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Nova Petrópolis: financiamento de R$ 14 milhões é cercado de mistérios e artimanhas

02/08/2019 - 20h00min

Atualizada em 03/08/2019 - 16h11min

Nova Petrópolis – A população de Nova Petrópolis segue com poucas informações sobre o financiamento de R$ 14 milhões que a Prefeitura quer contratar junto à Caixa Econômica Federal e cujo projeto de lei deve ser votado pela Câmara na segunda-feira, dia 5, após apenas uma semana de tramitação.

As informações oficiais divulgadas até o momento são básicas, como o prazo de 10 anos para o pagamento (os dois primeiros de carência) e a taxa de juros anual, de 4,5% + a variação da CDI. Não foram divulgados estudos de impacto financeiro sobre as contas do município.

Quanto às finalidades do dinheiro, as informações são genéricas: objetivamente, sabe-se apenas que será asfaltado o resto da Rua dos Imigrantes, em Linha Olinda. Sobre o asfaltamento em outras partes, como Nove Colônias, ou a construção de pontes, não há números, metragens ou especificações.

As informações surgem aos poucos e com caráter informal. Já se sabe, por exemplo, que a ideia é reformar três pontes, sendo duas em São Jacó e uma em Linha Pirajá. O asfalto em Nove Colônias incluirá o trecho junto à Igreja Evangélica e a Sociedade Alegria e outro pedaço no sentido à ERS-235.

A tese que melhor explica a manutenção do mistério é relacionada à provável indignação nas comunidades que não serão beneficiadas pelo pacote de obras. Uma delas seria o Pinhal Alto. Os moradores de lá não terão benefícios diretos, mas terão que ajudar a pagar a conta.

Uma segunda tese, também válida, diz respeito à conta final. De acordo com pessoas que estiveram em contato com secretários municipais nesta semana, alguns deles admitem que os R$ 14 milhões podem não ser suficientes para pagar tudo o que está sendo anunciado. Nesta hipótese, quanto menos detalhes forem divulgados, melhor.

Ontem, às 17h30, um grupo de vereadores iria até a Prefeitura para tomar conhecimento dos projetos e saber mais detalhes sobre as obras que a administração pretende realizar com o dinheiro emprestado. Restará a sexta e a segunda-feira para que a comunidade tome conhecimento e discuta o teor da proposta.

Os detalhes que não podem ser ignorados

1 – O projeto do financiamento foi apresentado e será votado durante os 30 dias de licença de três vereadores, todos podendo ser considerados de oposição: Darlei Wolf e Nei Schneider, do PSDB, e Rodrigo Santos, do PSB. Por mais determinados que sejam, os suplentes não dispõem dos mesmos meios de atuação dos titulares.

2 – Na sessão do dia 15 de julho o prefeito Regis Hahn pediu à Câmara de Vereadores mais prazo para apresentar o projeto da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para o exercício de 2020. O prazo estabelecido pela Lei Orgânica era o dia 30 de julho e ele não poderia ser cumprido, conforme o ofício enviado à Câmara. Nenhum vereador questionou o atraso, o que indica que nos bastidores todos eles já sabiam do projeto de financiamento.

3 – Quando começou a tramitação do projeto na Câmara, na sessão de 29 de julho, os vereadores João Paulo Viana (Ceará-PSB) e Daniel Michaelsen (MDB) confirmaram as especulações das semanas anteriores, comportando-se como os dois defensores mais ferrenhos do financiamento.

4 – Nas redes sociais há quem classifique o projeto de financiamento como uma iniciativa de caráter eleitoreiro. Apesar de o prefeito Regis Hahn estar presente à sessão, foi o secretário da Educação, Ricardo Lawrenz, que defendeu o projeto perante os vereadores na sessão do dia 29 de julho. Em sua fala, não pronunciou nenhuma vez a palavra “educação”. Ricardo é tido como pré-candidato do governo na eleição de 2020.

5 – Um dos vereadores que estão como suplentes na Câmara é Paulo Heylmann (Goiabão, sem partido). Há pelo menos seis anos ele articula um processo de irmandade entre Nova Petrópolis e Emmelshausen, na Alemanha. No passado, a administração municipal chegou a dar sinais de que não estava interessada na ideia. O projeto que trata da irmandade Emmelshausen foi enviado à Câmara também no dia 29 de julho, ganhando todas as atenções do vereador suplente, que sequer falou do polêmico financiamento ao ocupar a tribuna.

6 – No dia 29 de julho, na sessão em que os vereadores começaram a discutir o projeto de financiamento, sequer havia tempo hábil para se tratar de detalhes. Isso porque estava agendada uma homenagem da Câmara após a sessão, proposta pelo vereador Rafael Lüdke (PP). Diferente das demais sessões, que começam às 19h30 e se estendem por tempo indeterminado, no dia 29 de julho o início foi às 18h15 e o término estava marcado para as 19h30, quando começou a homenagem.

