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Família: uma questão de segurança pública
Por Felipe Borba, Delegado de Polícia e Mestre em Direito
Recentemente, fui convidado para conversar sobre “segurança” com pais e mães de alunos de uma escola em Dois Irmãos. Espontaneamente, alguns destacaram a percepção de que as famílias seriam o principal instrumento na promoção da “segurança” de todos, sem negar a relevância da escola e de outros setores. Cada pai ou mãe, claro, com suas visões, havendo os que defenderam a tese de que faltaria mais rigidez no acompanhamento do comportamento dos filhos, outros ponderando que a falta de atenção, de carinho e de cuidado contribuiria para a geração de atos de violência.
O que o senso comum parece identificar é confirmado pela ciência. Estudos de criminologia sustentam que os espaços informais de controle da criminalidade, como família, amigos, clubes, escolas e igrejas, possuem maior potencial de prevenção do que as instituições oficiais, como polícias, tribunais e presídios. Para quem é policial, o quadro é evidente, pois geralmente somos acionados para lidar com o resultado derivado de múltiplos fatores negativos, cuja solução poderia ter sido melhor encaminhada pelos citados mecanismos sociais.
Na formação da personalidade, abrangendo o processo de educação, de internalização de valores, de seleção de referências e de parâmetros de conduta, é certo que a família detém altíssima capacidade de influência. Se os seres humanos sofrem a interferência do ambiente e dos grupos sociais, logicamente se conclui que é na nossa casa, com os nossos pais, ou com quem exerça estes papéis, que algumas formas de agir se revelam, de maneira consistente, como modelos. Disto deriva o dito popular: “o exemplo arrasta”. Da mesma forma, posturas mais ou menos adequadas são incentivadas ou desestimuladas por meio da orientação de quem tem o dever de cuidar.
A prática policial reforça esta concepção, na medida em que não são poucas as situações em que o “criminoso” tem a vida pregressa marcada por problemas familiares, sendo frequente a inexistência de convívio sadio com pai ou mãe (ou ambos), a omissão deliberada dos pais na atividade educacional, ou, ainda, a presença de histórico de desvios de comportamento por parte dos familiares.
Quando o assunto é família, aliás, não é incomum que um perigoso e violento integrante de facção criminosa vá às lágrimas, como já vi acontecer com homicidas e traficantes, ao serem questionados sobre conflitos familiares e carências afetivas.
Não se pode afirmar que este, ou qualquer outro fator, seja determinante e explique isoladamente o fato de alguém se envolver em ações criminosas. Há pessoas muito bem “criadas”, por pais que dedicaram máximo cuidado, carinho e atenção na infância, que acabam praticando delitos, assim como indivíduos formados em situação de descaso, de abandono e de violência que passam pela vida sem jamais praticar uma infração penal.
Entretanto, se considerarmos que os crimes configuram a forma mais grave de ataque a direitos, interesses e sentimentos de terceiros, é legítimo esperar que todos os envolvidos no processo de educação busquem transmitir valores de empatia, de respeito e de tolerância, principalmente às crianças, que estão no período mais fértil de construção de preceitos morais. Como já sugerido, a família é detentora do maior potencial de influência neste processo. O desafio pedagógico na escolha das intervenções a utilizar em cada oportunidade, como mais firmeza ou mais afeto, é algo que cabe inicialmente aos pais ou responsáveis. O que não se pode admitir é que haja a terceirização completa desta atividade às demais instâncias sociais de controle da criminalidade.