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Em artigo, delegado estimula clientes que perderam dinheiro em pirâmides financeiras a procurem a Polícia
Região – Após o desmoronamento de duas empresas que operavam pirâmides financeiras, o delegado Ayrton Figueiredo Martins Júnior, da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (DRACO) de São Leopoldo – que também atua como delegado substituto em Estância Velha -, escreveu um artigo em que estimula as pessoas que foram influenciadas a aplicar seus rendimentos nos negócios fraudulentos a procurarem a polícia para registrar ocorrência contra os quem os lesou.
No artigo, o delegado se refere as diversas “empresas” que operam sistemas de pirâmides financeiras em todo o Brasil. Mas também remete a memória a duas famosas empresas do Vale do Sinos que diziam atuar no mercado de crioptomoedas: a Unick, de São Leopoldo, e a InDeal, que tinha sede em Novo Hamburgo.
Assim como a Unick e a InDeal, há várias outras empresas que operam pirâmides financeiras, como Bitrading e FX Trading Corporation, por exemplo.
No mesmo texto, o delegado Ayrton alerta as pessoas sobre o modo de agir destes grupos criminosos trazendo um contexto histórico e mundial de como atuam estes golpistas. “Não confundam investimentos pessoais em criptomoedas (que são lícitos e reconhecidos pela Receita Federal do Brasil) com supostos ‘grupos de investimento’, ‘soluções miraculosas’ e de rentabilidade discrepante do mercado brasileiro ou ‘gurus’ de blockchain, que estão à espreita das vítimas desavisadas”, coloca.
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Novo argumento para uma velha fraude
No advento das criptomoedas e da tecnologia blockchain, vivemos uma revolução em termos de técnicas de investimento e na garantia de manutenção de capital. Comprovadamente segura, a tecnologia blockchain nada tem a ver com nova dinâmica de fraudes praticadas em grandes e reiteradas “correntes” ou pirâmides, no Vale dos Sinos.
Com o argumento de investimentos em criptomoedas, indivíduos têm, de forma contumaz, convencido pessoas incautas de que um novo e revolucionário investimento geraria lucros extraordinários e rendas infindáveis, tudo sob a garantia de retorno imediato. São reiterados os casos de vítimas que foram então enganadas pelo logro de tais agentes, que se utilizando de uma boa retórica, impuseram o falso pretexto de investimento em criptomoedas para, ao final, locupletarem-se e se evadirem com o dinheiro alheio.
São inúmeros os casos em várias cidades do Vale dos Sinos, que nos últimos anos tem sido alvo de investigações policiais e processos penais, para responsabilização dos falsários. No entanto, tais engodos não são ideias originais, pelo contrário, são corruptelas de uma fraude muito mais elaborada e complexa, eternizada na pessoa de Charles Ponzi, ítalo-americano, preso e processado por pirâmide financeira, nos anos 1920, na cidade norte americana de Boston.
Ponzi foi um emigrante que, fugindo da pobreza, da Itália da época da Primeira Grande Guerra, rumou para os Estados Unidos da América, em busca da riqueza e da prosperidade, celebrizadas no chamado “sonho americano”. Nos primeiros anos, Ponzi encontrou dificuldade na busca de tais objetivos, tendo então rumado para o Canadá, onde trabalhando como escriturário em um banco, acabou preso com acusação de fraude bancária. Após cumprir dois anos de pena, foi libertado e retornou aos Estados Unidos para avidamente buscar riqueza e sucesso. Trabalhando em empresas de exportação e importação e mantendo contatos com pessoas do ramo de investimentos, teve a complexa ideia de utilizar cupons postais comprados na Itália (cuja desvalorização inflacionária derrubara o valor da moeda) no mercado norte americano, onde se trocariam tais cupons por dólares em espécie. Em teoria, seu estratagema criaria lucros astronômicos, porém, ao realizar as primeiras transações, Ponzi descobriu que tais cupons postais comprados por míseros valores não seriam convertidos em dólares como planejado.
Mesmo sabendo que sua estratégia de investimento era impossível, Ponzi iniciou empresa de investimento, na qual prometia aos incautos 50% de lucro após 45 dias de investimento. Criou-se uma corrida incessante de pessoas com dificuldades econômicas para realizar investimentos na empresa de Ponzi, que lhes entregava cupons em troca dos dólares recebidos, para posterior resgate após o prazo acordado. Uma “bola de neve” se formou, de forma que Ponzi se tornasse uma celebridade, um mágico, um bruxo com poderes sobrenaturais, cujo toque de midas gerava riqueza e prosperidade.
Após o grande alvoroço público, a imprensa local e as autoridades começaram a desconfiar do modelo de negócio de Ponzi, passando a investigá-lo com muito apuro. Ponzi sempre era personalidade muito eloquente, utilizando-se de franca publicidade pessoal para cada vez mais atrair investidores, mas tinha plena consciência de que, na verdade, tirava o dinheiro de “Pedro para pagar Paulo” (Peter-to-Paul scheme). Ao final de uma guerra midiática, as autoridades foram bem sucedidas em comprovar que Ponzi não possuía lastro ou bens suficientes para pagar a todos seus depositantes ou investidores, sendo um mero estelionatário. Restou preso e sentenciado ao cárcere.
Trazendo este exemplo histórico para a realidade do Vale dos Sinos, temos clara a semelhança do esquema de pirâmide de Ponzi com todas as fraudes ultimamente descobertas, envolvendo supostos investimentos coletivos em criptomoedas. Tratam-se do mesmo estratagema fraudulento no qual se troca o dinheiro velho pelo dinheiro novo, de forma que há falsa percepção de prosperidade, enquanto a corrente ou pirâmide possui apelo midiático ou está popular, recebendo investimentos das vítimas incautas.
Entretanto, “todo negócio miraculoso tende a ser logro”, como bem já aconselha o adágio. Quando não se consegue mais atrair novos investidores, devendo-se pagar pelo já investido, este é o momento da ruína, da quebra da corrente, da destruição da pirâmide. Neste exato momento, os supostos mágicos dos investimentos, “expertos” em criptomoedas, evadem-se sem deixar rastro, levando consigo grandes somas de suas vítimas.
No intuito de esclarecer e instar às pessoas das diversas comunidades do Vale dos Sinos, vimos, nesta singela forma, comunicar que tenham precaução. Não confundam investimentos pessoais em criptomoedas (que são lícitos e reconhecidos pela Receita Federal do Brasil) com supostos “grupos de investimento”, “soluções miraculosas” e de rentabilidade discrepante do mercado brasileiro ou “gurus” de blockchain, que estão à espreita das vítimas desavisadas.
Em nome da Polícia Civil, por fim, convidamos às vítimas de tais fraudes que busquem comunicar fatos correlatos aos acima ilustrados. Compareçam ao plantão policial de qualquer Delegacia do Vale dos Sinos e informe fraude de que porventura foram lesadas, mencionando as características de pirâmide ou corrente e seus potenciais suspeitos.
Ayrton Figueiredo Martins Júnior
Delegado de Polícia