Estado - País - Mundo
Ele só quer ir para a escola: cadeirante de Herval não pode frequentar aulas presenciais do Estado
Por Cleiton Zimer
Santa Maria do Herval – O pedido é simples. De tão simples parece inacreditável. A única coisa que o adolescente de 15 anos, Allan Tayde Arnold de Mello, quer, é ir para a escola. E isso não está sendo possível desde o início deste ano. O motivo? Ele é cadeirante e a Escola Estadual Cônego Afonso Scherer não tem acessibilidade. Portanto, estuda em casa, longe dos colegas, amigos e dos professores.
Desde o final do ano passado a família, Secretaria Municipal de Educação e a própria escola buscam apoio do Estado. Porém, estamos em junho e praticamente na metade do ano letivo; até agora nenhuma resposta efetiva que traga resultados práticos na vida do aluno.
Sem nenhuma mudança desde 2021 a família adotou uma última medida. Ao meio-dia desta quinta-feira, 9, com apoio de amigos se reuniram em frente à escola em forma de protesto. “Estamos reivindicando que ele tenha a oportunidade de ir para a sala de aula, como todo aluno, para estudar”, disse a mãe Vanessa Arnold.
Allan diz que sente falta de poder interagir com os colegas. “Eu gostaria de ter aula na escola. Que pudesse ser adaptado, não só nas escolas mas em outros lugares, para todos os cadeirantes”, afirmou.
O adolescente participou do movimento. Foi com a cadeira motorizada desde o bairro Amizade (onde mora), até a frente da escola (Centro). Não aceitou ser levado de carro pela mãe. Como sempre, mostrou ser independente. Allan conseguiu percorrer mais de três quilômetros, passou pelas estradas de paralelepípedo, enfrentou o trânsito e chegou até a porta da escola, mas de lá não passou, não podendo entrar na sala de aula como todos os seus colegas.
VEJA O VÍDEO DA MOBILIZAÇÃO CLICANDO AQUI.
Atrofia Muscular Espinhal
Allan foi diagnosticado com Atrofia Muscular Espinhal (AME) aos dois anos. Aos três, foi para a cadeira de rodas. A condição nunca tirou sua alegria e força para lutar. Somente aos 12 começou a receber a medicação. A mãe acredita que se tivesse começado o tratamento mais cedo, teria até chances de caminhar. A medicação é nova, e somente a conseguiram via judicial quando ela foi fabricada.
Desde o início estudou na Escola Amizade, que é municipal. Lá, recebeu apoio e toda a acessibilidade de que necessitava. “Nunca tive problemas lá, era muito tranquilo”, conta a mãe.
No ano passado Allan se formou no ensino fundamental indo para a Escola Estadual Cônego Afonso Scherer, a única que tem ensino médio no Município – mas sem condição de recebê-lo em sala de aula.
A obra
A escola possui dois andares, cujo acesso se dá por escadas. Há salas também na parte do térreo, mas mesmo lá é preciso subir alguns degraus.
Para o acesso na parte inferior seria necessária a construção de uma única rampa e outra menor para entrar na sala. A família defende que não é necessária uma obra exorbitante; seria uma simples rampa, pequena.
De acordo com o padrasto Nei Felipe, chegaram a propor fazer a obra. A direção, entretanto, teria dito que isso seria inviável diante da burocracia do Estado para a liberação.
Justiça determinou um monitor
A família procurou o Ministério Público que entrou com uma ação contra o Estado do Rio Grande do Sul. O MP reivindicou a construção de rampas e outras estruturas necessárias, bem como a disponibilização de profissional de apoio ou monitor.
O Juiz de Direito Miguel Carpi Nejar, da Vara Judicial da Comarca de Dois Irmãos, determinou que o Estado disponibilizasse, em 10 dias, um profissional especializado a fim de acompanhar Allan em seu processo educativo.
