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ESPECIAL: Tecnologias se tornam aliadas na produção da agricultura familiar

01/09/2020 - 10h59min

Mauro e a filha Mahara Lehnen, da Picada 48 Alta: automação pelo smartphone (Créditos: Felipe Faleiro)

Ivoti/País – Produzir alimentos com qualidade e segurança é enormemente complexo, e o que as mãos humanas muitas vezes não conseguem executar sozinhas, a tecnologia pode auxiliar. Entre os agricultores, são diversos os exemplos de uso das ferramentas automatizadas e equipamentos da chamada Internet das Coisas para garantir uma produção mais eficiente e próspera.

Não é diferente na região da Encosta da Serra. Por aqui, a automação de processos, ou mesmo as redes sociais, são importantes aliadas no intuito de oferecer produtos e serviços. Produtores daqui responderam a uma pesquisa divulgada no início deste mês, realizada pela Embrapa, Sebrae e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que buscou mapear este uso.

Ariovaldo Luchiari Junior, pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária (Créditos: Lilian Alves/Embrapa)

O estudo “Agricultura digital no Brasil: tendências, desafios e oportunidades” foi feito em caráter nacional e online, e o Rio Grande do Sul foi o Estado que mais respondeu. “De 753 respondentes, 15,8% foram gaúchos”, disse ao Diário o pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária, de Campinas (SP), divisão responsável por difundir a pesquisa, Adroaldo Luchiari Junior.

Conforme a pesquisa, 84,1% dos agricultores brasileiros utilizam ao menos uma ferramenta digital como forma de apoio na produção. E embora a pandemia tenha proporcionado algumas mudanças de forma acelerada, não é dos tempos atuais que o uso da tecnologia é uma tendência. “Hoje mudou tudo, é uma revolução, comparado ao que havia no passado”, comenta Ariovaldo.

Diante disto, o Diário buscou três famílias de agricultores de Ivoti para mostrar como a tecnologia mudou suas vidas. São pessoas que tiveram ganhos expressivos na produtividade graças às facilidades trazidas pelos mais diferentes sistemas. Seja pela busca de novos mercados ou busca a adaptar-se a uma nova realidade, em comum, demonstram este é um caminho sem volta.

“Hoje mudou tudo, é uma revolução, comparado ao que havia no passado”

Mauro e a filha Mahara no aviário da família: foi da adolescente a ideia do uso dos aplicativos (Créditos: Felipe Faleiro)

Aviário familiar monitorado na palma da mão

A família de Mauro Lehnen, na Picada 48 Alta, tem um aviário de 150 metros de comprimento com 31 mil animais. Nas madrugadas, caso houvesse algum problema, por exemplo, na fornalha ou na ventilação, o procedimento envolvia levantar da cama, ir até o local e inspecionar o problema. Com a automação de grande parte dos processos, o levantar-se se tornou desnecessário.

Cinco câmeras de segurança monitoram 24 horas por dia a propriedade, da frente aos fundos. Duas delas estão no aviário. Há um sistema de controle de temperatura, com sensores – que monitora o funcionamento dos ventiladores –, outro de controle de peso das aves e um último que controla as cortinas nas laterais da estrutura, ou seja, a entrada de luz solar. Tudo é visível pelo smartphone.

A família testou a automação por seis meses, e deu certo. “Hoje não me vejo sem estes aplicativos”, comenta Mauro, ao lado da esposa, Andréa Lehnen, e da filha Mahara, que com apenas 13 anos, foi quem incentivou o pai a testar as aplicações. “Sempre fui muito ligada em tecnologia, e a gente não podia ficar para trás nisto”, explica a herdeira da família.

“Sempre fui muito ligada em tecnologia, e a gente não podia ficar para trás nisto”

O aviário foi inaugurado há apenas três anos, e produz para a Granja Pinheiros, de Presidente Lucena. De acordo com Mauro, o custo é relativamente alto, mas a confiabilidade compensa. O exemplo dado no começo desta parte demonstra que a precisão, e especialmente o tempo, são fundamentais para um bom manejo e para que a produção se desenvolva.

“Dependendo do que acontece, eu ainda venho ver o que está acontecendo. Mas geralmente, o computador faz tudo sozinho”, diz Mauro. O aviário, é claro, é o principal sustento da família, mas com os sistemas automatizados, os Lehnen conseguem se dedicar a outras atividades na propriedade. “Quanto mais tecnologias, mais fácil para o avicultor”, afirma ele.

Ricardo, na estufa onde está localizado o SAPH: invenção europeia adaptada aqui (Créditos: Felipe Faleiro)

Hidroponia de Ivoti pioneira na América Latina em automatização

Inovação e produtividade em hidroponia é a marca da H2Orta, empresa localizada no bairro Morada do Sol. Entre as estufas onde as hortaliças são cultivadas no método tradicional, com uma solução líquida permanente, uma delas tem em funcionamento há quatro anos um sistema considerado inovador na América Latina, nas palavras do proprietário Ricardo Rotta.