Em 2012, Daniel, Freitas e Lelo eram contra os financiamentos

Em sua história recente, a Câmara de Vereadores de Nova Petrópolis já acumula algumas experiências com financiamentos para projetos do Poder Executivo. No atual mandato de Regis Hahn já foram autorizados dois empréstimos que totalizam R$ 3,1 milhões.

Um deles foi feito junto ao Badesul, para comprar máquinas novas, e é muito semelhante a um projeto apresentado em março de 2012, quando o prefeito era Lui Schenckel. Na ocasião, a proposta foi rejeitada com votos contrários de Daniel Michaelsen (MDB), Jeronimo Stahl Pinto (PDT) e Oraci de Freitas (PP).

O atual prefeito Lelo era vereador e também votou contra, assim como Simone Michaelsen (MDB), que não está mais na vida pública. Na época (2012), o presidente da Câmara era Pascoal Grings (PSDB) e o líder de governo era Darlei Wolf (PSDB), a quem coube defender o financiamento no valor de R$ 1 milhão.

Na sessão do dia 29 de março de 2012 deu entrada o projeto de lei, assinado pelo vice-prefeito em exercício, Ricardo Lawrenz. O então secretário de Obras, Charles Paetzinger, ocupou a tribuna para também defender a aprovação do empréstimo.

HOJE – Charles tornou-se vice-prefeito e Ricardo é o atual secretário de Educação. Darlei segue como vereador, mas encontra-se licenciado por 30 dias. Em seu lugar assumiu justamente Pascoal Grings, hoje suplente.

De acordo com ele, o financiamento tentado em 2012 previa uma taxa de juros semelhante aos 10% do projeto que tramita atualmente. “Na época se dizia que este juro era muito caro”, comenta Pascoal. “E se sabia que o município precisava de máquinas”, acrescenta.

Na sessão de segunda-feira, dia 29 de julho, o tucano afirmou ainda que o País vive um período de recessão, que inclusive pode piorar. “Nós não sabemos como estará a situação do município em quatro ou oito anos. O problema de quem faz financiamento não é pagar a primeira prestação, mas sim a última”.

Regis Hahn, quando vereador, questionou financiamento em ano eleitoral (Créditos: Arquivo/O Diário)

Lelo não queria dívidas para o próximo prefeito, que seria ele

Em 2012, ao justificar o seu voto contrário ao financiamento de R$ 1 milhão junto ao Badesul, o então vereador Regis Hahn afirmou que não gostaria de ver um prefeito tendo que pagar dívidas feitas por um antecessor.

A ata da sessão de 3 de abril de 2012 traz o seguinte registro sobre a fala de Lelo na tribuna: “Lembrou que foi divulgado na imprensa que o atual prefeito estava pagando máquinas adquiridas no tempo do prefeito Augusto. Disse que não gostaria que isto viesse a acontecer com o futuro prefeito. Citou também que estamos em ano eleitoral e este é o último ano desta administração. Disse que votou contrário ao projeto com a consciência tranquila”.

Poucos meses depois, Lelo seria eleito prefeito, derrotando Ricardo Lawrenz. Ao tomar posse, não precisou se preocupar com as parcelas do financiamento junto ao Badesul. Ao que tudo indica, essa mesma preocupação não existe com relação ao prefeito que assumirá em janeiro de 2021.

Oraci de Freitas era contra a ideia de fazer uma dívida para o próximo prefeito pagar (Créditos: Arquivo O Diário)

Freitas era contra porque os juros equivaliam ao valor de três carros

Oraci de Freitas também se manifestou no dia 3 de abril de 2012, quando o financiamento de R$ 1 milhão junto ao Badesul foi rejeitado. Na tribuna, ele afirmou que não era contra a compra de máquinas, mas que era contra os juros que seriam praticados.

Citando um projeto similar, apresentado antes de 2012, Freitas disse que fez as contas e chegou à conclusão que o valor dos juros daria para comprar três automóveis novos, o que ele considerou pesado demais.

De acordo com a ata da sessão de 3 de abril de 2012, o vereador Oraci de Freitas afirmou na tribuna que era contra a ideia de se fazer dívida e deixar para o próximo prefeito pagar.

Município já tem dois financiamentos para pagar

Com o financiamento tentado em 2012, o prefeito Lui Schenkel queria comprar uma pá carregadeira e uma motoniveladora. As duas máquinas acabaram sendo compradas cinco anos depois, durante o segundo mandato de Regis Hahn.

Foi no ano de 2017, quando a Câmara aprovou e a Prefeitura contratou o mesmo financiamento do Badesul que Lui tentou em 2012. Além da pá carregadeira e da motoniveladora, o valor de R$ 1.296.000 serviu para comprar um britador móvel e um rolo compactador.

De acordo com a Secretaria da Fazenda, os juros são de 6% ao ano mais a variação da taxa Selic. Houve seis meses de carência e em junho de 2018 o município começou a pagar 47 parcelas de R$ 27.574,47, sendo a última estipulada para abril de 2022. Este valor não inclui os juros.