A decisão foi decretada no dia 20 de maio. Até ontem, 21 dias depois, a família não recebeu nenhum contato do Estado de que receberiam apoio de um profissional – sendo que o prazo determinado pela Justiça era de 10 dias.
Além disso a família não tem por objetivo que um profissional acompanhe Allan. Ele é independente. Querem, tão somente, uma rampa.
Escola busca solução desde junho do ano passado
De acordo com a diretora da instituição, Maria Rejane Schuh Kuhn, o primeiro contato com a 2ª Coordenadoria Regional de Educação (2ª CRE) foi feito em junho do ano passado (02/06/21). No e-mail, solicitaram uma visita técnica à escola já comunicando que teriam um aluno cadeirante em 2022. Pediram acessibilidade aos banheiros (que já foram adaptados), quadra e cobertura do corredor de acesso.
Em julho voltaram a contatar. Em outubro o setor de Obras da CRE compareceu à escola em visita técnica. Nesta altura a família de Allan também já havia entrado em contato sobre a matrícula.
Em janeiro deste ano, mais uma vez, encaminharam um ofício à coordenadoria e setor de obras afirmando que o aluno estava matriculado e não havia rampas e cobertura no corredor de acesso para recebê-lo. “Salientamos que somos a única instituição de ensino médio do município e que o aluno não tem alternativa de matrícula em outra escola”, disse Rejane.
Em fevereiro a diretora, vice Ivanete e presidente do CPM Daniela, acompanhadas do presidente da Câmara Cleidir Arnold e vereador Orlando Schneider estiveram na Secretaria de Educação (Seduc – RS) em Porto Alegre. Em reunião com o diretor do Departamento de Obras Escolares, Luiz Patrick de Oliveira, foram informados que a demanda seria registrada com caráter emergencial.
Em março um engenheiro visitou a escola. Em abril, veio um arquiteto. No dia 6 de junho, segunda-feira desta semana, informaram que o processo de demanda foi registrado.
“O Estado não está atendendo está necessidade tão essencial”
A secretária Municipal de Educação, Juliana Dilkin, conta que conhece Allan desde a educação infantil. “Sinto muito quanto a tudo que está passando. Sempre amável, ciente da sua necessidade especial que se refere a sua locomoção. O Allan é um menino muito, muito inteligente, e devido a isso, imagino o quanto deve estar sendo difícil para ele se manter longe da escola e dos colegas”, lamentou.
Juliana conta que desde dezembro do ano passado vem alinhando a questão do transporte dele. “Início deste ano chamei a mãe para conversar e alinhar junto com ela de como passaria a ser o transporte dele até a escola, pois ele passou a ser aluno do Estado, mas o transporte segue de responsabilidade do Município”.
Com o transporte à disposição, a mãe relatou que Allan não poderia frequentar as aulas de forma presencial devido a escola não possuir o acesso à cadeirante. “E isto segue até o atual momento. O Estado não está atendendo está necessidade tão essencial, e quando digo Estado me refiro à Secretaria, pois sabemos que a direção da escola está em constante cobrança”, disse Juliana, lembrando que o Município não pode realizar a obra.
“Me coloquei a disposição da mãe para ajudar no que for do nosso alcance. Lamento que o Allan e a família tenham que passar por essa situação, fora da escola”, disse Juliana.
Quanto ao monitor, que também não foi disponibilizado, a secretária salienta que o aluno é independente em tudo e que consegue se ajudar. “Como já citei, é um menino extramente inteligente”.
O que diz o Estado?
Já na tarde de quarta-feira, 8, a reportagem contatou a 2ª CRE. A resposta veio por e-mail ao meio-dia de ontem conforme segue: “Informamos que a solicitação da obra de acessibilidade está tramitando, inclusive já teve visita do engenheiro na escola. No momento o processo está na CROP. Agendamos reunião na 2ª CRE, 13/06(segunda), às 10h, com a Direção da escola e convidamos, através da diretora Rejane, os familiares do aluno Allan Tayde para participarem”.