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“Disseram que ele estava tentando me dar regras”
Por Cleiton Zimer
Desde o início do ano mais de 80 ocorrências de violência doméstica já foram registradas na Delegacia de Polícia Civil de Dois Irmãos, englobando também Morro Reuter. Entretanto, a estatística de violência contra a mulher tende a ser superior do que a oficialmente registrada, uma vez que muitas vítimas acabam não procurando ajuda diante de vários fatores, principalmente por sentirem medo do que virá depois disso.
A reportagem conversou com uma vítima que concordou em relatar sua situação sem ser identificada. Ela demorou três anos para pedir ajuda à polícia, pois era desacreditada pelos próprios familiares quanto à violência que sofria.
A mulher estava com o homem há sete anos, moravam juntos e tiveram dois filhos. Quando nasceu o segundo filho do casal, há cerca de três anos, a relação começou a desandar. “Antes eram agressões verbais, mas achava que era normal”.
As brigas começavam por coisas simples e iam se desencadeando para algo maior. “Eu tentava fugir, me isolava no banheiro, no quarto. Mas ele vinha e continuava a provocar. Até que a gente perdia o limite da palavra e ele chegava a me segurar pelo braço, dava empurrões e tapas”, relatou, afirmando que tentava se defender. “Chegava a me derrubar no chão e arrastava pelo cabelo”.
“Disseram que ele estava
tentando me dar regras”
Ninguém acreditou
A vítima tentou, por várias vezes, falar com a família do companheiro mas ninguém acreditava. Falou com a própria família e, mais uma vez, não levaram a situação a sério. “Me falavam que era coisa de relacionamento. Que às vezes podia acontecer e que não precisava dar bola. Disseram que ele estava tentando me dar regras”.
No caso dela, a vítima diz que as pessoas só enxergavam o que acontecia por fora. “O pessoal acaba achando que é mentira tudo o que está acontecendo. Sempre dizem que entre marido mulher não se mete a colher. Mas nesse tipo de coisa precisa meter sim”.
Nem a prisão resolveu
Não tinha mais condição de seguir adiante. Então, em fevereiro desse ano, decidiu pela separação e saiu de casa. Registrou boletim de ocorrência da Delegacia com base em vídeos, fotos e áudios da situação. Logo em seguida tentaram reatar o relacionamento. Mas não deu certo.
Dessa vez buscou formalizar a separação com a devida papelada. “Naquele dia ele simplesmente se alterou do nada. Começou a me agredir, me arrastou pela casa pelos cabelos, até desloquei o ombro”. Os dois pararam na Delegacia e, desde então, não estão mais juntos.
Mas, mesmo depois disso, o problema continuou. “Começou a me ameaçar de morte por eu não voltar com ele. Aí decidi que não ia mais aguentar esse tipo de situação e denunciei novamente”. A Delegacia instaurou um inquérito para apurar o crime e representou pela prisão preventiva do suspeito, o que restou decretado pelo Poder Judiciário. Ele foi preso, mas solto dias depois para responder em liberdade.
Agora, mais uma vez, a sensação é de medo. “Não me sinto segura, nem um pouco. Estou indo morar no terceiro lugar, fugindo dele a todo instante”, disse a mulher, afirmando que depois que ele foi solto teve que voltar a registrar um novo boletim de ocorrência.
Hoje, ela tem o apoio da sua família. “Muitas vezes a gente não faz a denúncia porque sabemos que não vamos ter apoio”.
A cultura, dependência afetiva, questões financeiras e outros fatores
O Delegado de Dois Irmãos, Felipe Borba, diz que é de conhecimento que a maioria das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar ainda não procuram os órgãos competentes para combater tais práticas. Os motivos para que a cifra oculta predomine nesse campo são os mais variados. “A cultura, a dependência afetiva, questões financeiras e outros fatores explicam a vulnerabilidade em que se insere considerável número de mulheres e que, por isso mesmo, acabam sendo vitimizadas, diminuídas, com baixo autoestima, reduzindo sua capacidade de procurar a rede de apoio”.
Borba reforça que, no entanto, é importante que as mulheres busquem auxílio, que não tolerem condutas violentas por parte principalmente de companheiros e ex-companheiros, na medida em que a escalada costuma prosseguir com o incremento do grau de violência, podendo redundar em eventos irreversíveis.
“De nossa parte, podemos afirmar que a experiência demonstra que quando uma mulher vence tais obstáculos e relata sua condição, permitindo que a Polícia Civil busque medidas protetivas em seu favor e a responsabilização criminal do respectivo autor, é como se uma nova vida, agora com dignidade e preservação de direitos básicos, fosse inaugurada para aquela vítima”, pontua Borba, afirmando que a violência contra a mulher é classificada como violência de gênero, de forma que é obrigação de todos denunciar tais práticas.
Denuncie
Qualquer informação pode ser passada para a Delegacia de Polícia de Dois Irmãos pelo whatsapp 51 98543-7318 ou pelo telefone 35641190, garantindo-se o anonimato.
Seis prisões em meio ano
Desde o início do ano, seis homens foram presos por violência doméstica. Quatro foram presos pela Polícia Civil através da “Operação Schützen”. Outros dois foram presos pela Brigada Militar.
Ataques às vítimas
nas redes sociais
Recentemente, em algumas notícias veiculadas pelo Diário sobre casos violência doméstica, tem chamado a atenção comentários que atacam as próprias vítimas. Situações como essas geram ainda mais incerteza e medo, fazendo com que muitas não procurem por ajuda.
Veja, abaixo, alguns comentários atacando as vítimas em diversas publicações. A maioria foi apagada pelos próprios autores depois que mais internautas passaram a rebatê-los.