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PGR denuncia Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado

19/02/2025 - 05h30min

Atualizada em 19/02/2025 - 05h31min

acusado de ter liderado um suposto plano de golpe de Estado após ter perdido a eleição de 2022 para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (FOTO: Marcelo Camargo / Agência Brasil)

O ex-presidente Jair Bolsonaro foi denunciado criminalmente nesta terça-feira (18/2) pela Procuradoria-Geral da República (PGR), acusado de ter liderado um suposto plano de golpe de Estado após ter perdido a eleição de 2022 para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Agora, a Primeira Turma do Superior Tribunal Federal (STF), formada por cinco membros da corte, vai analisar se aceita a denúncia e abre um processo contra o ex-presidente — mas não há um prazo para essa decisão.

Integram essa Turma os ministros Alexandre de Moraes (relator do caso), Cármen Lúcia, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Flávio Dino.

A PGR pede que Bolsonaro responda pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

Outras 33 pessoas foram denunciadas com ele, incluindo seu ex-ministro da Casa Civil, general Braga Netto, que concorreu a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022.

A defesa de Braga Netto classificou a denúncia de “fantasiosa” e reclamou de violações de direitos nas investigações.

Ele é acusado de ser um dos integrantes do “núcleo crucial da organização criminosa”, de onde teriam partido decisões e ações do plano golpista.

“O General Braga Betto está preso há mais de 60 dias e ainda não teve amplo acesso aos autos, encontra-se preso em razão de uma delação premiada que não lhe foi permitido conhecer e contraditar”, diz nota divulgada por sua defesa.

“Além disso, o General Braga Netto teve o seu pedido para prestar esclarecimentos sumariamente ignorado pela PF e pelo MPF, demonstrando o desprezo por uma apuração criteriosa e imparcial”, continuam os advogados.

“É inadmissível numa democracia, no Estado Democrático de Direito, tantas violações ao direito de defesa serem feitas de maneira escancarada”, argumentam ainda.

Também estão na lista de denunciados o general Augusto Heleno (ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional) e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, que fez um acordo de delação premiada (veja lista completa mais abaixo).

A denúncia da PGR ocorre quase quatro meses após Bolsonaro ter sido indiciado criminalmente pela Polícia Federal (PF), que apontou o ex-presidente como líder da suposta trama golpista.

O texto acusa Bolsonaro de comandar uma estrutura hierárquica com militares, policiais e aliados para impedir a transição de poder após as eleições de 2022, vencidas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Para o procurador-geral Paulo Gonet, Bolsonaro integrou o “núcleo crucial” que agiu em várias frentes desde 2021 para tentar executar o plano de ruptura, desde a fazer discursos públicos para descreditar o sistema eleitoral até atuar diretamente fazendo suposta pressão sobre o Alto Comando das Forças Armadas para apoiar um decreto de cunho golpista – a chamada “minuta do golpe”.

Gonet cita ainda na denúncia movimentos para tentar atrapalhar o andamento da eleição, citando os bloqueios da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no dia da eleição em 2022, em especial em regiões com eleitores favoráveis ao adversário Lula.

“Aqui se relatam fatos protagonizados por um presidente da República que forma com outros personagens civis e militares organização criminosa estruturada para impedir que o resultado da vontade popular expressa nas eleições presidenciais de 2022 fosse cumprida”, afirma Gonet.

“Ambos [Bolsonaro e Braga Netto] aceitaram, estimularam, e realizaram atos tipificados na legislação penal de atentado contra o bem jurídico da existência e independência dos Poderes e do Estado de Direito democrático”, segue o PGR

A denúncia entregue ao STF também acusa o ex-presidente de “omissão” nos ataques de 8 de janeiro de 2023, quando um grupo de apoiadores bolsonaristas radicalizados atacaram as sedes dos Poderes em Brasília.

O texto qualifica os ataques como uma “tentativa derradeira de consumação do golpe” e afirma que a ruptura democrática só não aconteceu por resistência de parte dos generais do Exército.

O que diz Bolsonaro; ele pode ser preso?

Bolsonaro nega que tenha planejado um golpe de Estado.

Em manifestação enviada à imprensa, o ex-presidente disse que “jamais compactuou” com qualquer movimento que visasse um golpe de Estado e que a acusação não apresenta nenhuma mensagem enviada que o incrimine.