A empresa o chama de SAPH (Sistema Automatizado de Produção Hidropônica). O método é relativamente simples. Dezenas de canos de PVC ficam dispostos lado a lado, em uma estrutura metálica retangular. Em cada cano, há trinta furos, onde cada um recebe uma muda de alface. À medida que a muda cresce, o cano em que ela está “avança” mais para o final do sistema.

O espaço entre os canos vai aumentando à medida que há este avanço, já que o pé de alface se desenvolve e requer mais espaço. É possível perceber a diferença ao caminhar ao lado da estrutura, que ocupa cerca de metade do tamanho total da estufa, de 200 m². No início, as mudas estão pequenas, e o pé está totalmente desenvolvido no final da máquina.

“A grande vantagem deste sistema é que conseguimos padronizar os produtos, na coloração e no peso”

Este avanço é controlado por um operador por meio de um sistema automatizado. O produto final é a chamada alface mousse, com coloração característica e aspecto rígido. “A grande vantagem deste sistema é que conseguimos padronizar os produtos, na coloração e no peso. Podemos também aproveitar melhor o espaço disponível, produzindo muito mais”, comenta Ricardo.

A ideia, porém, não é original, embora a construção seja. Ela foi adaptada de modelos vistos pelo proprietário da H2Orta em fazendas na Europa, especialmente na Alemanha e Holanda, grandes produtores mundiais pelo método hidropônico. O SAPH já chamou a atenção de outras empresas, conforme ele, que eventualmente buscam obter detalhes da operação do sistema.

Maria, Jonas e Vanessa Graeff: listas de transmissão toda semana (Créditos: Felipe Faleiro)

WhatsApp como forma de ampliar os negócios

A Covid-19 mudou a rotina da família Graeff, da Picada Feijão. Desde março, quando a pandemia iniciou, eles não puderam mais participar de feiras de agricultores familiares pela região, e que eram sua grande fonte de sustento. Os Graeff também produziam para a merenda escolar, até as aulas serem suspensas.

Contudo, as dificuldades não os abateram, e eles resolveram investir em uma fonte simples e ampla de informação instantânea: o WhatsApp. No aplicativo, criaram uma lista de transmissão, onde passaram a divulgar tanto os produtos que cultivam na propriedade, quanto os revendidos de outros produtores parceiros. A ideia passou de um para outro cliente, e hoje é um sucesso absoluto.

“Ficamos uns dias no ‘limbo’, e pensávamos que teríamos de nos reinventar de alguma forma. Não tínhamos perspectivas e era tudo muito incerto”, conta Vanessa Graeff, filha do casal Maria e Antônio Graeff, e irmã de Jonas Graeff. Todos produtores, moradores da mesma propriedade e organizadores da lista pela aplicação.

“Ficamos uns dias no ‘limbo’, e pensávamos que teríamos de nos reinventar de alguma forma”

Tudo começou com o envio da listagem a dez contatos, e cresceu a tal ponto que, hoje, cinco meses depois, ela tem por volta de 200 participantes, e as entregas somam cerca de 20 a 25 quilos de vegetais por semana. A lista é grande de hortaliças, verduras e frutas em geral. Ela é enviada no domingo à noite, os pedidos são aceitos até segunda-feira e entregues nas quartas-feiras.

“A gente às vezes trabalha fora de casa, então não damos conta de mais pedidos. Mas já conseguimos clientes diversificados”, diz Vanessa. A entrega é em casa e a comercialização é feita em ciclos curtos de produção, do produtor diretamente ao consumidor, contribuindo para produtos mais frescos e com preços mais atrativos, comparados, por exemplo, aos praticados em mercados.

Os desafios das ferramentas tecnológicas para o agricultor

Na visão do chefe do escritório da Emater de Ivoti, Rodrigo Sasso, a tecnologia em geral é positiva, e pode ser vista como uma importante aliada para o homem do campo. Mas, segundo ele, a presença do ser humano enquanto tomadora de decisões ainda é fundamental para quem aposta em investimentos neste segmento.

“Ela é uma ferramenta a mais, como o manejo, como o trator, como o fertilizante, que tem de ser aplicada na gestão do negócio. Não é uma garantia de que vai aumentar a produtividade, mas é algo que vai colocar o produtor em contato com o que há de mais avançado. Esta é a essência do que defendemos”, comenta Rodrigo.

“A tecnologia não garante aumento da produtividade, mas coloca o produtor em contato com o que há de mais avançado”

Outro importante desafio exposto na pesquisa da Embrapa, Sebrae e Inpe é o acesso à conexão aos agricultores interessados em expandir seus negócios para o virtual. Com relevo montanhoso, a Encosta da Serra é um local onde o sinal de Internet é considerado adequado nos perímetros urbanos dos municípios, mas relativamente escasso nas áreas rurais.

