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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – E quando os desafios vão além do “estar fora da sala de aula”?
Por
Rogério Savian
Dois Irmãos – Situações atípicas provocam incertezas e medos, que depois de superadas formarão indivíduos mais fortes. A educação a distância na rede pública de ensino tem sido um desafio aos educadores e até mesmo a seus alunos, que da noite para o dia tiveram que construir e adaptar-se juntos às metodologias de ensino remoto. Se, juntos numa sala de aula já não era fácil, imagina separados fisicamente e também pelas desigualdades sociais e culturais.
Hoje você vai conhecer a história do Jefson Alexander, 15 anos, imigrante venezuelano, que além dos desafios já citados, tem outros bem maiores. Ele, juntamente com sua família, chegou em Dois Irmãos no dia 29 de fevereiro deste ano. Foi matriculado no 2º ano do Ensino Médio na Escola Estadual Técnica Affonso Wolf, no bairro Vale Verde. Antes de completar 20 dias de aula presencial, no dia 19 de março, as atividades presenciais foram suspensas devido à pandemia. Em casa, assim como milhares de outros estudantes brasileiros, recebe as atividades do ano letivo encaminhadas pelos professores através da plataforma de ensino Google Classroom. Aí é que aumentam os desafios.
Jefson conta que a adaptação à língua portuguesa está sendo um de seus maiores desafios, pois na sala de aula já encontrava um pouco de dificuldade em acompanhar as explicações dos professores devido ao recente contato com o novo idioma. Em casa, também o esforço está sendo grande para se adaptar à nova realidade. A mãe, Keilys Ramos, conta que até para ela é difícil porque precisa tentar compreender o que está escrito para depois explicar as tarefas ao filho. Outra dificuldade é que o mesmo smartphone precisa ser compartilhado entre os quatro estudantes para fazerem suas tarefas escolares e mais os adultos.
Dificuldade para enxergar
O jovem, que pretende atuar no ramo da engenharia de sistemas, conta que a sua maior dificuldade em conseguir acompanhar os estudos na plataforma está no esforço para conseguir ler o conteúdo na tela do smartphone. Isso porque devido a uma queda, quando criança, perdeu a visão do olho esquerdo. Ele relata que estudar através do aparelho celular força muito a visão e causa dor de cabeça. Por esta razão, a família pede para, caso alguém tenha um computador usado e que deseje doar, será muito útil, pois com uma tela maior e a possibilidade de utilizar os recursos de acessibilidade, vai facilitar muito nos estudos de Jefson.
“Precisamos oportunidades”
Na casa, além de Jefson, vive seu pai Maikel Rodriguez, sua mãe, os irmãos Valéria Nazaré Rodrigues Ramos (8 anos) e Adrian José Rodriguez Ramos (4 anos), a tia Daniela Rodriguez e a prima Maria José Vegas. Até o momento, o único que conseguiu trabalho é Maikel, em um mercado e, portanto, a única fonte de renda da família. O restante do sustento está sendo com doações que recebem.
Keilys e Daniela contam que estão em busca de qualquer oportunidade para que possam conseguir dinheiro para ajudar no sustento da família. Segundo elas, pode ser na área de manicure/pedicure, mercado, faxina, indústria, comércio, entre outros. Keilys também já trabalhou em escola de Educação Infantil. Interessados em ajudar podem entrar em contato pelo (51) 98343-6207. Eles moram na Av. do Parque, 1030, casa 2, bairro Primavera.
A esperança
A família entrou no Brasil pelo estado de Roraima e buscou Dois Irmãos porque já possuía familiares no município. Segundo eles, a situação na Venezuela estava muito difícil e vieram em busca de melhores condições de vida, atraídos pelas muitas ofertas de empregos que havia nas fábricas de calçado. Para chegar até aqui, passaram por muitas dificuldades e até dormiram em praça. “Só queremos dar um futuro melhor para nossos filhos. Quando chegamos aqui, nem deu tempo de começar a trabalhar porque logo começou o coronavírus e tudo fechou”. Quando as coisas melhorarem, a esperança deles é trazer para o Brasil os familiares que ficaram na Venezuela.
Gratidão
Mesmo em meio aos desafios, a família deixa um convite para, caso alguém tenha interesse em praticar o espanhol e ao mesmo tempo auxiliá-los com a conversação na língua portuguesa, o que os ajudaria bastante. “Queremos agradecer às pessoas. Dois Irmãos é um pessoal agradável. O Brasil é acolhedor. Abre as portas para outros povos”.
O trabalho da escola
De acordo com o diretor da Escola Estadual Técnica Affonso Wolf, Paulo Renato Dapper, os desafios estão sendo grandes para toda a comunidade escolar, mas estão trabalhando bastante para oferecer o melhor ensino possível, dentro daquilo que está ao alcance. Atualmente a instituição possui 12 estudantes venezuelanos e dois argentinos, além dos brasileiros. Este é o primeiro ano que recebe alunos da Venezuela. Em relação às aulas remotas, Renato reconhece que ninguém estava preparado para toda essa mudança que ocorreu em poucos meses. Desde julho as aulas estão ocorrendo através da plataforma Google Classroom. Mas o acesso gratuito, sem consumo de dados, foi liberado há pouco. Para facilitar o acompanhamento das atividades escolares, os alunos que não possuem acesso à plataforma podem solicitar, junto à escola, o material impresso.
Também força que o fato de não estarem reunidos em sala de aula acaba dificultando a comunicação com esses estudantes vindos de outros países. Nos anos iniciais o idioma espanhol não está inserido nas atividades. Nas séries seguintes ele faz parte da grade de disciplinas, o que facilita. “Aos poucos estamos evoluindo, aprimorando o trabalho, nos qualificando. Mas o ensino presencial é fundamental. A convivência faz parte do processo de ensino/aprendizado. Desenvolve muito mais. O estar ali em sala de aula, por si só, já é um grande aprendizado. A convivência é um grande espaço de aprendizado”, finaliza.
NOTA: Na edição de amanhã o Diário vai trazer mais exemplos de como estão sendo os desafios da educação a distância para alunos, professores e pais.