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Luta de uma cavaleira para salvar sua égua prenha com mormo, em Ivoti
Guilherme Sperafico
Geison Concencia
Ivoti – A relação entre uma cavaleira e sua égua pode ser interrompida por causa de uma doença silenciosa e mortal, o mormo. Desde que foi diagnosticada com a bactéria, a proprietária do animal, Narjana Moschem, luta para reverter a decisão de sacrificar o animal, que está prenha.
A notícia assustadora veio em novembro do ano passado, quando, em exames de rotina, a égua Miflor deu positivo para o mormo. “De seis em seis meses devemos fazer exames para participar de eventos de rodeio e cavalgadas. Participamos bastante. Portanto, temos que estar com os exames sempre em dia. Quando é feito esses testes, é analisado anemia infecciosa e mormo. A partir desses, a gente consegue tirar a Guia de Trânsito Animal (GTA), para participar desses eventos”, disse Narjana.
A égua sempre testou negativo para ambas as doenças. Em novembro do ano passado, fizeram os mesmos testes, com o mesmo veterinário que sempre trabalhou para Narjana, com o intuito de participar do rodeio de Cotiporã. Nesse exame, veio positivo. “Desde o início, desconfiamos, porque a veterinária tinha esquecido de mencionar que a égua estava prenha. Agora, ela já vai fazer cinco meses. Então, chamamos outro veterinário, também, de nossa confiança. Ele coletou e mandou as amostras para São Paulo, com pedido de urgência. O resultado foi negativo. Tínhamos uma contraprova”, explica Narjana.
Logo, com o teste em mãos, Narjana e o marido alertaram a inspetoria veterinária. O órgão, por sua vez, decidiu, com respaldo da legislação e da Inspetoria do Estado, por sacrificar o animal, mesmo com os resultados negativos. “Eu tenho duas éguas. Elas vivem juntas, até hoje. Eles alegaram que meu marido tinha que assinar o atestado de óbito. Disse que tinha o atestado negativo do exame. A Inspetoria respondeu que, mesmo assim, deveria ser sacrificado. Nos assustamos, porque na próxima semana eles já sacrificariam”, disse Narjana.
O proprietário legal do animal, companheiro de Narjana, Lucas Oliveira, entrou com um advogado, Tibicuera Almeida, que ganhou várias causas, inclusive, uma da égua credenciada no freio de ouro. Ele conseguiu uma liminar com um juiz que determinou que não era para sacrificar e, sim, para fazer um tratamento de 60 dias.
Com a liminar do juiz, começou a corrida para tentar aumentar o sistema imunológico da Égua Miflor. O objetivo era fazer um novo teste, em que ela estivesse mais forte. Já que o primeiro exame realizado, não foi mencionado a prenhez do animal.
“Fizemos o tratamento, que são vitaminas para aumentar a imunidade dela. Depois de 60 dias, foram feitos novos testes, coletando três exames, em três laboratórios diferentes. Dois testes deram negativos e um positivo. Agora, com o positivo, o Estado fará o WB, que é um exame mais detalhado. Porém, com o mesmo sangue. Acredito que dará positivo, porque foi feito com o mesmo sangue”, diz Narjana
“Lutamos não só pelo nosso animal, mas por tantos outros que foram sacrificados diante de apenas um exame positivo”
O que diz o advogado de Lucas
O Advogado Tibicuera Almeida, que representa a causa que está no nome do companheiro de Narjana, entrou com liminar na justiça, conseguindo evitar o sacrifício, temporariamente, do animal. Segundo Tibicuera, o exame não detecta as bactérias específicas, mas, apenas os anticorpos. Não existe um teste de mormo.
Outro questionamento feito por Tibicuera, é o uso do mesmo teste positivo para a contraprova. Além disso, menciona que não consegue, pela via administrativa, apresentar defesa. Apenas pela via judicial. “Não se nega a existência da doença, mas, a certeza quanto a doença”, disse Tibicuera.
Tibicuera também destaca que não se trata apenas de uma questão financeira, mas, acima de tudo, um apego emocional pelo animal. Adicionalmente, é importante notar que o nome do companheiro de Narjana é mencionado na causa representada por Tibicuera Almeida, o que sugere que o animal em questão é muito importante para ambos.
