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O uso controverso da Creolina para fortificar o sistema imunológico

14/07/2020 - 13h21min

Atualizada em 14/07/2020 - 20h13min

Médico já atendeu paciente intoxicado com Creolina. Ele não recomenda o uso, mas na região, muitos o utilizam acreditando na sua capacidade de fortalecer a imunidade. (FOTO: Cleiton Zimer)

Por Cleiton Zimer

Dois Irmãos / Santa Maria do Herval – Com o passar dos anos algumas coisas ficam para trás; algumas crenças e culturas vão perdendo espaço. Outras, entretanto, acabam se perpetuando através das gerações e, mesmo que o tempo passe elas permanecem vivas. Como isso acontece? Bom, o avô conta para o filho, o filho para o neto e, assim por diante.

Uma dessas crenças que há na região e que começou a ter ainda mais força durante a pandemia da Covid-19 é o uso da Creolina para consumo humano. Muitos a usam por acreditar no seu potencial de fortalecimento do sistema imunológico, apesar dele ser estritamente para uso veterinário e tóxico para humanos. Além disso, médicos reforçam que não há, até o momento, remédio contra a Covid-19, nem mesmo como alternativa de prevenção.

Acredita na eficácia

Selma tem 78 anos e toma Creolina até três vezes por semana (FOTO: Cleiton Zimer)

Apesar das contradições existentes, Milton Valmir Kirtz Gräbin, 49 anos, explica que toma a Creolina há muitos anos e acredita fielmente na sua eficácia. “Combate até o câncer”supõe ele. Milton conta que toma o produto duas vezes por mês. “São sempre três gotas com um pouco de açúcar na colher”, comenta. Sua mãe, dona Selma Gräbin, 78 anos, completa destacando que “o melhor é tomar em jejum”.

Milton concorda e diz que geralmente toma antes de dormir. “É que é muito forte. Quando tomo fico cansado”, afirma. “Antigamente as pessoas sempre tinham em casa. Eu lembro que minha mãe deixava perto da cama. Tínhamos que tomar”, conta Selma.

O cheiro do produto é forte e fica impregnado nas narinas. Sua cor possui uma tonalidade escura. Milton brinca dizendo que ela “também é contra o mau hálito”, apesar de concordar que o cheiro é extremamente forte. Ele conta que quando sente uma dor de barriga, ou um leve resfriado toma um pouco e “então resolve. Não precisa de remédio”.

“Se fizesse algum mal eu estaria morto”

Questionado se tem medo de tomar o produto por não ter indicação médica, Milton fala que“se fizesse algum mal eu estaria morto”. Selma conta que é cultural, pois antigamente não havia a facilidade de hoje para consultar um médico. “Tinha que pagar por tudo. Era caro e éramos pobres. Então a gente fazia remédios caseiros e eles realmente funcionavam como a Creolina. Às vezes isso era até melhor do que ir ao médico”, conta.

Selma e Milton são naturais de Crissiumal e moram em Dois Irmãos há cerca de 20 anos. Ambos contam que não têm nenhum problema de saúde, e, inclusive, a esposa de Milton e seus dois filhos também tomam a Creolina. Dona Selma, aos 78 anos, explica que seu único problema é a dor na coluna, pois quando moravam no interior trabalhavam muito na roça e o serviço pesado acabou desgastando.

Aumentou a procura em meio à pandemia

Vera Stein (FOTO: arquivo pessoal)

Vera Stein é proprietária de uma floricultura e agropecuáriano bairro Amizade em Santa Maria do Herval. Ela conta que a venda da Creolina durante a pandemia aumentou no estabelecimento, embora não de forma exagerada. Ela explica que a maioria das pessoas compra para uso pessoal. “Dizem que realmente tomam e que é um remédio muito bom para várias doenças. Eu na verdade não falo nada. Em minha opinião acho que não deveriam tomar”, ressalta.

Ivermectina

Além da Creolina, conta que outro produto que tem bastante procura é a Ivermectina. “Não sei se surgiu uma reportagem ou algo sobre isso, mas o pessoal está tomando sem nenhum critério médico, se automedicando na verdade”, afirmou, destacando que “não tem como dizer que não vamos vender”.Ela completa dizendo que “se não faz mal para o cachorrinho não deve fazer mal para a pessoa também”.

“Nada anormal”

O proprietário de uma agropecuária de Dois Irmãos, LauriBraun, contou que no inicio da pandemia houve uma procura maior pela Creolina, “mas nada anormal e logo estabilizou. Creolina sempre vende”, disse. Lauriconta que os clientes compram o produto para desinfetar canis e pequenos galinheiros, e que não relatam se usam para consumo humano.

PALAVRA DO VETERINÁRIO

“O produto não deve ser inalado e muito menos ingerido”

Jonatas Breunig, veterinário (FOTO: arquivo pessoal)

O uso da Creolina é estritamente veterinário e, de acordo com o veterinário Jonatas Breunig, de Dois Irmãos, o produto, apesar de ser amplamente difundido e popular, caiu em desuso entre os profissionais em função de sua toxicidade para humanos e animais.

“Conforme a bula da Creolina, o produto é tóxico e segue a seguinte informação ‘Atenção: produto tóxico. Evite ingestão, inalação e contato com a pele, olhos e mucosas. Em caso de acidente, lavar o local atingido com água em abundância e procurar socorro médico’”, disse, ressaltando que, segundo o fabricante, “o produto não deve ser inalado e muito menos ingerido”.

Jonatas explica que a “Creolina tem ação bactericida sobre alguns micro-organismos. É indicado como desinfetante de instalações pecuárias, pocilgas, galpões e estábulos”, disse, afirmando que em sua fórmula há uma mistura de Cresóis e Fenóis associados a hidrocarbonetos aromáticos, produzindo um tipo de líquido essencialmente fino em diluição na água.

A PALAVRA DO MÉDICO

“É um produto considerado

tóxico e seu uso contraindicado”

Creolina

O médico Cláudio Eduardo Mendivil Suarez, de Dois Irmãos, conta que a Creolina não é prescrita para humanos. “É um remédio só para animais. Eu, clinicamente, nunca prescrevi para nenhuma pessoa. Já atendi casos de pacientes que tomaram e tiveram intoxicação, pois não é para usar”, ressaltou, afirmando que clinicamente “é um produto considerado tóxico e seu uso contra indicado”. Pontua também que até em animais o uso é “mais para ser tópico e não oral”.

O médico explica, também, que até o momento não tem nenhum remédio contra a Covid-19. “Nem mesmo de forma preventiva”, aponta. Cláudio ressalta que o que existe “são estudos em andamento, em diferentes países, mas nenhum com eficácia comprovada até o momento”.

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