Geral

As memórias de quem viveu em Nova Petrópolis no período da maior guerra mundial

22/04/2022 - 10h39min

Werno Neumann recorda dos tempos difíceis enfrentados há 80 anos em Nova Petrópolis (CRÉDITOS: GIAN CRISTIANO WAGNER)

Werno Neumann tem 87 anos, nasceu na Linha Imperial na década de ’30 e relembra as dificuldades enfrentadas nos anos que o mundo esteve em guerra

Diário da Terceira Idade

POR: GIAN WAGNER – gian@odiario.net

A guerra entre a Rússia e a Ucrânia que iniciou há quase 60 dias, traz lembranças de tempos difíceis em que o mundo esteve em guerra. Quem recorda deste período em Nova Petrópolis é Werno Blásio Neumann, 87 anos, que viveu na Linha Imperial na época da Segunda Guerra Mundial no início dos anos 40. “Eu convivi com a segunda Guerra Mundial. Meu pai era uma pessoa que lia muito, acompanhava as notícias pelo rádio”, conta Werno. “Ele e os clientes [da Caixa Rural] comentavam muito sobre a guerra. Por esse fato eu tenho algumas informações e conhecimento de como foi na época. Eu também convivi com os problemas causados pela guerra”, relata.

Foram muitas consequências que chegaram ao Brasil, mesmo a guerra ocorrendo há milhares de quilômetros de distância e o Brasil, então, sequer participando do conflito. Em Nova Petrópolis foram dois grandes problemas: cultural e econômico. “Pessoas que eram flagradas falando alemão eram presas e levadas para a cadeia em São Sebastião do Caí, na época sede do Distrito de Nova Petrópolis”, conta. A proibição do idioma alemão, junto com o italiano e o japonês, foi um dos maiores problemas enfrentados. Isso porque foram confiscados livros, revistas e jornais que eram impressos no idioma dos colonizadores e que ajudavam a manter viva a tradição trazida do outro lado do oceano. “Nas missas e cultos tinha um policial que vigiava para ver se alguém falava alemão”, conta Werno. “Lembro que várias pessoas foram presas e soltas somente algumas semanas depois, com muita insistência da família e de advogados”, relembra.

ESCASSEZ ATINGE A COLÔNIA – Ainda distrito de São Sebastião do Caí, Nova Petrópolis tinha poucas tecnologias. “O país tinha muita escassez de alimento, farinha, petróleo”, conta. No país muito da farinha usada era importada e teve escassez também por causa do transporte.
Werno conta que o que ajudou Nova Petrópolis neste ponto foi que ainda havia moinhos em operação e a maioria dos produtores produzia trigo, centeio e milho. Nestes moinhos, quem fazia a farinha ficava com uma parte, como taxa pela moagem, e esse excedente era vendido para pessoas que não eram produtores.

Werno com a família: No centro o pai José Otto Neumann ao lado da esposa e dos doze filhos. Werno é o menino da direita (CRÉDITOS: ARQUIVO PESSOAL/REPRODUÇÃO)

“Gás pobre”
Energia já era algo difícil acesso no início de 1940. No Stadplatz (hoje centro) tinha luz elétrica. Ela era fornecida pelas usinas dos Ackermann e dos Michaelsen. No interior que a situação ficou crítica. Não tinha luz, só lampião à querosene. Pela escassez do produto, os moradores só tinham lampiões que eram abastecidos com óleo de girassol, linhaça e até banha de porco, além de velas de cera.
Já para os veículos, em uma época que Nova Petrópolis tinha entre cerca de 30 e 40 carros, a engenhosidade foi ainda maior. Era usado um sistema de gasogênio, ou ‘gás pobre’, como era chamado. “Eram dois tambores que iam em cima do para-choque traseiro dos carros. Lá era aquecido carvão e lenha, que geravam gás e energia para fazer os motores funcionarem”, explica Neumann. “Sempre era um serviço sujo e trabalhoso. Muitos nem instalaram e preferiram deixar os carros parados”, conta.