Mais recentemente, em abril de 2019, a Prefeitura assinou um contrato de financiamento de R$ 1.806.649,01 junto ao Banco do Brasil. Trata-se do Programa de Modernização da Gestão Municipal, oferecido aos municípios pelo banco estatal.

Para ele, o município conta com carência de 24 meses e depois 96 meses para o pagamento. A reportagem não teve acesso aos índices exatos da taxa de juros deste financiamento.

Se o financiamento de R$ 14 milhões for aprovado nesta segunda-feira, a Administração Municipal terá três financiamentos para pagar no ano de 2022, ano este que tende a ser mais difícil para os municípios por conta das eleições federais e estaduais.

EDITORIAL: Nova Petrópolis segue o mau exemplo do Rio Grande do Sul falido

Os governantes de Nova Petrópolis foram eleitos pela população para representá-los ao longo de quatro anos. Tanto o prefeito como os vereadores têm autonomia para decidir segundo suas convicções. É da regra do jogo. Não dá para agradar todo mundo. Contudo, as pessoas têm miolos na cabeça e sabem o que é bom ou ruim para elas. Aqui sempre falamos na maioria, porque o jogo da democracia é o governo da maioria.

A Câmara de Vereadores de Nova Petrópolis já fez suas diatribes. Por exemplo, quando remou contra a correnteza e aumentou de 9 para 11 vereadores a composição do Legislativo. Na época deram uma de Joãozinho do Passo Certo, pois nenhuma Câmara que tem a população de Nova Petrópolis que se conhece tem 11 vereadores. Só Nova Petrópolis. Movemos na época quase uma montanha para dissuadi-los da intenção, mas não adiantou.

A justificativa de alguns que resolveram dizer algo a respeito foi esdrúxula. Segundo um vereador da época, quanto mais vereadores, mais a população estaria representada. Quando precisamos de um mínimo de intelecto para tomar decisões nunca importou a quantidade, e sim, a qualidade. Neste ano voltaram a reduzir para 9. Talvez nem eles próprios aguentaram aquele teatro de absurdos a que se reduz muitas vezes um Legislativo, não importando se trata-se do Congresso Nacional ou uma Câmara de Vereadores.

Agora os 11 vereadores estão de novo diante de um dilema. A princípio não parece preocupá-los. No entanto, quando se mede as manobras que estão acontecendo nos bastidores, chega-se à conclusão que o caso é polêmico. Trata-se da autorização para a Prefeitura contrair um empréstimo de 14 MILHÕES DE REAIS para pavimentação de ruas. JUROS: 4,5% + CDI. TOTAL DO CUSTO: 10,53% ao ano. PRAZO DE PAGAMENTO: 10 anos. DÍVIDA TOTAL EM 10 ANOS: 30 MILHÕES.

Espantoso é o que aconteceu na última segunda-feira. O projeto entrou sexta e segunda os vereadores votaram REGIME DE URGÊNCIA. Ou seja, tem que ser votado em uma semana. ALEGAÇÃO: demora para preparar a documentação para viabilizar a obtenção do empréstimo. Um assunto tão controverso, que pode inviabilizar a Prefeitura, ser tratado em regime de urgência, sem tempo sequer para ser amplamente debatido, é no mínimo estranho.

Mais estranho ainda quando a gente se dá conta que três vereadores estão de licença. Conclusão: não quiseram se comprometer nem de uma forma nem de outra e caíram fora. E o fato do regime de urgência ter sido votado por unanimidade, dá a impressão de que todos estão de acordo.  A quebra do Estado do Rio Grande do Sul começou exatamente assim, ao virar um cabide de emprego e, posteriormente, sem dinheiro, fazer obras contraindo empréstimos. Hoje o Estado está falido. Nova Petrópolis caminha na mesma direção.

O Executivo é irresponsável e o Legislativo cúmplice. Igualzinho ao que aconteceu no Brasil inteiro. O que mais espanta é verificar que a quebradeira generalizada do Brasil não serve de exemplo para Nova Petrópolis. Os seus políticos agem como se vivessem numa redoma, num convento, sem contato com o mundo exterior.

O Diário faz o seu papel de alertar a população sobre o que estão fazendo com o seu dinheiro. A DÍVIDA TOTAL EM 10 ANOS SERÁ DE 30 MILHÕES. O próximo prefeito não vai fazer outra coisa a não ser pagar a dívida deixada por Lelo. Para se vingar, vai contrair o seu empréstimo também, que se juntará ao anterior.

Em vez de Nova Petrópolis ser um município saudável, sem dívida, será o contrário. Endividado e sem obras. Quando alguém falar em obras só na base do empréstimo. Será um atrás do outro, a tal da bola de neve. Só a mobilização do povo para barrar este absurdo. Se ninguém fizer nada, todos acabarão sendo cúmplices.

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