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Grávida perde gêmeas após ser impedida de sair do trabalho para o parto

Uma decisão da Justiça do Trabalho de Mato Grosso condenou a multinacional do setor alimentício BRF a pagar R$ 150 mil de indenização por danos morais a uma funcionária que perdeu suas filhas gêmeas após entrar em trabalho de parto na portaria de um frigorífico da empresa, em Lucas do Rio Verde, a cerca de 360 km de Cuiabá. O caso aconteceu em abril de 2024, mas só veio a público após a sentença, publicada em 23 de junho deste ano.
O que aconteceu
A funcionária, uma trabalhadora venezuelana, estava grávida de oito meses quando começou a sentir fortes dores durante o expediente. Segundo a decisão judicial, ela apresentou sintomas como tontura, falta de ar, ânsia de vômito e dores abdominais. Mesmo após insistir por socorro, foi impedida de deixar o local de trabalho, sob a alegação de que sua ausência poderia prejudicar a produção.
Sem assistência médica adequada, a trabalhadora decidiu sair por conta própria e foi até um banco próximo ao ponto de ônibus, na entrada da empresa. Lá, deu à luz às gêmeas, que não resistiram e morreram minutos após o parto.
Condenação e direitos trabalhistas
Além da indenização por danos morais, a Justiça determinou que a BRF pague todas as verbas rescisórias devidas: aviso prévio, 13º salário, férias, FGTS com multa de 40% e acesso ao seguro-desemprego. O juiz responsável pelo caso apontou que houve negligência grave por parte da empresa em garantir o bem-estar e a saúde da funcionária.
Condições de trabalho
O processo revelou que a empregada tinha uma jornada de trabalho iniciando às 3h30 da manhã e terminando às 13h18, com um salário mensal de R$ 1.975,60. Mesmo com a gestação avançada, ela continuava trabalhando normalmente, sem alterações significativas em sua rotina.
A BRF afirmou que possui políticas de apoio a gestantes desde 2017 e que criou um comitê interno para investigar o caso. A empresa também informou que a funcionária cumpria uma jornada de 8 horas e 48 minutos, com pausas regulares, e alegou que a colaboradora não apresentou laudos médicos que apontassem gravidez de risco.
Histórico de assédio a gestantes
O supervisor citado na decisão já havia sido acusado anteriormente de assédio moral por outras funcionárias grávidas da mesma unidade. Processos trabalhistas movidos por duas colaboradoras em 2019 apontam situações semelhantes, como negativa de alteração de função e imposição de tarefas inadequadas para gestantes, além de episódios de humilhação.
Em um dos casos, uma funcionária apresentou laudo médico solicitando a mudança de atividade, mas teve o pedido recusado. Posteriormente, acabou suspensa após discutir o tema com o mesmo supervisor.
Empresa contesta decisão
A BRF recorreu da condenação e tenta reduzir o valor da indenização. Em sua defesa, a empresa alega que o parto ocorreu fora das dependências da unidade e que a funcionária teria recusado o atendimento médico interno. Também sustenta que não havia histórico de gravidez de risco que justificasse uma liberação imediata.
A defesa da trabalhadora, por outro lado, argumenta que a decisão judicial já reconheceu a responsabilidade da empresa pela falta de assistência e por manter a funcionária no ambiente de trabalho mesmo diante de uma situação emergencial.
O que falta decidir
O processo segue em andamento. Ambas as partes aguardam o julgamento do recurso apresentado pela empresa. Até lá, a condenação permanece válida, mas ainda passível de revisão por instâncias superiores.