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30 Anos, 30 Histórias: um sonho de criança que se tornou Pura Realidade
Por Dário Gonçalves
Nova Petrópolis – No dia 28 de novembro de 2017, desembarcava em Nova Petrópolis, Manfried Sant’Anna, ator, humorista, palhaço de circo, e um dos maiores nomes da televisão brasileira, conhecido como Dedé Santana, o Eterno Trapalhão. O ator, na época com 82 anos, esteve no município para as gravações do filme Pura Ficção, de Rodrigo Castelhano, e contracenou nas dependências da Biblioteca Pública Municipal Elsa Hofftätter da Silva.
Após as filmagens, Dedé concedeu entrevistas à imprensa, inclusive a’O Diário. Almoçou em Nova Petrópolis e, já à tarde, se despediu do município. Uma passagem rápida, porém marcante para aqueles que eram, e são até hoje, fãs do Trapalhão. Mas, principalmente, para a carreira do cineasta Rodrigo Castelhano, diretor do filme e que, desde criança, tinha o sonho de trabalhar com Didi, Dedé, Mussum e Zacarias.
Esta, todavia, não foi a primeira vez que isso aconteceu, uma vez que a parceria já havia sido concretizada anos antes, no filme Meu Pai é Figurante, gravado em Balneário Camboriú, em 2010. Contudo, foi a primeira vez de Dedé Santana em Nova Petrópolis e a segunda na Serra Gaúcha. Castelhano, que é natural do Paraná, mas que há muitos anos mora em Picada Café, pôde trazer o ídolo para sua casa e, a partir de suas mãos, recolocar o artista nas telas de cinema.
Ao longo dos anos, O Diário acompanhou essa história, desde as gravações ao lançamento do Pura Ficção, e até mesmo entrevistou Dedé Santana para que ele falasse sobre a amizade e parceria com Castelhano. Agora, no entanto, a série de reportagens comemorativas aos 30 anos do jornal, mostrará o outro lado: a vida de Rodrigo Castelhano, um menino que fugiu de casa para encontrar Os Trapalhões, e que transformou seus sonhos em Pura Realidade.
Infância
A infância de Castelhano não foi fácil. Sua família trabalhava na agricultura, plantando batatas e moranguinhos em Guarapuava, no Paraná. Quando seu avô morreu, sua avó, Floriza Maria do Rozario, ficou sozinha com quatro filhas, entre elas, a mãe de Castelhano, Dilma de Fatima dos Santos, e sua tia Sueli. As dificuldades enfrentadas pela família no final da década de 1970 os levaram a buscar novos ares. Sueli era casada com Alcione, que recebeu uma proposta para trabalhar na construção do Shopping Iguatemi, em Porto Alegre. Como o restante da família não tinha muitas perspectivas em Guarapuava, vieram todos à Capital dos gaúchos. Castelhano, que nasceu em 2 de novembro de 1979, tinha menos de um ano de idade.
Castelhano com cerca de 5 ou 6 anos, em 1986, no Beco 09. Atualmente, bairro Bom Jesus (Créd.: Divulgação)
Em Porto Alegre, o menino Rodrigo morou em vários lugares. Como seu tio trabalhava em uma construtora, a família acabava morando nas construções que estavam pra ser demolidas, “Porto Alegre estava sofrendo um up de construção civil. Muitos prédios modernos. Então a gente ficava em determinados lugares, até que aquela casa fosse demolida. Aí a gente ia pra outra”, conta.
Passado um tempo, Floriza, conseguiu comprar uma pequena casa com o dinheiro da aposentadoria. “Na verdade, era um barraco, de dois metros e meio por três, num lugar chamado Vila Pinto, no Beco 9”, relembra Castelhano. Lá, ele morou até os 10 anos, em um local que não tinha água, luz, nem saneamento básico, muito menos televisão. Depois de um tempo, conseguiram fazer um gato que lhes proporcionou energia elétrica. Assim, Floriza pôde passar a ouvir a Rádio Farroupilha. E foi a partir daí que a vida do garoto começou a mudar
O início de um sonho, fuga de casa e trapalhada
Em 1985, Castelhano tinha 5 anos e sua avó 65. Ela decidiu inscrever-se na Farroupilha para arrumar um namorado, e acabou recebendo um ingresso para assistir ao filme A Filha dos Trapalhões no cinema. Floriza tinha também outras duas netas, mas Castelhano era o mais velho e o levava “a tira colo” para todos os lados. Assim, ele aos 5 e ela aos 65 anos, foram pela primeira vez em um cinema. “No dia em que ela me levou no cinema, a minha vida mudou”, declara.
“Chegamos no cinema, na Esquina Democrática, e estava lotado. Não tinha lugar para sentar. Aí alguém levantou na primeira fileira e deu lugar pra minha avó e eu sentei no colo dela. Assisti a todo o filme assim, literalmente embaixo da tela. Fiquei encantado, alguma coisa mágica aconteceu dentro de mim e saí dali dizendo que faria cinema. Eu tinha cinco anos, não tinha nem televisão em casa, mas decidi que seria ator e que, principalmente, faria um filme com Os Trapalhões”, relembra.
A decisão não foi ao acaso. A Filha dos Trapalhões contava a história de uma menina que havia sido abandonada e acabou sendo criada pelo quarteto. Castelhano também não conheceu o pai, Lourival Castelhano, por isso sentiu-se identificado. Os anos passaram e ele insistia na ideia de virar ator, por conta disso, passou a sofrer bullying na escola e da própria família. “Não tinha muito espaço para esse tipo de sonho. Mas minha avó sempre me apoiou e devo muito do que me tornei como artista a ela”, afirma.