A defesa de Bolsonaro disse ainda que a denúncia é “inepta” e contraditória e baseada apenas na delação de Mauro Cid, seu ex-braço direito. “[Trata-se de] um delator que questiona a sua própria voluntariedade. Não por acaso ele mudou sua versão por inúmeras vezes para construir uma narrativa fantasiosa”, diz a nota.

O texto diz ainda que o ex-presidente “confia na Justiça e, portanto, acredita que essa denúncia não prevalecerá.”

Mais cedo nesta terça, antes da decisão da PGR, o ex-presidente havia afirmado a jornalistas que tinha “zero preocupação” com a denúncia.

“Você já viu a minuta de golpe? Não viu. Eu também não vi. Já viu a delação do [Mauro] Cid? Você não viu, eu também não vi. Estou aguardando”, disse Bolsonaro, referindo-se a algumas das acusações que recaem sobre ele.

Em novembro, quando foi indiciado pela PF, o ex-presidente afirmou: “Nunca debati golpe com ninguém.”

“Se alguém viesse falar de golpe comigo, eu perguntaria: “E o day after? Como a gente fica perante o mundo?”, disse ainda, na ocasião.

Já em entrevista à Revista Oeste, também em novembro, ele disse que discutiu a possibilidade de decretar Estado de Sítio com militares quando era presidente, mas argumentou que a medida estaria dentro das “quatro linhas” da Constituição.

Bolsonaro também foi apontado pela PF como o autor de crimes em outras duas investigações — o caso das joias sauditas e a fraude no cartão de vacinas —, mas a PGR ainda não decidiu se vai apresentar denúncias nesses casos.

A defesa de Bolsonaro nega que ele tenha cometido qualquer crime.

A apresentação de uma denúncia não significa que o acusado será preso: uma pessoa só pode cumprir pena na prisão no final de um processo, caso haja condenação e tenham se esgotado todas as possibilidades de recurso.

Existe ainda a possibilidade de uma pessoa ser presa antes somente se for detida em flagrante ou se a Justiça entender que ela apresenta um perigo imediato para a sociedade ou pode atrapalhar o andamento do processo.

O que acontece após a denúncia?

Com a apresentação da denúncia, o relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, abre 15 dias de prazo para os advogados dos denunciados apresentarem defesa prévia e possíveis contestações.

Em caso de contestação a trechos da denúncia, a PGR terá cinco dias para responder aos questionamentos.

Depois disso, Moraes vai avaliar a acusação e os argumentos da defesa para produzir seu voto, definindo se aceita ou não a abertura de um processo contra Bolsonaro e os demais denunciados. Não há prazo para essa decisão.

Ele, então, libera o caso para ser marcado o julgamento na Primeira Turma. Se a maioria do colegiado aceitar a denúncia, haverá o início de um processo criminal contra os acusados, que se tornam formalmente réus.

A partir deste momento, os réus têm acesso aos detalhes da investigação e têm a oportunidade de apresentar sua defesa à Justiça durante a instrução processual.

Quando isso for concluído, são feitas as alegações finais da acusação e da defesa para que a Primeira Turma possa decidir se condena ou não os acusados.

Normalmente em um processo criminal, o réu, caso seja condenado, tem direito a recorrer à segunda instância da Justiça, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, em alguns casos, ao STF.

No entanto, o processo em questão já correria direto no Supremo e, embora os réus possam apresentar recursos, não há possibilidade de recorrer a uma instância superior, pois o STF já é a mais alta instância da Justiça brasileira.

Embora Bolsonaro não tenha mais foro privilegiado após deixar o cargo de presidente, o caso tramitou no STF porque a maioria da Corte entende que investigações relacionadas a ataques às instituições democráticas, como o caso dos atos de 8 de janeiro de 2023, devem ser julgados no Supremo.

O que é o crime de golpe de Estado?

Dois dos crimes pelos quais Bolsonaro e aliados são acusados foram previstos em 2021.

Naquele ano, a Lei de Segurança Nacional, criada durante a ditadura, foi revogada e o Código Penal foi alterado para conter novas descrições dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, ou seja, um Estado onde o povo escolhe seus líderes e que é regido por normas e leis que todos precisam seguir.

