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Os detalhes do cárcere que chocou a comunidade de Ivoti

04/03/2021 - 19h34min

Atualizada em 04/03/2021 - 22h06min

Casal vivia aparentemente em harmonia e feliz

* por Felipe Faleiro, Stefany Rocha

Ivoti – Dari Armindo Heidecke, o popular Padre, 50 anos, esteve recentemente em Nova Pádua, na Serra, assistindo à partida do time ivotiense do Esporte Clube Gaúcho fora de casa contra o Ferroviário. A partida era a segunda da final da Libertadores da Serra Gaúcha, e Heidecke, ligado há anos com a equipe de Ivoti, foi também prestigiar os colegas de time.

Por trás do estilo festeiro, o desempregado escondia uma faceta que poucos conheciam, e que nunca esperavam ver: um homem frio e violento, características afloradas quando ele consumia bebidas alcoólicas. Foi o que o Diário apurou em relatos de pessoas próximas, na construção do perfil do homem que manteve seu próprio filho em cárcere privado, na madrugada de quarta-feira.

O crime foi na rua Albino Kern, bairro Sete de Setembro. Padre manteve em cativeiro o próprio filho de 24 anos, que por decisão própria decidiu permanecer em casa, enquanto o pai chegava com uma intimação judicial recebida via WhatsApp, e motivada por supostas denúncias por violência doméstica. As negociações dos policiais duraram cerca de seis horas.

Como muitos moradores da região, Padre é natural de Três Passos, na região Noroeste do Estado, e veio tentar a vida na Encosta da Serra. Morava há mais de 15 anos no Sete de Setembro, em uma residência com um pátio amplo e uma Toyota Hilux azul na garagem. O veículo foi utilizado pelo autor antes do crime. Padre estava na chácara do pai, em Presidente Lucena, quando foi intimado.

O Diário apurou que ele saiu do sítio e estacionou a camionete em um loteamento em construção, ao lado da rua Castro Alves, no bairro Vista Alegre. Era por volta de 1 hora. Dali, saiu a pé rumo à residência, um trajeto de cerca de 750 metros. Ali, encontrou o filho e a discussão iniciou. Uma vizinha acionou a Brigada Militar, que chegou ao local por volta das 2 horas.

Amigo tentou ajudar na negociação

A BM tentou negociar a soltura do rapaz, mas como não houve avanços, o Batalhão de Operações Especiais (Bope) foi acionado a partir de Porto Alegre. Neste meio tempo, Odair Roessler, diretor do Gaúcho e amigo pessoal de Padre há muitos anos, foi contatado. Ele disse que, em outra oportunidade, havia resolvido uma situação de ameaça apenas conversando com Padre.

Odair foi contatado por um sobrinho de Padre. “Estavam me ligando, mas em primeiro momento ignorei, pois não achei que fosse nada sério. Mas como insistiram, atendi”, disse ele. Oda, como é conhecido, mora junto ao Boliche Ivoti, estabelecimento que administra. O sobrinho buscou Roessler em casa e o levou até a casa de Padre. Eram 4 horas da manhã.

“Tentei falar com ele, mas ele não cedia. Queria a esposa”, contou Roessler. A Brigada Militar não aceitou esta condição. Odair deixou o local por volta das 5h30, ou seja, antes da chegada do Bope, que chegou em Ivoti perto das 6 horas. A rua Albino Kern foi bloqueada nas duas esquinas, e, ao todo, havia cerca de 20 carros no local, segundo relataram vizinhos.

 “Tentei falar com ele, mas ele não cedia. Queria a esposa”

Agressor corre risco de ficar cego

A equipe do Bope tentou realizar uma negociação, mas pessoas que acompanharam as horas seguintes disseram que Padre não se mostrava disposto a mudar de opinião. O filho também eventualmente se expressava. Mas quando o rapaz parou de falar, por volta das 7 horas, a equipe tática entrou na residência e encontrou ambos brigando no chão do quarto do filho.

