Notícias
Fim da obrigatoriedade das autoescolas para CNH? Clique e entenda

Por Cleiton Zimer
A proposta do governo federal de acabar com a obrigatoriedade de frequentar autoescola para tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) provocou forte reação entre especialistas em segurança viária. A ideia, defendida pelo ministro dos Transportes, Renan Filho, visa reduzir a burocracia e o custo do processo, permitindo que o candidato estude por conta própria e realize os exames teórico e prático com instrutores autônomos credenciados — sem precisar passar por um Centro de Formação de Condutores (CFC).
Segundo o ministro, a autoescola continuaria existindo, mas de forma facultativa. “O Brasil é um dos poucos países que exige um número mínimo de horas-aula para fazer a prova. A proposta é que o ensino seja opcional, e não mais obrigatório”, afirmou Renan Filho em entrevista.
A medida, que não exigiria aprovação do Congresso, mas sim regulamentação direta do Executivo, tem o objetivo de baratear em até 80% o custo da CNH, que hoje pode ultrapassar R$ 2.700 no Rio Grande do Sul para a categoria B. No entanto, especialistas alertam para os riscos de uma mudança tão profunda.
Especialistas alertam: “É um tiro no pé”
Engenheiro e ex-diretor de Educação de Trânsito de Curitiba, Celso Alves Mariano avalia que o alto número de mortes no trânsito já é alarmante mesmo com a exigência atual de formação — cerca de 35 mil por ano no Brasil, com outras 150 mil pessoas ficando com sequelas graves.
“Se com uma formação mínima já temos esses números, imagine sem nenhuma exigência de preparo? O principal fator nos acidentes é o condutor. O ideal seria melhorar o sistema, não desmontá-lo”, afirma Mariano, que também dirige o Portal do Trânsito.
Enio Bacci, presidente do Conselho Estadual de Trânsito (Cetran) do RS, é ainda mais enfático: “Aliviar a preparação dos motoristas só vai aumentar o número de mortes. Talvez fosse algo aceitável no futuro. Hoje, é um tiro no pé.” Para ele, é preciso atualizar os conteúdos, incluindo temas como direção sob neblina e uso de câmbio automático, mas sem abrir mão da formação estruturada.
CFCs podem ficar mais caros
Outra preocupação é com o impacto no setor. Atualmente, o RS conta com 263 CFCs e cerca de 9,5 mil instrutores credenciados. O presidente do Sindicato dos CFCs (SindiCFC), Vilnei Sessim, afirma que a média de aulas hoje é de 28 horas, acima das 20 obrigatórias, o que indicaria que os alunos sentem necessidade de preparo.
Ele também aponta para o risco de aumento nos preços para quem continuar optando pelas autoescolas: “Com menos alunos, os custos podem subir. Quem não se sentir seguro para aprender por conta própria poderá pagar ainda mais.”
CNH mais barata, mas a que custo?
Para Renan Filho, a flexibilização permitiria usar instrutores autônomos, sem vínculo com CFCs. Mas mesmo entre parlamentares, o tema divide opiniões. O deputado Kim Kataguiri (União-SP), da oposição, é a favor: “O que importa é demonstrar habilidade, não cumprir um rito caro.” Já o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), ligado ao governo, afirma que segurança deve vir em primeiro lugar e defende uma política de apoio para quem não pode pagar, como a CNH Social.
O Detran-RS, por sua vez, afirmou que aguarda o detalhamento da proposta, mas destaca que a formação atual envolve aspectos técnicos, legais e de cidadania, que não podem ser ignorados em um novo modelo.
Como funciona em outros países?
- Argentina: não exige autoescola; é necessário passar por exames. Curso online obrigatório para jovens de 16 a 21 anos.
- Espanha: uso de autoescola é comum, mas estudar por conta própria é permitido.
- Estados Unidos: regras variam por Estado; em muitos casos, aprendizado pode ser feito com familiares.
- Inglaterra: não é obrigatório ter instrutor; pode-se aprender com conhecidos. Para circular, é preciso usar placa de aprendiz (“L”).
A discussão segue aberta, mas a mudança promete esbarrar em argumentos técnicos, culturais e jurídicos, principalmente diante do histórico brasileiro de acidentes e da fragilidade da educação para o trânsito fora do ambiente formal de ensino.