Polícia
O QUE HÁ ATRÁS DAQUELA PORTA?
*Texto de Felipe Borba, delegado de polícia e mestre em Direito
Os policiais civis possuem o dever de enfrentar diariamente esta dúvida, este risco. Para avançar em investigações, para apreender objetos que sirvam de prova de crimes, para prender pessoas envolvidas em delitos dos mais diversos, precisamos ingressar em locais fechados e habitados, sem saber exatamente o que nos espera no seu interior.
A princípio, podemos bater na porta, anunciar nossa presença, aguardar manifestação do morador, para, só então, verificada a recalcitrância, promover o ingresso forçado.
Mas isto nem sempre é recomendável, e precisamos executar este tipo de diligência de forma surpreendente e rápida, para garantir que a prova não seja destruída, que a droga, a arma e outros ilícitos não sejam descartados, ou que o procurado não tenha condições de fugir ou de reagir.
Apesar de treinados e, com o passar do tempo, acostumados a estas ações, a tensão costuma estar sempre presente, e é importante que esteja, na medida em que potencializa a capacidade de percepção, de interpretação e de tomada de decisão.
No sólido treinamento de técnicas operacionais que recebemos na ACADEPOL, é comum os instrutores se referirem à porta como “túnel da morte”, a fim de reforçar os cuidados necessários durante a aproximação. Entretanto, depois de ultrapassada a porta, a verdade é que o “túnel” dá lugar a um “campo”, onde o imprevisível e o indesejado podem se concretizar.
Nesta semana, mais um policial civil, sem saber exatamente o que havia dentro de uma casa, foi cumprir a missão que lhe fora dada, e, para a triste surpresa de todos os colegas da Polícia Civil e, em especial, de sua esposa, filha e demais familiares e amigos, lá estava um jovem assassino, disposto a tudo.
Um dos disparos efetuados pelo adolescente – companheiro da mulher que era o alvo da operação – atingiu o pescoço do policial Daniel, que não resistiu ao ferimento. Perdemos um colega, que pelo relato dos mais próximos, era um excelente profissional. A família perdeu um integrante insubstituível e inesquecível. E toda a sociedade perdeu, pois a morte violenta de um policial é um ataque aos direitos fundamentais da cidadania.
Só quem ganhou foi a criminalidade e aqueles que nutrem a cultura de menosprezo às forças policiais, que nos enxergam como uma espécie de inimigo. Aliás, o adolescente está vivo e teve sua integridade física preservada pelo Estado, podendo agora se vangloriar de ter executado um policial, o que certamente lhe renderá pontos perante seus colegas de “profissão”.
Nesta quinta-feira, atuando aqui pela Delegacia de Dois Irmãos, tivemos que enfrentar mais uma vez este tipo de atividade, ingressar num imóvel e prender um sujeito. Impossível não lembrar do colega assassinado. Desta vez, cumprimos a missão com êxito, prendemos o foragido e voltamos ilesos para a Delegacia. Mas, em breve, iremos lidar novamente com a repetida questão: o que há atrás daquela porta?