Padre estava por cima, e o rapaz por baixo, tentando agarrar o braço do pai. Ainda assim, o filho foi esfaqueado no braço, abdômen e peito, mas nenhum órgão vital foi atingido. Ele foi resgatado por uma equipe do Samu e encaminhado diretamente ao Hospital São José, onde foi tratado, levou pontos e liberado mais tarde. Ontem, ele já estava em casa, mas não quis falar com a reportagem.

O homem tentou seguir esfaqueando o filho mesmo após a intervenção do Bope, o que fez com que os policiais atirassem três vezes. Os tiros acertaram o braço, o nariz e um dos olhos dele, e o agressor corre o risco de ficar parcialmente cego. Padre foi levado ao Hospital de Pronto Socorro (HPS) de Canoas, e depois ao HPS de Porto Alegre. Após receber alta, será preso em flagrante.

Não aceitava padrão de vida “inferior”

A esposa é natural de Ivoti, e ela vem de uma família com 21 irmãos, sendo que 18 ainda estão vivos. A mulher não estava em casa, pois havia saído com a filha de 21 anos, temendo pela vida de ambas a partir do recebimento da intimação por parte do marido. Em parte, as brigas com a esposa e o casal de filhos foi motivada porque Padre saiu repentinamente do emprego há três anos.

Padre era gerente da Getebel, distribuidora de bebidas que funcionava onde hoje é o prédio da Cervejaria Adoma, no bairro Harmonia, e considerado “braço direito” de Gerson Morschel, então proprietário da empresa. Ele também ajudava em muitas festas da região. A reportagem também apurou que Padre não aceitava ter um status “inferior” ao que havia nos tempos de gerência.

Outra informação apurada é que o acordo pré-nupcial dele e da esposa previa a separação de bens, algo nunca totalmente aceito por Padre, que queria ficar com tudo. Ainda assim, o autor do crime era, na maioria das vezes, uma pessoa “tranquila”, e raramente os vizinhos ouviam brigas. “Sempre tomavam chimarrão na frente de casa”, disse um vizinho.

Jogador disciplinado e premiado no município

Padre era destacado no desporto da região. Ele e o pai foram ecônomos do Gaúcho, e o próprio Dari chegou a jogar no Olympique, de Ivoti, nas equipes de futsal Veterano, Master e no time que disputou a 2ª Divisão do Campeonato Municipal, e por 10 anos no Rodeio, de Presidente Lucena, além de outras, onde conquistou muitos títulos.

Atuava como ala ou fixo na quadra e como volante no campo. Ele recebeu, em dezembro de 2015, o Prêmio Ivoti Destaques do Esporte, concedido pelo Departamento de Desporto e pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura (Semec), junto com outras 33 pessoas. Segundo o Desporto de Ivoti, Padre era um jogador de contato, e teve poucas expulsões nas partidas que disputou.

Na tarde anterior ao crime, ele foi visto correndo na rua. Ao contrário do que fazia em casa, Padre não era indisciplinado no esporte. Mas enquanto torcedor, há relatos de que eventualmente ele se exaltava um pouco, mas as polêmicas nunca ultrapassavam as quatro linhas. Seu filho também jogava na equipe principal do Gaúcho, motivo pelo qual Padre estava em Nova Pádua.

O rapaz também chegou a jogar na base do Athletico-PR, mas foi dispensado, e ainda no time de futsal do New Boys, de Ivoti. Durante a negociação com a BM, Padre chegou a afirmar que haveria “dois mortos” no local. Porém, felizmente, neste caso, houve um desfecho positivo no caso que chocou a comunidade ivotiense nesta semana.

“Ele já tinha agredido minha mãe e tentado me agredir e a meu irmão”

Até chegar ao desfecho ocorrido na madrugada da última quarta-feira, algumas situações já vinham abalando a relação familiar de Padre com a esposa e os dois filhos, de 24 e 21 anos de idade. Enfrentando problemas com o consumo excessivo de álcool, os comportamentos agressivos dele dentro de casa estavam se tornando cada vez mais recorrentes.

