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Crise do metanol: Brasil registra mais de 100 casos de intoxicação e acende alerta nacional sobre bebidas adulteradas
Casos de intoxicação por metanol em bebidas alcoólicas falsificadas colocaram autoridades e consumidores em alerta em todo o Brasil. O Ministério da Saúde confirmou, até esta sexta-feira (3), 113 notificações, sendo 11 casos confirmados e 102 em investigação. A maioria das ocorrências está concentrada em São Paulo, mas Bahia, Paraná, Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Distrito Federal também já registraram suspeitas.
As investigações apontam que fábricas clandestinas estariam utilizando metanol — substância altamente tóxica — para higienizar garrafas falsificadas antes de reabastecê-las com bebidas adulteradas. O produto, de uso industrial e proibido para fins alimentares, pode causar cegueira, coma e até morte quando ingerido.
Como começou a crise
Os primeiros sinais de alerta surgiram em 22 de setembro, quando hospitais de São Paulo começaram a receber pacientes com sintomas incomuns de intoxicação. Em poucos dias, médicos perceberam um padrão: as vítimas não haviam consumido combustível ou solvente, mas sim bebidas alcoólicas em bares e festas.
A partir daí, a hipótese de adulteração de destilados ganhou força. A Polícia Civil e a Vigilância Sanitária passaram a realizar operações conjuntas, apreendendo mais de mil garrafas suspeitas e interditando bares em diversas regiões.
Linha de investigação: fábricas clandestinas e contrabando
Segundo o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), a principal linha de investigação é que o metanol, contrabandeado de outros países, estaria sendo usado para limpar garrafas reutilizadas em destilarias ilegais. Essas garrafas são reabastecidas e lacradas com selos e rótulos falsificados, o que dificulta a identificação visual do produto adulterado.
Em uma das ações, a polícia apreendeu 20 mil garrafas, tampas, caixas e selos falsos em imóveis ligados a um homem apontado como um dos principais fornecedores do esquema. Parte do material já testou positivo para metanol em análises laboratoriais.
Reação do governo e medidas de emergência
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou a suspensão imediata do cadastro estadual de estabelecimentos flagrados vendendo bebidas adulteradas e defendeu que a falsificação de bebidas se torne crime hediondo. Segundo ele, 36% dos destilados vendidos no Brasil são adulterados.
Em nível nacional, o Ministério da Saúde instalou uma sala de situação em Brasília para monitorar os casos e comprou 4.300 ampolas de antídoto para distribuição a hospitais. A Anvisa também acionou autoridades internacionais para facilitar a importação do medicamento fomepizol, considerado o tratamento mais eficaz contra o metanol.
O que é o metanol e por que ele é tão perigoso
O metanol é um álcool usado em produtos industriais, como solventes e combustíveis. Quando ingerido, o fígado o transforma em formaldeído e ácido fórmico, substâncias que atacam o cérebro, o nervo óptico e os rins.
Os primeiros sintomas aparecem entre 6 e 12 horas após o consumo, com tontura, náusea e dor de cabeça — semelhantes a uma ressaca. Depois de 24 horas, podem surgir visão borrada, confusão mental, dificuldade para respirar e, em casos graves, cegueira irreversível, falência de órgãos e morte.
Existe antídoto?
Sim. O fomepizol é o antídoto padrão, mas ainda não está disponível no Brasil. Enquanto isso, médicos utilizam etanol farmacêutico como alternativa emergencial, pois ele retarda a conversão do metanol em ácido fórmico, reduzindo os danos. No entanto, o tratamento precisa ser iniciado o mais rápido possível para evitar sequelas graves.
Como se proteger
Autoridades alertam que não é possível identificar o metanol pelo sabor, cheiro ou aparência. Por isso, o cuidado deve começar na compra:
- Evite bebidas de procedência duvidosa ou com preço muito abaixo do mercado;
- Verifique lacre, selo fiscal e rótulo;
- Exija nota fiscal sempre;
- Descarte garrafas de forma segura — retirando o rótulo, separando a tampa e enviando a pontos de coleta de vidro.
A Abrasel reforça que garrafas originais são frequentemente reaproveitadas por falsificadores e recomenda inutilizá-las antes do descarte.
É seguro consumir cerveja, vinho ou chope?
Segundo especialistas, o risco maior está nos destilados, especialmente os incolores, como vodca e cachaça. Cervejas, vinhos e chopes industrializados apresentam baixo risco de adulteração, sobretudo quando vendidos em latas ou garrafas lacradas de fábrica.
Mesmo assim, o Ministério da Saúde orienta cautela: “Não existe bebida totalmente segura neste momento de crise. A recomendação é evitar destilados de origem desconhecida”, disse o ministro Alexandre Padilha.
Impacto econômico: bares sentem o efeito imediato
A crise já provoca reflexos no setor de bares e restaurantes em São Paulo. Estabelecimentos em bairros como Pinheiros, Itaim e Berrini relatam queda acentuada no movimento, cancelamento de reservas e aumento na procura por cerveja em vez de destilados.
Alguns bares suspenderam temporariamente a venda de vodca, uísque e gin. “Caipirinha não dá mais para beber. Tem que estar sempre alerta como um escoteiro”, disse um cliente ouvido pelo g1.
As vítimas da crise
As histórias das vítimas mostram o impacto devastador da adulteração.
Rafael Anjos Martins, de 28 anos, comprou gin em uma adega da Zona Sul de São Paulo e entrou em coma após o consumo. Amigos que beberam com ele também sofreram intoxicação e relataram perda parcial da visão.
Radharani Domingos, de 43 anos, perdeu totalmente a visão após tomar três caipirinhas em um bar dos Jardins. “Era uma região nobre, não era nenhum boteco. Não estou enxergando nada”, disse em entrevista ao Fantástico.
Bruna Araújo de Souza, de 30 anos, passou mal após um show de pagode em São Bernardo do Campo. Ela está internada em estado grave, assim como o namorado, que também apresentou sintomas.
Wesley Pereira, de 31 anos, entrou em coma após consumir uísque em uma festa na capital. Sofreu pneumonia, insuficiência renal e AVC.
Marcelo Lombardi, advogado de 45 anos, morreu após beber vodca comprada em uma adega na Zona Sul. A causa da morte foi intoxicação por metanol, conforme o atestado médico.
Um alerta nacional
As autoridades reforçam que o país enfrenta uma das maiores crises de adulteração de bebidas das últimas décadas, e que qualquer pessoa pode ser vítima. O governo federal pretende intensificar a fiscalização nas fronteiras e endurecer penas para quem fabrica, distribui ou comercializa produtos adulterados.
“Estamos diante de um problema de saúde pública, não apenas de polícia”, disse o ministro Alexandre Padilha, ao reforçar a necessidade de consumo responsável e fiscalização rigorosa.