Dedé e Rodrigo Castelhano (Créd.: Divulgação)
Com nove anos, cansado de ser alvo de piadas, tomou a decisão de fugir de casa. Os Trapalhões haviam lançado um especial de 25 anos de carreira, e nele continha o endereço da RA Produções, do Rio de Janeiro. “A ideia era simples. Iria fugir para o Rio, me apresentar e começar a trabalhar com eles. Bolei um plano na minha cabeça, coloquei um sanduíche com pão caseiro que minha avó fazia, uma garrafa de achocolatado e uma maça na mochilha e fui para a rodoviária tentar entrar no compartimento de malas de algum ônibus que fosse para o RJ”.
O plano acabou virando uma trapalhada e, obviamente, preocupação para toda a família. Sem êxito, voltou para casa achando que conseguiria pegar de volta o bilhete de despedida que havia deixado. “Mãe, fui embora para o Rio de Janeiro fazer filmes com Os Trapalhões. Eu vou ficar bem, te amo”. Ao chegar em casa, o local estava lotado de pessoas preocupadas, inclusive a polícia, o pastor da igreja, um professor, entre tantos outros familiares e vizinhos. Cada um passando uma bronca diferente.
A partir daí, mais problemas surgiram. Castelhano passou por acompanhamento psicológico e sua mãe foi colocada “em xeque” para ver se tinha condições de criá-lo. Isso fez com que o menino retraísse seu desejo, mas apenas por um certo tempo.
A retomada
Aos 14 anos, entrou para o teatro e começou a escrever. Com 15, fez seu primeiro roteiro que foi parar no Festival Internacional de Cinema de Gramado e não parou mais. Em 1998, com 19 anos, desembarcou em São Paulo para trabalhar com Wolf Maia. Ao lado do consagrado autor de novelas, Castelhano trabalhou por cerca de 10 anos. Profissionalizou-se como diretor, ator, produtor, venceu prêmios, fez diversos filmes, mas ainda faltava um filme com Os Trapalhões. Além disso, Mussum e Zacarias já não eram mais vivos. Foi quando decidiu voltar ao Rio Grande do Sul.
Realização de um sonho
De volta ao Estado, Castelhano formou uma parceria com Evandro Berlesi e formaram um projeto social chamado Alvoroço em Alvorada. Castelhano dirigiu até o terceiro filme e então mudou-se para Balneário Camboriú, onde trabalhou em um longa-metragem chamado Meu Pai é Figurante, com roteiro também de Berlesi. O filme teria como ator principal Stênio Garcia, mas os planos mudaram. No elenco havia grandes nomes como Sidney Magal, Luana Piovani, Paulinho Mixaria, e o músico Armandinho, que mora em Itajaí (ao lado de Balneário) e tinha contato com Dedé Santana, que também morava na cidade.
Ator e diretor durante gravação em Nova Petrópolis (Créd.: Divulgação)
O ano era 2010 e Dedé estava recluso há algum tempo. Castelhano ainda não havia conhecido seus ídolos, era a chance para o encontro. “Quando conheci o Dedé, lembro que ele gosta de falar muito e ficou falando sobre a história dele, uma jornada incrível! É aí eu disse que precisava contar a minha história a ele, e contei exatamente essa história. No final, estava todo mundo emocionado. De algum jeito, o universo fez uma curva poética e realizou meu sonho”, conta o diretor.
O filme foi feito e dali em diante ambos tornaram-se amigos e admiradores um do outro. “O Dedé fez com que eu sonhasse com um novo mundo, com possibilidades diferentes que estavam bem além da minha realidade”, acrescenta.
Recorde mundial
Pôster de divulgação de Meu pai é Figurante (Créd.: Divulgação)
Meu Pai é Figurante, com Dedé no papel principal, foi lançado no dia 18 de fevereiro de 2011 para um público de 400 mil pessoas na orla de Balneário Camboriú, segundo Castelhano a partir de documentos da Brigada Militar e veiculação na imprensa. Ele afirma que isso é um recorde mundial, mas que não foi possível oficializar no Guiness por questões burocráticas. “Nenhum outro filme na sua estreia, em uma sessão outdoor, teve tanto público”, afirma.
Parceria exaltada
Ao aparecer em “Meu Pai é Figurante”, Dedé recebeu proposta até para uma série da Netflix, onde faria dupla com Sidney Magal, mas por conta de sua peça “Palhaço”, não pôde aceitar. “Outro fruto que ‘Meu Pai é Figurante’ me deu, foi que uma produtora do Rio vai fazer um filme chamado ‘O Poderoso Chefão, ou quase’, é uma sátira. Eles me viram nesse filme e me convidaram para fazer o papel do Marlon Brando. Então o Rodrigo me deu muita sorte em questão de trabalho, e todo mundo que viu o filme gosta muito. Agora ele me convidou para fazer um novo filme, e eu aceitei”, disse Dedé a’O Diário.
O Trapalhão também disse gostar muito de trabalhar com Castelhano, porque ele é “completo”, sabendo de tudo. “Ele sabe dirigir o ator, ele monta, escreve. A direção de ator dele é muito boa, eu fico tentando captar as coisas que ele me fala ‘Dedé, aqui você faz isso, fala mais assim…’, procuro fazer o que ele fala porque ele é muito bom”, elogia.
Amor pelo Rio Grande do Sul
Dedé é casado com Cristiane Bublitz, a primeira rainha da Oktoberfest de Santa Cruz do Sul, filha de alemães. “Gosto muito da cultura alemã, acho um povo muito sério, muito correto. Tenho um carinho muito grande por Nova Petrópolis, Picada Café e região, onde gravamos Pura Ficção”. Este filme e outros de Castelhano podem ser vistos no Amazon Prime Video.