Informações eram obtidas ilegalmente
A comunidade já era adepta da leitura, mas em alemão. De Porto Alegre chegava um jornal chamado A Nação, que tinha em torno de 80 assinantes em Nova Petrópolis. Após a proibição dos idiomas, o periódico passou a circular somente em português e isso fez o número de assinatura despencar para dez.
Para ter notícias da situação da guerra, alguns moradores usavam uma espécie de rádio chamada Galena. “Dava para ouvir a Deuschwelle (rádio alemã), escondido para não serem flagrados pela polícia”, recorda.
Nesta época foi fundada, clandestinamente, uma associação chamada Grünewald. “Eles se reuniam para fazer churrasco e comentar os acontecimentos da segunda guerra”, conta Neumann. Uma das primeiras sedes foi aos fundos da Sociedade Tiro ao Alvo.

Soldados na Itália
Quase no fim da guerra, o Brasil entrou e chegou a batalhar na Itália. Dois soldados de Nova Petrópolis foram convocados e chegaram a ir para a Europa. Um deles era Otto Grings, descendente de alemães e morador da Linha Imperial. O outro foi Aquelino Antoniolli, descendente de italianos, morador da Linha Pedancino. Porém, quando eles chegaram lá, a guerra já tinha acabado.

A Alemanha faminta
Após o fim da guerra, a Alemanha ficou completamente arrasada. A população passava fome e os descendentes dos alemães que colonizaram o Brasil em Nova Petrópolis se solidarizaram. “Houve uma grande campanha de arrecadação de roupas, alimentos e até dinheiro que foram enviados para quem estava faminto e sofrendo na Alemanha. Chegou a ser feito uma festa pelas comunidades da Linha Imperial e Linha Brasil. Lembro-me que foi feita uma grande faixa estendida na RS-235 com os dizeres: ‘Festa em prol da Alemanha faminta’”, recorda Werno. “O pastor Paulo Evers, da Linha Brasil, em conjunto com o padre Bouquet, viajou pelo Brasil todo, visitando principalmente empresas alemãs, para angariar fundos para a Alemanha flagelada e faminta. Após o término da guerra, ainda levou alguns anos para normalizar como era antes” relata.

Grande congresso católico
De quatro em quatro anos as colônias alemãs Estado realizavam o Katholikentag (Dia dos Católicos). Em 1942 a grande festa seria realizada na Linha Imperial com expectativa de mais ou menos três mil peregrinos de todo Estado. “Foi construído um grande pavilhão para abrigar essas pessoas e lá as palestras e as missas seriam realizadas”, conta Werno.
Foi nesta época também que foi construída a praça em frente à Igreja Matriz, na Linha Imperial. Werno conta que o local era um banhado. O aterro foi feito em mutirão por dezenas de agricultores e carretas. O aterro foi buscado em um barranco na subida para o cemitério da localidade. O trabalho era feito à noite, com a pequena iluminação da usina de João Kehl. “No centro da praça foi construído o monumento em homenagem ao Padre Amstad. A obra foi custeada pelas Caixas Rurais (hoje Sicredis) e a central das caixas rurais de Porto Alegre. Poucos dias para a realização do congresso, tudo estava pronto para o grande evento, porém veio a grande decepção de que não mais poderia ser realizado pois o governo federal decretara que os idiomas não poderiam ser mais usados e o congresso era feito em alemão. Aí foi tudo cancelado com grande decepção para comunidade”, conta Werno. Só o monumento foi inaugurado e realizou-se a assembleia das caixas rurais, que na época já eram 45 em todo o Estado.

Aulas em português
As crianças também sofreram com as restrições no Brasil. Werno lembra que era aluno da Escola Paroquial e as aulas eram, até 1942, em alemão. “A partir de 1942, com alemão proibido, passou a ser tudo em português. Porém, em casa, todos os alunos falavam alemão. Até o professor tinha dificuldade de falar português”.

 

Na vida profissional, Werno atuou nas cooperativas Sicredi e Piá. Ele mostra com orgulho as homenagens recebidas ao longo dos anos (CRÉDITOS: GIAN CRISTIANO WAGNER)

Sair da versão mobile