Os crimes de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado são bastante parecidos, explicou à reportagem o advogado Acacio Miranda da Silva Filho, mestre em direito penal internacional pela Universidade de Granada (Espanha).

Enquanto Abolição Violenta do Estado Democrático é impedir o livre exercício de qualquer um dos poderes (Executivo, Judiciário, Legislativo) que compõe o Estado; o Golpe de Estado é tentar derrubar um governo democraticamente constituído.

Há certa controvérsia sobre se uma pessoa poderia ser condenada pelos dois crimes.

Na visão de alguns juristas, é possível entender que ambos são crimes subsidiários, ou seja, que caso ambos sejam cometidos, o mais grave (golpe de Estado), “absorveria” o menos grave (abolição do Estado democrático de direito) — então, a pessoa seria condenada apenas pelo primeiro.

É como quando alguém esfaqueia outra pessoa com o intuito de mata-lá. Tecnicamente, dois crimes foram cometidos: lesão corporal e tentativa de homicídio. Como a tentativa de homicídio é o crime mais grave, o réu responde apenas por ele.

No entanto, o STF já condenou dezenas de pessoas pelos dois crimes em julgamentos relacionados aos atos de 8 de janeiro.

Caso Bolsonaro seja processado e condenado, pode receber penas como:

  • Entre 4 e 8 anos pelo crime de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito; além da pena correspondente à violência utilizada;
  • Entre 5 a 10 anos pelo crime de Organização Criminosa;
  • Entre 3 a 10 anos pelo crime de Golpe de Estado

Se condenados, os réus só começam cumprir a pena após o trânsito em julgado do processo, ou seja, após o fim da possibilidade de recursos.

No entanto, qualquer um deles pode ser preso preventivamente, a pedido da PGR, caso a Justiça entenda que eles apresentam perigo imediato à sociedade ou podem atrapalhar o andamento do processo.

Quem são os 34 denunciados pela PGR

A denúncia da PGR contém diferenças na lista de implicados em relação aos indiciados pela Polícia Federal, em novembro.

Ficaram fora das denúncias da PGR pessoas que haviam sido indiciadas pela PF: Alexandre Castilho Bitencourt da Silva; Amauri Feres Saad; Anderson Lima de Moura; Carlos Giovani Delevati Pasini; Fernando Cerimedo; José Eduardo de Oliveira e Silva; Laercio Vergilio; Tércio Arnaud Tomaz e Valdemar Costa Neto, presidente do PL, o partido de Bolsonaro.

Por outro lado, pessoas que não haviam sido implicadas pela polícia foram denunciadas pela PGR: Marília Ferreira de Alencar; Fernando de Sousa Oliveira; Reginaldo Vieira de Abreu; e Rodrigo Bezerra de Azevedo.

Veja a lista completa:

Ailton Gonçalves Moraes Barros

Alexandre Rodrigues Ramagem

Almir Garnier Santos

Anderson Gustavo Torres

Ângelo Martins Denicoli

Augusto Heleno Ribeiro Pereira

Bernardo Romão Correa Netto

Carlos Cesar Moretzsohn Rocha

Cleverson Ney Magalhães

Estevam Cals Theophilo

Gaspar De Oliveira

Fabrício Moreira De Bastos

Filipe Garcia Martins Pereira

Fernando De Sousa Oliveira

Giancarlo Gomes Rodrigues

Guilherme Marques De Almeida

Hélio Ferreira Lima

Jair Messias Bolsonaro

Marcelo Araújo Bormevet

Marcelo Costa Câmara

Márcio Nunes De Resende Júnior

Mário Fernandes

Marília Ferreira De Alencar

Mauro César Barbosa Cid

Nilton Diniz Rodrigues

Paulo Renato De Oliveira Figueiredo Filho

Paulo Sérgio Nogueira De Oliveira

Rafael Martins De Oliveira

Reginaldo Vieira De Abreu

Rodrigo Bezerra De Azevedo

Ronald Ferreira De Araújo Júnior

Sérgio Ricardo Cavaliere De Medeiros

Silvinei Vasques

Walter Souza Braga Netto

Wladimir Matos Soares

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