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Mãe e filha se reencontram em Dois Irmãos após mais de 40 anos

01/07/2022 - 11h04min

Atualizada em 01/07/2022 - 11h16min

Distanciadas quanto tinha poucos meses de vida, a filha achava que a mãe já era falecida. Sem saber, estavam morando a poucos quilômetros uma da outra (Créd. Cleiton Zimer)

Por Cleiton Zimer

Dois Irmãos / Sapiranga / Miraguaí –  Mãe e filha, separadas há mais de 40 anos, se reencontraram no último final de semana. E, tal qual como uma “caixinha de surpresas”, as duas estavam morando a poucos quilômetros de distância: filha em Dois Irmãos e mãe em Sapiranga, mas não sabiam.

Elas foram distanciadas quando Dejanira da Rosa Arndt, hoje 52 anos, era um bebê de poucos meses. Para ela, até aonde tinha conhecimento, a mãe Maria Nunes Silveira, 69 anos, já era falecida. Mas tudo mudou em questão de poucos dias.

Para entender melhor está história é preciso voltar no tempo, através das lembranças da dona Maria, que conta como tudo aconteceu.

A difícil decisão

A família é de Braga, uma cidade do interior que fica ao lado de Miraguaí. Trabalhavam na lavoura numa vida regrada pelas dificuldades de quem vive da roça. Maria foi mãe já na adolescência. A primeira filha, Oronilda, nasceu quando ela tinha apenas 13 anos. Dejanira veio quando tinha 17.

O pai das meninas tinha 3 ou 4 anos a mais que Maria – hoje, já é falecido. Bebia demais, batia na mãe e, por fim, resolveu abandonar a família. Tudo ficou nas costas de dona Maria. Ela, pobre, adolescente, com duas crianças – sendo uma um bebê – contra o mundo.

Decidiu, então, entrega-las para doação. Queria uma vida melhor para as filhas. “Tudo o que eu queria é que estudassem. Eu não estudei. Eu não sabia ensinar e pensava no que poderia ser o melhor para elas”.

E assim foi. Cada uma foi para uma família diferente. Dejanira nem chegou a conhecer a irmã pois tinha poucos meses e não se recorda. Até hoje não sabem do paradeiro de Oronilda – mas buscam por informações dela para reunir toda a família novamente.

Carregando a dor por décadas

Ela era pequena, nem conseguia caminhar. Eu ainda amamentava ela e, aí, entreguei ela para outra família cuidar”, lembra Maria, de quando entregou a Dejanira.

Não foi uma decisão fácil. Foi dolorido. E as lembranças doeram durante estes mais de 40 anos. Maria recorda como se fosse hoje: “Dei ela para meu irmão, ele tinha um cavalo e a levou. Eu comecei a chorar, me deu vontade de correr atrás e pegar a menina de volta. ‘Onde já se viu’, pensei”.

Mas Dejanira se foi no lombo daquele cavalo, sendo adotada por uma família de padrinhos, ali nas proximidades de Braga. Ainda estava por perto. Por longos anos Maria a visitava – ao menos, tentava. A menina, inocente diante de todos acontecimentos, acabou por gerar um sentimento de repulsa pela própria mãe. “Eu via ela, sempre estava lá, mas ela se escondia de mim. Depois eu parei de ir”.

Com o tempo os “muros” entre as duas foram aumentando e, quando Dejanira tinha 10 anos, se viram pela última vez. Anos depois Maria soube que a filha casou, mas as informações foram diminuindo gradativamente.

Conflito entre a saudade e a crueldade

A filha, Dejanira, começou a vida em Braga. Assim que pôde, desde os cinco anos, teve que pegar no cabo da enxada e trabalhar muito. Era ela e mais oito crianças naquela família. Sofreu muito, principalmente, por se sentir abandonada. “Tinha aquela coisa na minha cabeça de que minha mãe ‘me deu’, me diziam que ela estava com um homem hoje e outro amanhã. Eu cresci ouvindo isso. Então tinha aquela coisa dentro de mim, aquela dor de não poder ter o carinho da minha mãe. É uma coisa bem difícil. Eu não tinha ódio da minha mãe; eu só ficava com raiva pois eu apanhava e me diziam aquelas coisas”.

Por isso, quando via a mãe até os 10 anos, Dejanira se distanciava, confusa pelo sentimento de saudade e pelas informações que a outra família lhe colocava na cabeça.

A vinda para Sapiranga e Dois Irmãos

A vida foi mudando. A mãe foi morar em Tenente Portela e, aos 23 anos, veio para Sapiranga – desde então, passou sua vida aqui na região. Conheceu um novo companheiro, mas nunca mais teve filhos.

