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A história dos venezuelanos que tentam recomeçar em Dois Irmãos
Dois Irmãos – Já imaginou ficar longe da sua família, dos seus amigos? Já imaginou ficar longe deles por um mês, um ano, dois ou, até mesmo, seis anos? Agora, imagine fazer isso, sem saber quando ou então, se algum dia, vai voltar a vê-los novamente.
Parece uma realidade distante, mas, na verdade, está acontecendo aqui perto, ao nosso lado, no município de Dois Irmãos. Na tarde desse sábado, dia 30, a reportagem do Diário acompanhou um pouco da rotina de quatro venezuelanos que fugiram da sua terra natal, procurando por uma nova oportunidade de vida, por, na verdade, condições viáveis de vida.
Para isso, tiveram que ser ousados. Tiveram que ter a coragem de dar um “até logo”, ou um “adeus” para as mulheres, filhos, pais e mães que ficaram. Fizeram isso e se colocaram a caminho, para trabalhar, mandar dinheiro para parentes que ficaram na Venezuela para que esses, acredite, não morressem de fome. E, além disso, estão preparando tudo por aqui, para que algum dia, se tudo der certo, as famílias também possam vir para o Brasil, para o Rio Grande do Sul, para Dois Irmãos.
Marcos Daniel, de 35 anos, é formado em direito. Na Venezuela foi diretor da Comissão Jurídica Estadual. “Eu descobri muita coisa errada no departamento onde trabalhava. E lá, quem falava algo do governo local, podia ser declarada como morto pois, quem briga com eles, briga com o diabo. Denunciei a equipe, e comecei a receber ameaças. Fui avisado para sair do país, pois já tinham pago alguém para me matar. Várias pessoas pediam onde eu estava, me diziam que queriam me ajudar, mas na verdade, queriam era comunicar meu paradeiro para o governador, para que ele pudesse me matar. Eu deixei uma cópia, de todos os documentos que havia conseguido juntar com os acontecimentos que tinham ocorrido no meu setor. Deixei-os para a fiscal general da República da Venezuela. Foram feitas denúncias, mas que não foram levadas a sério”, disse Marcos, lamentando não poder voltar para o seu país, pois de acordo com ele “ainda tem pessoas que nos perseguem”.
Marcos chegou no Brasil há cerca de cinco anos e meio. Primeiramente esteve em Roraima. Em seguida, o governo, em parceria com a ONU, resolveu mandar os venezuelanos para os outros estados do país. “Eu me cadastrei com a primeira turma, 125 venezuelanos, que foram para Esteio, no Rio Grande do Sul”, disse Marcos, relembrando da primeira janta que teve em Esteio, em uma Igreja. Ele deixou a sua vó, mãe e seu irmão mais novo para trás.
“Me sinto muito triste por estar longe, eu choro todos os dias da minha vida. De noite, parece que a vida acabou, mas quando acordo, me sinto forte e sigo lutando, pois minha vó, mãe e irmão dependem de mim. Sem o que eu ganho aqui, eles não têm como sobrevier, não tem nem como comer”, disse, destacando que lá o salário mínimo é de R$ 10,00, se comparado com o dinheiro do Brasil.
Hoje, Marcos trabalha no Grupo Herval, de Dois Irmãos, no qual trabalha há oito meses. “Gosto muito do meu serviço. Fui bem recebido pela empresa. Tem parceria com os colegas de trabalho, todo mundo respeita e ajuda. Se eu não sei de algo eles me ajudam, explica. Sou muito abençoado aqui, me sinto muito acolhido, tanto pela empresa, como por Dois Irmãos”, disse, feliz apesar das adversidades que sua família ainda enfrenta na Venezuela.
Junto com Marcos, mora Omar José, de 45 anos, que está em Dois Irmãos há seis dias. Também formado em direito, na Venezuela era superviso chefe da Polícia do Estado da Bolívia e Venezuela, onde trabalhou durante 21 anos. Ele deixou três filhas e sua esposa para trás.
Nicolas Oswaldo Brito, de 28 anos, também veio há seis dias para o município. Na Venezuela, trabalhava como policial agregado da Polícia do Estado da Bolívia e Venezuela, onde trabalhou por oito anos. “Era muita insegurança para todos”, disse. Ele deixou sua filha pequena de apenas dois anos e sua esposa para trás. “É muito triste, todos os dias falo com elas. Faz três meses e seis dias que não as vejo”, contou.
Jorge Luis Guzhman, de 50 anos, está há um ano em Dois Irmãos e trabalha em uma empresa em Novo Hamburgo. “Sai da Venezuela devido a situação política social do país”, disse Jorge, que era operador de máquinas na Venezuela. Ele deixou seus três filhos para trás, para os quais manda recursos todo mês com o que ganha aqui no Brasil. Ele fala com orgulho que um dos filhos estuda medicina e outro administração.
UM SÁBADO ESPECIAL PARA TODOS
Esse sábado, dia 30, foi ainda muito especial. Pois através de uma mobilização do casal Danúbia Pires Born e Luis Ricardo Feilstreckert, proprietários da Fruteira do Alemão, que fica no bairro Moinho Velho, vários itens foram arrecadados para a casa em que Marcos mora com os três colegas venezuelanos. A casa foi alugada e, lá, estão começando uma nova vida.
Através da página no Facebook da fruteira, várias pessoas se disponibilizaram para doar e, com isso, a tarde desse sábado foi para ajudar. Danúbia e Luis não fizeram só o anúncio na rede social. Eles, com o caminhão da empresa e o carro da família, passaram a tarde desse sábado coletando as doações dos moradores. “Fomos informados que eles não tinham móveis nem nada dentro da casa que alugaram. Quando foi feita a publicação, muitas pessoas se colocaram a disposição. Foi uma forma que encontramos para ajudar. Eles ainda precisam de vários itens, como roupeiros, roupas de cama, ventilador – devido à época do calor. Ainda tem famílias que estão vindo, então o que não for servir para eles ou já estiver sobrando, será passado adiante para ajudar os outros”, disse Danúbia, que disse estar fazendo a sua parte, assim como todo mundo, em ajudar quem realimente precisa.
Desde às 14h até às 18h coletando doações com seu caminhão, Luis destacou que se sente muito bem em ajudar. “Ajudo no que posso e até no que não posso. Deixei meu comércio com os funcionários para ajudar, pois estão precisando. Eles trabalham muito para mandar dinheiro para a família e, nós, de alguma forma, podemos ajudar”, disse Luis.
Marcos, Omar, Nicolas e Jorge passaram a tarde com o casal, indo junto para carregar todas as doações e, depois, descarrega-las e levar para dentro de casa. “Muito obrigado, por tudo o que estão fazendo. A ajuda de vocês não tem tamanho, é grandiosa. É muito importante o que está sendo feito”, falaram. Marcos ainda deixou seu telefone de contato, que é 051 99591-2856. “Hoje, conseguimos praticamente tudo o que precisamos para nos manter. Estamos muito feliz. Se alguém ainda quiser doar, vamos direcionar para os outros que estão vindo, ressaltou.
- Acompanhe, ao longo da semana, a matéria em vídeo que foi produzida pela reportagem do Diário.