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O sonho que começou no Calçadão e conquistou Santa Maria do Herval

11/08/2022 - 10h41min

Atualizada em 11/08/2022 - 10h49min

Começando vendendo cachorro-quente em meio à chuva, família conquista lancheria após muitos anos de luta (Créd. Cleiton Zimer)

Por Cleiton Zimer

Santa Maria do Herval – Há cerca de 20 anos Elisabete Miro, hoje com 64 anos, conheceu Santa Maria do Herval e se encantou. Veio lá de Novo Hamburgo cheia de fé e sonhos e decidiu começar uma vida aqui, junto ao agora falecido marido Adjair Silveira Miro e, também, os filhos.

Confeiteira, optou por continuar a fazer tortas e salgados no Teewald, mas, como não era conhecida, o negócio não deu lá muito certo. Depois disso teve a ideia de fazer lanches. Através de uma parceria, algumas pessoas passaram a revender nas fábricas de calçados – a antiga Maide, Henrich e Wirth. Foi um sucesso. No auge chegou a fazer aproximadamente 130 lanches diários.

Elisabete nunca deixou de acreditar (Créd. arquivo pessoal)

Com a demanda aumentando o desgaste também veio. Afinal, era dona Elizabete sozinha. “Eu ia dormir meia-noite e acordava às 3h da manhã. Como as coisas eram assadas, tinha que levantar cedo para o pessoal levar para a fábrica”, conta. Enfim, não aguentou mais.

Mudou-se novamente para Novo Hamburgo mas, o Herval era seu lugar. Depois de dois anos voltou, comprou um terreno e construiu uma casa em Padre Eterno Baixo. Chegou a fazer alguns lanches de novo mas, ela tinha um sonho: ter seu trailer.

Mas com começar se eu não tinha condições? Falei com minha mãe e meu segundo filho mais velho e eles compraram um carrinho de cachorro-quente”, conta. Era algo simples, daqueles que estão a céu aberto.

Começou com as dificuldades se somando

O carrinho estava ali. Precisavam trabalhar mas, não podiam. Ficaram dependendo, por três meses, de uma liberação da Prefeitura, na época. Até que seu Miro foi lá e expôs a situação e, finalmente, o poder público liberou – mas com algumas exigências: não podia ficar parado em um lugar, tinha que ficar circulando. Não havia energia elétrica disponível no local e tinham que “se virar”, vender enquanto tudo estava quente.

Elisabete com o carrinho em que começou a trabalhar (Créd. Arquivo pessoal)

Elisabete lembra até hoje. O primeiro dia foi numa sexta-feira de tarde. Começou às 16h perto do posto de combustíveis do Calçadão, no Centro. Não vendeu nada. No sábado voltou e vendeu três cachorros-quentes. Domingo, foi de novo.

Seguiu acreditando. Compraram uma extensão para conectar o carrinho para que o alimento não esfriasse. Desta forma, empurrando-o para cima e para baixo, sempre dava uma e outra parada para conectar à rede e aquecer o molho e as salsichas.

Certo dia, acreditando que daria um movimento bom, se preparou, comprou de tudo, principalmente calabresa para o cachorro-quente (o que era novidade). O resultado? Não vendeu nada. “Voltei para casa triste, chorei muito”.

Outra feita, no verão, quando já era muito conhecida por seu lanche, estava certa que daria boas vendas. “Se armou um temporal e, como eu ficava do lado de fora, entrou água no molho, pães. Perdi tudo naquele dia”. Novamente veio a frustração. “Chorei muito, mas não desisti, porque eu sabia que um dia daria resultado”.

O resultado da perseverança e fé

Motivos para desistir tinha de sobra. Mas Elisabete não parou. E a confiança dela fez frutificar resultados. Num domingo, entre 17h e 20h, vendeu 140 lanches. Havia fila. “Foi o dia que lavei minha alma. E eu disse: agora sei que vou conseguir”, lembra, emocionada.

Ficou um ano com aquele carrinho, no frio, chuva, cobrindo com lona de vez em quando. Depois ela e o marido tiveram a ideia de fazer um trailer e, como não tinham como comprar fabricaram por conta própria, fechando os lados com chapas de compensado e, no meio, acoplaram o carrinho. Ficou neste trailer improvisado por um ano e, depois, adquiriram um outro.

Atendia de quartas a domingos no Calçadão. Houve os dias que não teve movimento, noutros, vendia um e outro, mas também teve os dias bons. Durante a Festa da Batata tinha stande lá dentro e, o trailer, ficava lá fora, também atendedo as pessoas – os filhos ajudavam.