Ações da Inspetoria
O mormo é uma zoonose causada por uma bactéria altamente contagiosa, que pode ser transmitida tanto de animal para animal quanto do animal para o ser humano e vice-versa. A doença, que é geralmente fatal, afeta principalmente os equídeos, como burros, asnos e cavalos, entre outros. Mesmo que um animal não apresente sintomas aparentes, ele pode estar infectado. Em 2015, um cavalo foi trazido clandestinamente para o estado do Rio Grande do Sul, interrompendo um período de mais de 20 anos sem registro da doença no estado.
Já o caso da égua, de Narjana, estava em nome de Gilmar Luiz Alves, e foi vendido para Lucas Oliveira, que transportou a égua sem o GTA (Guia de Trânsito Animal) de Estância Velha até Ivoti.
A inspetora veterinária de Ivoti, Renata Marques, explicou que o proprietário legal da égua a transportou sem o GTA, o que é uma infração. Para obter o GTA, é necessário fazer testes de anemia infecciosa e mormo, em duas etapas. O teste de triagem pode ser feito em laboratórios credenciados, e em caso de resultado positivo, é obrigatório informar as autoridades. A mesma amostra é então enviada a um laboratório do Ministério da Agricultura para um teste confirmatório, que é chamado de WB. O teste confirmatório da égua de Lucas Oliveira deu positivo para mormo.
Em 9 de dezembro, a inspetora Renata Marques fez a notificação de sacrifício e solicitou a assinatura de Lucas Oliveira e o auto de interdição no local onde a égua estava, na hotelaria Serena, em Feitoria Nova. No entanto, como havia um fio de choque insuficiente para separar os animais, toda a área teve que ser interditada, pois a propriedade não podia ser dividida. Isso ocorreu porque, tecnicamente, deve-se interditar toda a unidade epidemiológica para evitar que os animais entrem em contato com outros e propaguem a doença.
Lucas Oliveira decidiu entrar na justiça para contestar a decisão de sacrificar a égua. Em 12 de dezembro, a inspetoria recebeu um despacho do juiz pedindo que aguardasse a decisão final sobre o destino do animal. O juiz entendeu que o mormo tem tratamento e pode ser tratado por 60 dias por um médico veterinário, com a realização de novos exames após esse período, e com os custos sob responsabilidade do autor.
Em 27 de fevereiro, a inspetoria de Ivoti acompanhou a coleta de uma nova amostra da égua, que foi lacrada e enviada para três laboratórios diferentes, sendo um em Nova Santa Rita e dois em São Paulo. Um dos laboratórios, de Santa Rita, deu positivo, enquanto os outros dois deram negativo. A amostra positiva foi enviada ao laboratório federal em Pernambuco, que atestou positivo para a presença da doença. Agora, cabe ao juiz decidir o destino da égua, chamada Miflor.
Emoção
“Embora exista um lado emocional envolvido, quando se trata de rebanhos, não se pode pensar apenas em um indivíduo, pois o risco de transmissão para outros animais é grande”
A inspetora veterinária Renata Marques destaca que, embora exista um lado emocional envolvido, quando se trata de rebanhos, não se pode pensar apenas em um indivíduo, pois o risco de transmissão para outros animais é grande. Ela ressalta que, ao lidar com doenças que representam risco para a saúde pública, como é o caso do mormo, é preciso considerar o todo e não apenas um animal específico, como a égua Miflor.
“Vale lembrar que não há tratamento para o mormo e a legislação determina o sacrifício sanitário do animal infectado”, explica Renata. A inspetora lamenta que, nesse caso, fique de mãos atadas aguardando a decisão judicial.
É importante destacar que apenas as amostras positivas para o mormo são enviadas para o teste confirmatório. Todos os laboratórios que realizam esse tipo de exame são auditados e recebem uma portaria de renovação e credenciamento.
Quanto ao sacrifício do animal, a inspetoria é responsável por realizá-lo, mesmo que a égua esteja prenha. Depois disso, todos os cavalos do local devem passar por exames e, somente após 20 a 30 dias, poderão ser liberados. Atualmente, há sete cavalos na hotelaria.
Por fim, é importante mencionar que, devido à interdição, a hotelaria não está recebendo regularmente os pagamentos e os custos estão sendo arcados pelos proprietários. A alimentação dos cavalos também está sendo custeada pelos donos do hotel.