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Esquecidos pelo Estado, venezuelanos são acolhidos por igreja em Estância Velha
Estância Velha – Ameaçadas pela fome e pelo medo, algumas famílias venezuelanas têm buscado refúgio em Estância Velha e, com dificuldade, especialmente de comunicação, têm encontrado acolhimento apenas por parte de uma igreja local.
Richard Josué, 32 anos, desabafa: “não fosse a igreja, a ajuda que nos dão, estaríamos à mercê da própria sorte. Nós, e Deus”. Segundo o venezuelano, os membros da igreja, não só tem feito doações de alimentos, roupas e mobiliário, como também buscado pelos refugiados nos aeroportos, “têm nos estendido a mão”.
O exilado conta que reside em Estância Velha com a esposa e um casal de filhos, de 10 e de cinco anos, há três meses. Segundo ele, a família vendeu um carro e uma moto para viabilizar a saída da Venezuela e, com ajuda da igreja, eles conseguiram alugar uma casa. Richard também já está trabalhando num curtume local.
“Viemos, sem garantia de emprego, moradia, coisas que não temos mais em nosso país também. Não há oportunidade de trabalho, comida, tampouco combustível. É muito difícil a situação que se encontra nossa nação”, relata Richard.
Importância do acolhimento
Asilado político, o policial civil Mario Duerto é outro venezuelano que buscou acolhimento no Brasil e, atualmente, reside em Estância Velha com a esposa e uma prima dela. Diferente de Richard, Mario deixou seu país, não por enfrentar necessidades, mas por discordar do governo.
Devido às condições do asilo, Mario conta que não pode expor os motivos pelos quais precisou expatriar-se, mas que as condições de vida em seu país são aterrorizantes, e “isso todo mundo sabe”.
“Com o salário que um brasileiro vive, não se vive na Venezuela. Um frango está custando R$350,00. As pessoas precisam escolher, se tomam café da manhã, não almoçam; se almoçam, não jantam. É um sacrifício constante”, contou Mario.
O refugiado destacou que não existem medicamentos em seu país. Crianças e idosos morrem de fome, ou por doenças comuns, já que não têm como se alimentar, e o governo não permite o acesso à saúde, a tratamentos básicos.
“Quando há comida para vender, as pessoas não conseguem pagar por ela, é muito cara. E, quando há dinheiro, não há comida suficiente. As pessoas têm que ser inteligentes para poder comer”, descreveu o venezuelano.
Mario, que é licenciado em Informática e Eletrônica, e Ciências Navais, além de ser Técnico em Criminologia, no Brasil, trabalha como pedreiro. Ele diz que, mesmo tendo certa instrução, considera o acolhimento promovido pela igreja de Estância Velha, algo imprescindível.
O venezuelano diz que não teve muita dificuldade para se adaptar no Brasil, pois já havia estado no país, participando de cursos. Além disso, ele também participou da Operação Acolhida do Governo Federal, uma operação que tem ajudado a muitos venezuelanos, mas que acontece por determinado período.
“Eu me considero privilegiado, de certa forma. Mas a maioria dos venezuelanos que saem do país enfrentam muitas dificuldades, a começar pelo idioma. Dessa forma, não tendo apoio dos Municípios, ou das pessoas, como acontece em Estância Velha, por parte da igreja, ficamos à mercê do acaso. Contamos com Deus”, afirmou Mario.
Compromisso cristão
Segundo os venezuelanos, quem tem acolhido os refugiados em Estância Velha é a comunidade da Assembleia de Deus da Boa Saúde. O pastor da igreja, Paulo Mello, 64 anos, conta que não sabe se há descaso por parte do poder público, mas que ele observa ação alguma, relacionada ao acolhimento dos refugiados.
“Em vez de apontar para isso, a Assembleia de Deus da Boa Saúde tem cumprido com seu papel social. Temos a missão de falar de Jesus, e, na prática, estendemos a mão aos necessitados, praticando o amor. Estamos apenas cumprindo nosso papel, e agradecemos a Deus por nos dar condições para isso.”
O pastor afirmou que a igreja estanciense tem se esmerado no acolhimento dos refugiados, com doações, espontâneas, que são revertidas em alimentos, roupas, móveis, “e alguns irmãos têm se comprometido, inclusive, como fiadores de casas, aluguéis e móveis”.
Segundo Mello, um dos irmãos que têm mobilizado a comunidade em prol dos venezuelanos é o sargento da Brigada Militar (BM), Oséias Francisco Vieira. O sargento conta que conheceu um primeiro grupo de venezuelanos na igreja, no ano passado, e passou a acompanhar as necessidades dos refugiados.
Atualmente, o profissional é fiador de cinco famílias de refugiados. Ele afirma que o que mais preocupa a igreja é que os emigrantes não têm assistência alguma, e muitos passam fome em busca de emprego e abrigo para suas famílias.
“Os venezuelanos chegam com diversas dificuldades, mas são muito resilientes. Uma família conseguiu alugar uma casa, mas a residência não tinha água e eles não souberam comunicar. Fui visitá-los e eles estavam coletando água da chuva para beber e utilizar na limpeza”, relatou o sargento.
Vieira destacou que, para um povo sofrido como o da Venezuela, por menor que seja o gesto de carinho, tem um significado imenso.
“Nós, da igreja, temos nos organizado por conta, mas penso que o poder público deve, no mínimo, buscar conhecer a realidade desses refugiados, incluindo os de outras nações, como os haitianos, por exemplo. Saber que eles existem, que estão aqui na cidade. Quantos são? Em quais condições eles vivem? A prefeitura, certamente, não sabe”, afirmou o sargento.