A reviravolta do destino

Seu Miro ajudava no transporte do trailer, lá de Padre Eterno Baixo até o Calçadão. Ele adoeceu, teve câncer e faleceu há quatro anos. Como não tinha como transportar, Elisabete teve que parar. Mas o sonho seguiu.

Sua filha Tais Miro, 44 anos, e o genro Eloir Francisco Jardini, 39 anos, [que inclusive se conheceram no trailer Elisabete numa virada de ano] decidiram dar continuidade e assumiram no final de 2018. Antes, ela trabalhava como cuidadora mas, devido a problemas nos braços não pôde continuar; usou o dinheiro da rescisão para comprar o negócio da mãe. Ele, atuava na coleta de lixo. Juntos, uniram forças e não deixaram o sonho de Elisabete acabar.

Já começaram com inovações, principalmente, com a tele entrega – o que foi um sucesso.

Tais e Eloior dão seguimento ao sonho construído por Elisabete (Créd. Cleiton Zimer)

Mudança necessária

Mas o espaço era pequeno. Tais lembra até hoje que as vezes chegava a chorar pois não tinha como se movimentar dentro do trailer. A demanda aumentava e não conseguiam dar conta. Devido ao espaço, contratar alguém seria inviável.

Compraram um outro, maior. Trabalharam muito e, o auge, foi durante a pandemia. Com os estabelecimentos fechados por conta das restrições sanitárias, continuaram com a tele entrega que teve um aumento estrondoso. “Seguindo todos os protocolos”, lembra Eloir.


UM NOVO COMEÇO

Em 2021 chegou um desafio. Foram obrigados a sair do Calçadão onde Elisabete começou e construiu sua história. Não foi o fim, mas um novo começo.

Pegaram o trailer e foram até o bairro Amizade, ao lado da rua Beno Closs. Como que por bênção, lá o aumento foi ainda maior. Não demorou muito e tiveram que tomar uma decisão – precisavam de uma estrutura maior.

Desta forma, em dezembro do ano passado, realizaram um grande sonho, não só de Tais e Eloir, mas também de Elisabete: o de abrir uma lancheria. Alugaram um estabelecimento grande dentro bairro Amizade, perto da Praça. “Era nosso sonho. Já era o sonho da minha mãe. Ela sabia que o que estava fazendo não ia ficar para ela. A gente sabe que, começando num trailer, se a pessoa perseverar, ela vai chegar num restaurante, numa lancheria, ou mais”, comenta Tais.

E o resultado desta luta de muitos anos, com lanches de qualidade sendo servidos, veio através do próprio reconhecimento da comunidade. Mesmo saindo da parte central, e depois da rua principal, o movimento continuou intenso, com a procura aumentando.

ACREDITAR SEMPRE

Tais conta que, ao abrir o estabelecimento, não tinham recursos para comprar tudo; até hoje estão pagando. Contavam com algo que dinheiro nenhum compra: o crédito. “É sofrido. Mas se tu tem um sonho, um objetivo, não pode olhar para as dificuldades, se não tu para e não continua. Precisa ver onde quer chegar, aí vem as dificuldades e passa por cima, porque tu quer chegar lá. E ter fé em Deus”.

Lembra que muitos os chamaram de loucos por querer começar uma lancheria em meio à pandemia. Eloir conta que, inclusive, parte das coisas que compraram para o empreendimento foram de pessoas que, durante a pandemia, acabaram quebrando. “Tem gente que só confia no próprio braço, mas isso não é o suficiente. Deus tem algo para cada um de nós”, completa Tais.

Hoje seguem trabalhando com lanches, mas também fazendo almoços. Tais conta que, desde que saíram da parte central, muitos clientes ainda os procuram quando chegam no Calçadão, principalmente turistas que tinham o hábito de parar e comprar algo. “Eles perguntam nas proximidades e vem até aqui”.

Elisabete, hoje, descansa. Mora na praia e sente que atingiu seu propósito. “Eu venci naquilo que sempre quis. A minha filha está dando continuidade no que tanto sofri, e tenho certeza que nunca será esquecido. Meu desejo é que isso fique de herança para minha família, que depois os netos assumam. Foi um sacrifício, sofrimento, mas hoje louvo a Deus”, disse, emocionada.

O empreendimento, Dogão Lanches, já recebeu dois reconhecimentos oficiais: na categoria lanches e qualidade de atendimento. Contatos podem ser feitos pelo 051 99307-8366.

Primeiro prêmio recebido (Créd. Cleiton Zimer)

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