Destaques
Estância Velha: após a chuva, barro volta às torneiras dos moradores da Av. Perimetral
Estância Velha – Ainda em 2010, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou que o acesso à água limpa e saneamento básico são direitos humanos fundamentais, em todo o planeta. Não é o que está acontecendo na Av. Perimetral, bairro das Rosas, onde, após cada chuva, por volta de 20 famílias são obrigadas a consumir um líquido barrento e que pouco se assemelha a água.
O Diário contou, recentemente, a história das famílias da Perimetral, no limite entre Estância Velha e Ivoti. Choveu nesta semana, após muitos meses, o que trouxe o pesadelo novamente aos moradores do local. Os próprios moradores cavaram poços, contrariando totalmente as recomendações de saúde pública, pois há risco de contaminações por diversas doenças.
Desde a construção da vila abaixo da Perimetral, nunca houve água encanada, segundo os moradores. Os poços já cavados e os que ainda estão sendo construídos recebem o líquido de vertentes localizados acima. A água considerada “limpa” no local é turva, mas, na falta de alternativa, é consumida regularmente pelas famílias.
Água coletada com carrinho de mão
O desempregado Jocemar Alves, 40 anos, sobe a lomba que dá acesso à Perimetral quatro vezes por semana, levando um carrinho de mão com diversas bombonas de água. Ele, que mora no local desde fevereiro, vai buscar água potável na casa da mãe, que mora na Rua Albino Hugo Müller, no bairro Cidade Nova, já em Ivoti, distante cerca de 200 metros de sua casa.
Quando a reportagem esteve no local, Jocemar carregava garrafas suficientes para quase 50 litros. Ele vive na vila com a esposa e três filhos, uma adolescente de 17 anos e dois garotos, de 8 anos e o mais novo com apenas 2 anos e 3 meses. “Essa água será para cozinhar e beber”, informou o desempregado, enquanto empurrava seu carrinho de mão na chuva.
De cinco a seis poços funcionam de forma regular. Um deles, com a água mais barrenta, fornece o abastecimento para sete casas, pelo menos, segundo informaram os moradores. Neste caso, a forma de coleta é improvisada: um cano principal sai do poço, onde se conecta a outros, um saindo de cada casa. Quando uma termina de encher, o cano é desconectado e dá lugar a outro.
“Essa água será para cozinhar e beber” – Jocemar Alves, desempregado
Os fios elétricos ficam nos pátios dos terrenos, expostos ao tempo, oferecendo perigo ainda maior. Outro poço, construído há cerca de oito anos, fica no pátio da casa do também desempregado Gustavo Dalpian, 55 anos. Um conjunto de três residências, somando dez pessoas, são abastecidas pelo poço, que é tampado, e cuja água é menos turva, mas não menos perigosa.
Entre os moradores, estão também sua esposa, Margarete Dias Peres, 44, um casal e o filho deles, neto de Gustavo, o pequeno Vinícius, um bebê de apenas seis meses de idade. “Às vezes, o poço enche e é possível pegar água mais aqui em cima”, informa o desempregado. Sem estrutura adequada, todos eles foram construídos com contrapisos ou revestidos com a própria terra do local.
Os riscos de consumir água contaminada
A professora de Epidemiologia e Saúde Coletiva da Universidade Feevale, Solange Shama, viu as imagens dos poços e se disse “apavorada”. Ela, que trabalhou por muitos anos na Vigilância em Saúde de Novo Hamburgo, afirmou que estruturas cavadas do tipo são raras atualmente, pois contrariam as recomendações sanitárias e representam perigo iminente de contaminação.
“Esta questão é muito séria, pois pode haver infecção por hepatite A, que já tivemos vários surtos, verminoses, leptospirose, se houver presença de ratos no local, e diarreia, especialmente nas crianças”, comenta ela. De acordo com a professora Solange, a recomendação a curto prazo é que a água seja fervida antes do consumo. “Até mesmo para escovar os dentes”, recomenda ela.
“O mais importante neste caso é ter acesso à água potável. Se você perguntar para alguma pessoa do local se ela já esteve doente, talvez ela até negue, mas provavelmente vai relatar algum caso de diarreia. Ali deve ser feito um trabalho para saber quem não tem este acesso, e procurar buscar água própria urgentemente”, afirma a professora.
“O mais importante neste caso é ter acesso à água potável” – Solange Shama, professora
Prefeitura alega “área particular” mas depositou brita em rua
Segundo a coordenadora da Vigilância em Saúde (Visa) de Estância Velha, Rosane Hermes, o órgão chegou a ir ao local e constatou que a água é imprópria. Porém, conforme ela, a área é particular. “É um problema de anos. A Prefeitura não tem acesso ali, não é uma coisa que a Vigilância vai lá e resolve. A Secretaria de Saúde tem que negociar com a dona”, comentou ela.
Ainda conforme Rosane, a Corsan manifestou interesse em instalar uma caixa d’água na vila, inclusive por meio da Secretaria de Obras. Porém, segundo ela, também por não se tratar de área pública, constatou-se que os próprios moradores deveriam instalar a caixa. Mesmo assim, ontem pela manhã, a Prefeitura entrou no local e depositou brita em algumas ruas após a chuva.