Dejanira começou a vida em Braga, na agricultura mesmo. Cresceu e aos 18 teve uma filha, que hoje tem 34 anos. Depois, conheceu seu atual marido e teve mais uma filha, que agora tem 24 anos.

E como que por destinho, há 15 anos a família viu oportunidades e decidiu vir para Dois Irmãos – a poucos quilômetros de Sapiranga onde Maria já estava morando há mais de 30 anos, porém, não sabiam [e ficaram sem saber até sexta-feira da semana passada, dia 24].

Como aconteceu o reencontro

Há cerca de 12 anos Maria e seu atual companheiro procuram o empresário Hortêncio de Oliveira, 52 anos, para comprar um carro em Sapiranga. “O tempo foi passando e eu não tinha visto mais eles. Aí apareceram aqueles dias lá em casa. O esposo dela estava doente e precisavam de ajuda. Eu e minha esposa fomos lá, chegamos e estava só ela, o marido já estava internado”.

Isso aconteceu há menos de um mês. Prontamente se dispuseram a ajudar. Lhe questionaram sobre a família e Maria contou a história. Curiosamente Hortêncio também é da região de Miraguaí. “Aí gravei um vídeo dela falando o nome das filhas, para tentarmos encontrar elas. Mandei para meu amigo, o Jorge, que mora naquela região, e ele postou nas redes sociais”, explicou.

A postagem do vídeo

Lá em Miraguaí Jorge Godoy da Silva postou o vídeo no dia 11 de junho. Logo teve milhares de visualizações. “Me compadeci dela, é humilde e não teria como ela postar”.

Investigação de uma amiga do passado

Também em Miraguaí, Ivanir da Silva Siqueira viu a postagem do Jorge. “Eu pensei: vou ajudar. Eu conheci elas, mas fazia muitos anos que não as via”. Ela começou a investigação, pois sabia que estavam na região de Porto Alegre. A pesquisa chegou até um familiar que mora em Goiânia e, este, passou o contato da filha Dejanira, que atualmente mora no bairro Bela Vista, Dois Irmãos, a 15 km da casa da mãe, lá em Sapiranga

Na noite de sexta-feira passada, 24, os pontos do destino se entrelaçaram novamente. Às 18h Ivanir mandou uma mensagem para Dejanira dizendo que sabia onde a mãe dela estava. No dia seguinte, sábado, o encontro aconteceu. A mãe veio ver a filha em Dois Irmãos.

O momento mais aguardado

O momento do encontro no sábado, 25, na casa de Dejanira (Créd. Arquivo pessoal)

Dejanira conta que quase não acreditou. “Ela me ligou dizendo que minha mãe estava viva, que mora em Sapiranga, bem perto”.

Ficou feliz mas também desconfiada. “Achei que não podia ser. Falaram que ela tinha falecido há mais de 15 anos”, conta. Mas, depois de ver os vídeos e de falar com todos os envolvidos, o Hortêncio, o Jorge e a Ivanir não restaram mais dúvidas: era a sua mãe.

Aqueles pensamentos que afastaram-nas já não importavam mais. Dona Maria estava lá, logo ao lado. Estava viva. A mãe, cuja lembrança só tinha em uma fotografia, agora podia ser abraçada pessoalmente. “Meu coração ficou muito feliz”.

Eu sou a mamãe dela. Encontrei minha filha”, disse Maria com simplicidade. “Sou muito grata a todos que ajudaram. Ao Hortêncio, um amigo, que cuida tão bem de mim, e todos os outros”, disse na terça-feira, 28, quando foi novamente visitar a filha em Dois Irmãos, momento em que conversaram com a reportagem.

Agora, continuam na busca da irmã mais velha, a Oronilda da Rosa, 56 anos. Acreditam que também esteja pela região de Porto Alegre. Maria está morando na casa de Hortêncio, em Sapiranga, pois estava em situação de fragilidade.

Gratidão em poder ajudar

Me sinto feliz. Fiquei com pena dela explicando que teve que deixar as filhas lá fora há tantos anos. Para falar a verdade, foi de Deus a ideia de falar com o Jorge, de mandar o vídeo para ele” – Hortêncio de Oliveira

 

Temos que fazer o bem sem olhar a quem. Não conheço nem ela nem a Dejanira, mas meu coração ficou muito feliz em poder ajudar. Ela deve ter sofrido muito com a falta das filhas” – Jorge Godoy da Silva

 

Foi lindo o reencontro. Sempre vejo a história de pessoas que se encontram, e achei muito bom de participar desta história, fiquei muito feliz. Também nunca vi meu pai. Ele tem 70 anos e mora em Viamão, conversamos por telefone, mas pelas dificuldades ainda não conseguimos nos ver. Um dia vai dar certo” – Ivanir da Silva Siqueira

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