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Morador de Herval lembra do tempo em que ajudar a trabalhar para sustentar a família vinha antes dos estudos

12/05/2021 - 08h21min

Atualizada em 17/05/2021 - 07h35min

Luiz Zimer, aos 54 anos, lembra da época em que a prioridade era trabalhar. Só depois vinha a escola (FOTO: Cleiton Zimer)

Por Cleiton Zimer

Santa Maria do Herval – Luiz Zimer, 54 anos, nasceu e cresceu na localidade de Padre Eterno Baixo, trabalhando como agricultor desde criança até os dias de hoje. Ele conta que iam na aula em uma escola que era feita de madeira. No pátio, onde brincavam na hora do intervalo, tinha vacas que pastavam e faziam companhia aos alunos. Havia apenas um banheiro para todas as crianças, no meio do inhame; era uma antiga capunga.

O morador ainda lembra da sua professora: a Tereza Zahler, que era a única a dar aula e lecionava para 60 a 70 crianças. As turmas eram multisseriadas da 1ª a 5ª série. “Até dava para fazer duas vezes a 5ª, mas mais que isso não tinha, só se saísse do Padre Eterno e condições para isso não havia”. Merenda só era feita quando a professora conseguia tempo entre as aulas para preparar alguma coisa, as vezes, os próprios alunos ajudavam, trazendo um e outro ingrediente. “Também levávamos lanche junto. Pão com açúcar, batata-doce, bergamotas ou waffle. Sempre tinha alguma coisa”.

Tereza Zahler dava aula para as turmas multisseriadas (FOTO: Cleiton Zimer)

Mas, antes de ir para a escola, vinham as tarefas de casa. As crianças levantavam cedo e precisavam ajudar a tratar os animais. E, como tinha poucas condições financeiras na época, Luiz lembra que muitas vezes iam para a escola descalços. O frio e a chuva castigavam. “A aula começava às 7h. Mas se chegasse alguns minutos atrasados não podia mais entrar. Precisavam esperar o horário de intervalo”. Luiz ficou algumas vezes de fora, esperando o “recreio” para entrar, pois antes dos estudos vinha o trabalho de casa. “Hoje em dia é tudo mais fácil. Ninguém precisa caminhar longe para ir na aula, tem transporte para todos os alunos”.

Luiz lembra que as brigas entre as crianças eram quase que uma tradição. “Quando acabava a aula já se escutava o barulho, se corria para a rua e quando se via já estavam atirando pedras na cabeça um do outro”. Mas, tudo era levado na esportiva e depois os envolvidos se entendiam, até porquê eram todos conhecidos e vizinhos.

 A prioridade era o trabalho

O trabalho em casa, na lavoura, era a prioridade. Quando necessário nem se ia na aula para poder ajudar. De manhã cedo saíam, iam a pé para a roça que estava distante há cinco ou mais quilômetros. Levavam um pouco de comida para conseguir se sustentar ao longo do dia, enquanto plantavam batatas, feijão e outros produtos. Depois, ao final do dia, tinham que voltar a pé, mesmo exaustos após muito trabalho braçal. “Ao chegar em casa já estava escuro e tinha de 25 a 30 animais para tratar, ordenhar as vacas e alimentar os porcos. Ainda tinha que manusear cerca de 100 rolos de fumo”.

Energia elétrica não tinha. Luiz conta que depois de tudo feito era a vez das atividades escolares, do tema, e só tinha a luz de um liquinho bem fraco para iluminar. Não existiam facilidades na época, mas, sobrava disposição para lutar por dias e condições melhores para a família, que sempre trabalhava unida, buscando o melhor para todos.

Em 23 de janeiro de 1993 Luiz se casou com Elisa Braun (Arquivo pessoal Luiz Zimer)

Não tinha roupas para comprar, nem prateleiras

cheias em armazéns; as missas eram sagradas

Luiz vem de uma família de 13 irmãos; todos estão na foto do seu casamento; só faltam os pais (Arquivo pessoal Luiz Zimer)

Luiz vem de uma família de 13 irmãos. Com os pais, eram 15 pessoas na mesma casa. “Era uma tropa para comer”. Moravam na divisa com Serra Grande, bem distante. Sempre nas quintas-feiras um dos filhos, geralmente alguém mais velho, ia cavalgando com a mula até a parte central da localidade onde tinha armazém e, lá, se comprava quatro quilos de carne e quatro quilos de linguiça, além de outros mantimentos. “Isso precisava durar até a semana seguinte e, se tinha dinheiro, comprávamos de novo, caso contrário, não”. Quando faltavam recursos, a família se viravam da forma como dava, comiam nhoque, sopa de feijão e outros alimentos produzidos por eles. “Não era ir comprar um pacote de farinha ou arroz como hoje, simplesmente não tinha”.

O morador destaca que na época não tinha despesas. Comida era algo que não faltava, embora não tivesse tantas opções como hoje. “A única coisa que não tínhamos era roupa. Nada de cuecas, calças para comprar”. Os tecidos eram adquiridos em metros e tudo costurado em casa.

Luiz (à direita) ao lado da irmão Marli Lauer (Arquivo pessoal Marli Lauer)

Uma das lembranças mais significativas que Luiz carrega consigo é quanto a autossuficiência das pessoas. “Iam se visitar e tinham tempo um para o outro, conversavam. Hoje, se reúnem, é feito churrasco e ainda assim tem alguns que não estão satisfeitos, não comem”. Conta que antigamente anos as pessoas vinham cavalgando para visitar amigos e parentes, era carneado um galo para fazer almoço ou janta. “E nossa, como eles ficavam satisfeitos, alegres. Hoje não. Pode fazer o que quiser que as pessoas não se agradam. Naquela época era tudo mais bonito”.

Orações em família e crianças na Igreja

Luiz conta que, ao acordar, a primeira coisa que as crianças faziam era cumprimentar com um “bom dia” quem estava sentado na cozinha, ao lado do fogão a lenha. De tarde, antes de almoçar e, à noite, antes de jantar, era rezado o Pai Nosso na mesa, sempre em família.

Quando tinha missa, não importava se chovia, se fazia frio, ou se era muito quente, ou ainda se tinha muito serviço. Se ia na Igreja. Era prioridade. Não havia celebração todos os finais de semana, mas, quando tinha, os bancos da frente eram reservados para as crianças. “Um lado era para as meninas e o outro para os meninos. Quando o padre vinha, a primeira coisa que fazia era pedir pelas crianças; só depois começava a missa”. Luiz conta que todas as crianças ajudavam a cantar e, se por ventura alguém simplesmente se virasse para trás, lá estava o catequista para dar um puxão de orelhas. “Estávamos lá para prestar atenção no que o padre dizia, não ficar espiando. Hoje não é assim. As crianças ficam do lado de fora, paradas na escada, ou nem vão na Igreja. Eu não sei se era certo naquela época ou se é certo hoje, mas sei que era muito diferente”.

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