A pesquisa mostra que, no RS, 48% dos produtores veem a dificuldade de conexão como uma dificuldade. É o segundo maior fator de descrédito, só perdendo para o valor do investimento em automação (67%). “É preciso que o governo e os provedores se movimentem para proporcionar conexão adequada, pois isto também traz desenvolvimento para o campo”, opina Ariovaldo.

Alencar Rugeri, diretor técnico da Emater estadual (Créditos: Divulgação/Emater)

Feira virtual da Emater conecta produtores e consumidores

Com a pandemia, a própria Emater desenvolveu uma ferramenta tecnológica para conectar produtores e consumidores, em todos os municípios gaúchos onde atua. É a Feira Virtual da Agricultura Familiar (Fevaf), que disponibiliza um site com o tipo de produção, o nome e, principalmente, o contato do produtor responsável por ela.

Na região, a Fevaf tem cadastrados 22 produtores, de sete dos onze municípios de cobertura do Diário. A maioria deles, como a própria família Graeff, da Picada Feijão, que faz parte do projeto, é de venda de frutas e hortaliças. Já o município da região que tem mais participantes é de Nova Petrópolis. A adesão é gratuita, voluntária e deve ser feita na Emater do município de residência.

O diretor técnico da Emater estadual, Alencar Rugeri, aposta na credibilidade para o sucesso da Fevaf. “Temos hoje mais de mil produtores cadastrados, o que dá uma ideia da dimensão dela para a produção agroindustrial gaúcha. É uma ferramenta que chegou para ficar com certeza, inclusive após a pandemia. Para nós foi uma experiência prazerosa”, comenta Alencar.

Assim como toda e qualquer tecnologia, é necessária adaptação. Mas o exemplo dos agricultores da região mostra que ela está em sintonia com o desenvolvimento produtivo. Opções não faltam, e demonstram que as ferramentas virtuais no campo não necessariamente precisam envolver alto investimento, como é o exemplo do WhatsApp. Basta, muitas vezes, ter ousadia e criatividade.

De onde são e o que produzem os cadastrados da região na Fevaf

  • Dois Irmãos: 1 (conservas e doces)
  • Ivoti: 3 (2 de hortaliças e 1 de queijos)
  • Linha Nova: 2 (ambos de hortaliças)
  • Morro Reuter: 1 (hortaliças)
  • Nova Petrópolis: 10 (1 de queijos, 4 de frutas, 1 de frutas e hortaliças, 1 de vegetais, 1 de doces e sucos, 1 de doces e 1 de ovos)
  • Picada Café: 3 (1 de hortaliças, 1 de pães, chás, temperos e doces e 1 de doces, grãos, mel, sucos e vinhos)
  • Santa Maria do Herval: 2 (1 de frutas e 1 de hortaliças)

 

Como os produtores gaúchos lidam com a tecnologia

Aqui, estão listados os três primeiros colocados em cada item. A soma é maior do que 100% pois os produtores poderiam responder a mais de um item por vez.

O que utilizam?

  • 79% utilizam a Internet para atividades gerais ligadas à produção
  • 71% utilizam aplicativos como WhatsApp ou Facebook para obter ou divulgar informações relacionadas à propriedade ou produção
  • 36% utilizam GPS na propriedade

Para que utilizam?

  • 74% para obter informações e planejar atividades da propriedade
  • 51% para a gestão da propriedade rural
  • 49% para compra e venda de insumos da produção

Qual a principal dificuldade?

  • 67% dizem que é o alto investimento para aquisição de máquinas, equipamentos ou aplicativos
  • 48% dizem que é a baixa ou falta de conexão nas áreas rurais
  • 41% dizem que é a falta de conhecimento sobre as tecnologias apropriadas para uso da propriedade

Como acessam?

  • 72% por uso próprio, sem intermediação
  • 32% acessam diretamente, por meio de consultorias ou serviços oferecidos por associações ou cooperativas
  • 26% acessam diretamente, por meio de consultorias ou serviços oferecidos por governos

No que gostariam de utilizar?

  • 67% na previsão de riscos climáticos, como geada, granizo, estiagem e chuvas intensas
  • 61% na obtenção de informações e planejamento das atividades da propriedade
  • 60% na gestão da propriedade rural

Percepções sobre as vantagens

  • 89% acreditam que aplicativos e serviços web facilitam a comercialização dos produtos, 88% acreditam que eles permitem maior acesso a vendas diretas ao consumidor e 69% acreditam que eles permitem aumento do lucro.
  • 63% acreditam que sensores de campo, máquinas e equipamentos permitem otimizar o uso de insumos, como sementes e fertilizantes, 53% acreditam que eles trazem maior qualidade aos produtos e 52% acreditam que eles permitem aumento da produtividade

Fonte: Embrapa, Sebrae e Inpe

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