Todo mundo sofre quando alguém morre, mas não saber o que aconteceu ao certo, te deixa um vazio maior ainda”, afirma Rafael.
Flávia passou 14 dias internada. O olho direito está sob titânio e parte do rosto, onde o disparo a atingiu, tem ferro. Devido a isso possui pouca sensibilidade no local, mas está bem fisicamente.