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23% das multas não chegam às casas dos motoristas

22/03/2018 - 10h33min

A confeiteira Vanessa Freitas precisa do carro da mãe para distribuir seus quitutes em padarias e cafeterias da zona norte de Porto Alegre. Por isso, ao receber uma carta do Departamento Estadual de Trânsito-RS (Detran) avisando que o veículo estava circulando com multas vencidas, correu até um advogado para entender o que acontecera. Há mais de dois anos com o carro novo, ela e a mãe jamais haviam recebido um aviso de infração.

— Tomei um susto: o advogado disse que havia 21 multas vencidas, quase R$ 9 mil em multas e juros. Mas nunca recebemos nada por correio — relata.

A maior parte das multas venceu no ano passado, impedindo que fossem pagas as taxas de licenciamento para circular neste ano. Transtorno que está longe de ser caso isolado no Rio Grande do Sul. Segundo o próprio Detran-RS, o número de autuações que não são comunicadas pessoalmente aos proprietários saltou 85% nos últimos cinco anos — mais de duas vezes acima do crescimento total das multas aplicadas, que foi de 36%. De um universo de 3,277 milhões de infrações no Estado no ano passado, 747 mil não foram entregues no domicílio — 22,8%. Em 2012, esse índice era de 16,7%.

Pela lei, são feitas três tentativas de comunicar o aviso de multa (incluindo os prazos para defesa) ou a multa (já com boleto). Se o dono do veículo não for encontrado, a notificação é devolvida pelos Correios ao Detran e publicada no Diário Oficial do Estado (DOE). O problema é que muitos motoristas reclamam que não estão recebendo o aviso de tentativa de entrega em suas caixas postais e, desta forma, ignoram a existência da infração. Como folhear diariamente o DOE não é uma prática comum, os condutores só descobrem que foram multados quando tentam pagar o IPVA (se a multa já estiver vencida) ou vender o carro, por exemplo.

— Recebo clientes desesperados que perderam o prazo de defesa por não receber a notificação. Pessoas que compartilham o veículo com a família e acumularam os pontos de terceiros na habilitação. Isso traz danos enormes, inclusive risco de suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) — aponta o advogado especializado em Direito do Trânsito Maurício Lewkowicz, diretor do escritório Freitas Advogados Associados.

No caso de Vanessa, os pontos pelas infrações foram parar no nome da mãe, que teve a carteira suspensa. Mas como é Vanessa e alguns parentes que mais usam o carro, agora lutam na Justiça para que seja reaberto o prazo para recurso, e os pontos possam ser redistribuídos.

— Tivemos o direito de defesa desrespeitado. Trabalho em casa, sempre tem alguém para receber as cartas, mas elas jamais chegaram — reclama Vanessa.

Envio de notificação por e-mail está em estudo

De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o proprietário deve ter ciência da multa para que tenha direito à ampla defesa. Quando não sabe que foi autuado, ele corre o risco de perder o desconto de 20% pelo pagamento antecipado da multa e também a possibilidade de transferir pontos para o condutor que tenha cometido a infração, quando for o caso. Uma resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) de 2012 é didática: as notificações só podem ser publicadas em edital quando “esgotadas todas as tentativas de entregar pessoalmente a notificação da autuação”.

— Temos vários clientes que reclamam nunca terem recebido a primeira notificação de seus processos, apenas a penalidade, já com o boleto para pagamento — afirma Gustavo Fonseca, bacharel em direito e responsável pelo site Doutor Multas, que esclarece assuntos de direitos no trânsito.

Sugestão do Detran é motorista checar site a cada um ou dois meses

Diretor Institucional Interino do Detran-RS, Andre Luiz Nickele Córdova explica que o órgão segue a lei ao publicar as notificações no Diário Oficial apenas quando os Correios comunicam impossibilidade de encontrar o motorista ou familiar para receber e assinar a notificação. No entanto, reconhece que é surpreendente o crescimento dos casos em que as tentativas fracassam:

— O Detran emite as multas e entrega aos Correios e, no processamento de entrega, a gente tem identificado que têm vindo muitas correspondências com essa informação de impossibilidade de entrega.

Córdova afirma que o Detran-RS tem pronto um sistema para começar a enviar as autuações e as multas por e-mail (o mesmo sistema usado para transmitir informações sobre o IPVA), mas a matéria depende de uma autorização do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) para ser validada. Segundo o Ministério das Cidades, o sistema utilizado atualmente para registro de multas não prevê mudança para envio de notificações por e-mail, e nem há estudo prévio.

— Por enquanto, o que o motorista pode fazer para se prevenir é se cadastrar no site do Detran-RS e consultar a cada um ou dois meses se há registro de alguma nova infração — sugere Córdova.

O que dizem os Correios

A reportagem procurou os Correios para que explicassem o aumento dos casos em que o proprietário não é encontrado em sua residência para receber a multa. Em resposta oficial, a estatal informa que fracassos nas tentativas de entrega podem ser provocados “principalmente por situações de mudança de domicílio ou endereço incorreto (quando a pessoa não atualiza o endereço), ausente e não procurado”. Também complementa que na terceira tentativa “é deixado o aviso de retirada na unidade dos Correios, onde o documento fica por sete dias aguardando o destinatário”. E finaliza: “Até o momento, os Correios não receberam manifestação do Detran em relação a problemas na qualidade dos serviços que a empresa presta”.

Confira os seus direitos

– As primeiras medidas são administrativas: ao tomar conhecimento de que o prazo de defesa prévia foi expirado, procure o Detran-RS para pedir abertura de novo recurso. A medida cabe apenas se a multa ainda não venceu. É gratuita e pode ser feita pela internet, com orientações neste link.

– Existem três possibilidades de recursos administrativos. A primeira é aberta quando é expedida a notificação de autuação, avisando que uma multa será aplicada. O recurso deve ser enviado ao órgão que aplicou a infração (a EPTC, por exemplo). Caso seja negada esta primeira possibilidade, há mais duas: no Detran-RS, quando a penalidade é emitida e, se for rejeitada, um novo recurso no Conselho Estadual de Trânsito (Cetran). As orientações para recorrer em cada uma das esferas constam em cada notificação.

– Quem perdeu os prazos de defesa ou teve os recursos negados poderá recorrer judicialmente, buscando serviço de advogado. A Justiça irá analisar se procedem as justificativas dos Correios por não entregar a notificação, como mudança de endereço ou contumaz ausência do motorista. As decisões do Judiciário têm sido divididas, e há chance de êxito.

– Outra alternativa é tentar anular a multa por desrespeitar os trâmites previstos em lei. Um dos pontos que costumam ser questionados diz respeito a prazos: a lei determina que o órgão tem 30 dias a partir da infração para expedir a notificação, o que muitas vezes não é cumprido.

– Há custos nos processos judiciais, mas quem não puder pagar pode pedir o apoio da Defensoria Pública (em Porto Alegre, fica na Rua Sete de Setembro, 666, com atendimento de segunda a sexta-feira, das 8h ao meio-dia e das 13h30min às 17h30min).

Como se manter informado

– Para reduzir o risco de ficar sem receber eventuais notificações de infração, é importante manter o endereço atualizado junto ao Detran-RS, apresentando original e cópia do RG, CPF e do comprovante de residência em um Centros de Registros de Veículos Automotores (CRVA) da mesma cidade.

– Outra sugestão é preencher o cadastro no site do Detran e conferir, mensalmente, se há notificações ou multas neste link.

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