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A rotina de uma mãe e seu filho cadeirante: a realidade de quem precisa vencer barreiras invisíveis todos os dias

18/08/2025 - 15h16min

Atualizada em 18/08/2025 - 16h39min

História de Luciane e Rafael mostra que a acessibilidade vai além das leis: é questão de empatia, adaptação e inclusão real.

Por Anna Bezerra

A vida em Dois Irmãos, conhecida pela tranquilidade do interior e pelo espírito acolhedor de sua comunidade, guarda também realidades duras que passam despercebidas pela maioria. Uma delas é a rotina de Luciane Marques dos Santos, mãe de Rafael, que enfrenta diariamente os obstáculos da cidade junto com o filho cadeirante. O relato dela é um retrato fiel das barreiras invisíveis que, para muitas famílias, são tão grandes quanto muros.

“Em Dois Irmãos tem apenas três vagas para cadeirantes, em frente à praça, ao Banrisul e ao Santa Cecília. Porém, essas vagas quase sempre estão ocupadas por outros carros que não têm cadeirantes e nem autorização para estarem lá. Principalmente no estacionamento do Santa Cecília, qualquer um chega e estaciona e lá fica”, conta Luciane.

No comércio local, a realidade não é diferente. “Noventa por cento não tem acesso nas portas de entrada para cadeirantes e para idosos com andadores. Muitas portas são estreitas, a cadeira não passa. É bem complicado. As construções mais recentes já seguem a lei, mas a maioria ainda não regularizou.” Para Luciane, isso significa ter que carregar o filho no colo para entrar em determinados estabelecimentos, sem contar a ausência de banheiros adequados ou fraldários, inclusive em espaços públicos de saúde.

As áreas de lazer, que deveriam ser pontos de encontro e liberdade, também apresentam desafios. “No bairro que moro, a pracinha não tem nenhum brinquedo adaptado. No Parcão, para entrar com a cadeira, preciso sempre usar o portão secundário. A entrada da frente tem uma rampa muito íngreme, não tem como empurrar. E ainda tem um espaço em que a cadeira tranca.”

Os obstáculos se repetem nas ruas: calçadas irregulares, buracos, esquinas sem rampas de acesso. “No centro, por exemplo, as calçadas são precárias. Com o andador, o Rafa não conseguiria trafegar. Em determinados lugares, eu tenho que erguer a cadeira. São coisas que precisam melhorar. Preciso escolher os lugares de acordo com o acesso, e nossa vida acaba se limitando ao que está disponível e poucos são as opções.”

Luciane ainda lembra do esforço extra em épocas festivas. “No Natal, por exemplo, fica muito difícil para nós.” E acrescenta: “ Na escola do Rafa por exemplo, tenho que brigar pela vaga, porque os pais chegam e colocam os carros na vaga disponíveis de cadeirante. E eu fico esperando e a espera é extremamente longa.”

Luciane Marques dos Santos e Rafael Marques dos Santos

Um retrato além da lei

O Brasil conta desde 2015 com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146), que prevê direitos como acessibilidade em calçadas, transportes, estabelecimentos públicos e privados. Na teoria, há garantias. Na prática, como mostra o dia a dia de Luciane e Rafael, a realidade é bem mais complexa.

Não se trata apenas de infraestrutura, mas de refletir sobre empatia e inclusão. A cidade cresce, as leis existem, mas as barreiras continuam a limitar vidas, escolhas e sonhos.

A história de Luciane e Rafael convida todos — cidadãos, comerciantes, gestores e vizinhos — a olharem com mais atenção para algo que não é distante: a vida de quem precisa de condições básicas para se locomover, brincar, estudar e viver com dignidade.

Mais do que rampas, vagas ou banheiros adaptados, acessibilidade é a ponte que pode transformar a rotina de milhares de famílias. E é nesse ponto que Dois Irmãos, assim como tantas outras cidades, encontra o desafio de tornar visível aquilo que ainda permanece invisível para muitos.

 

 

Acessibilidade é a ponte que pode transformar a rotina de milhares de famílias

 

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