Em uma breve conversa com a reportagem do Diário, ainda na manhã de quarta-feira, a filha mais nova do casal destacou que o pai e a mãe estavam vivendo uma fase complicada da relação. Assim, procurando por uma forma de ordenar a situação, a esposa decidiu buscar a Delegacia da Mulher para registrar uma queixa referente as agressões que vinha sofrendo pelo marido.

Inconformado com a situação, que Padre deu início aos afrontamentos contra o filho. A filha relatou um pouco sobre o que a família viveu durante as horas em que o pai manteve o próprio filho, seu irmão, em cárcere privado. Ela observou alguns acontecimentos anteriores que levaram até o acontecido.

   

Padre jogou por muitos anos no Gaúcho, e foi também ecônomo da equipe

Os relatos da filha de Padre sobre uma convivência difícil

Motivação

“O álcool associado com o comportamento agressivo que ele já tinha e que vinha crescendo cada vez mais foi um fator decisivo nesta história. Pode-se considerar que ele é uma pessoa alcoólatra”.

Relacionamento familiar

“Eles ainda não tinham iniciado processo de separação oficial, mas ele havia sido enquadrado na Lei Maria da Penha. Ele continuava, entre aspas, morando em casa. O pai dele tem um sítio em Presidente Lucena, então ele ficava lá por alguns dias, mas no máximo dois dias consecutivos e, dependendo do que dava na cabeça dele, ele voltava para perto da gente, buscando atingir nós. Na verdade, mais para atingir a minha mãe”.

Histórico

“As coisas nunca haviam chego a este ponto, mas ele já havia praticado atos de agressão contra minha mãe e até tentado agredir a mim e meu irmão”.

Saída de casa

“Nos últimos dias estas situações de confronto vinham acontecendo com muita frequência, então eu e minha mãe resolvemos sair de casa nesta segunda-feira. O meu irmão pediu para ficar em casa para garantir que, caso ele voltasse, ele não faria nada com as coisas aqui de dentro da residência. E aí, isto tudo acabou acontecendo”.

Notícia

“Na noite de terça-feira ele foi informado de que estava enquadrado na Lei Maria da Penha e que por isso não poderia se aproximar da minha mãe. E isto fez com que ele fosse até a nossa casa, procurando justamente pela minha mãe. Eu e ela ficamos sabendo que ele estava em casa após a vizinha nos avisar. Ela falou que escutou o barulho dele tentando arrombar a porta e que depois disto passou a ouvir muitos gritos, de mais de uma pessoa, e som de coisas sendo quebradas”.

Agressões

“Ele não tem arma, só faca. Então, foi o que ele fez: pegou uma faca e foi até a nossa casa. Ele tentou agredir meu irmão com a faca, cortou ele em algumas partes do corpo. Nada muito profundo, mas em locais como braço e peito. O corte que ele fez no peito do meu irmão foi no momento em que os policiais conseguiram entrar na casa, mas o no braço foi logo que ele chegou e começou todo este atrito”.

Cárcere

“Ele ficou, mais ou menos, cinco horas trancado no quarto com o meu irmão. Logo que chegou, ele vinha destruindo algumas coisas dentro da casa, mas depois que ele sentiu que tinha movimentação de carros na rua, e que possivelmente era da polícia, ele se trancou dentro do quarto com o meu irmão, porque o cômodo não tem muito acesso”.

Desfecho

“O meu irmão recebeu pontos nos cortes e precisou passar por exames de Raio-X para ver se não havia nenhuma lesão óssea, mas ele está bem, só ficou internado para estes procedimentos mesmo. Já em relação a ele, eu não sei dizer exatamente, porque inclusive não me atualizaram muito sobre a situação dele, eu acompanhei ele até o hospital aqui de Ivoti, mas foi isso”.

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