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As memórias de quem viveu em Nova Petrópolis no período da maior guerra mundial
Werno Neumann tem 87 anos, nasceu na Linha Imperial na década de ’30 e relembra as dificuldades enfrentadas nos anos que o mundo esteve em guerra
Diário da Terceira Idade
POR: GIAN WAGNER – gian@odiario.net
A guerra entre a Rússia e a Ucrânia que iniciou há quase 60 dias, traz lembranças de tempos difíceis em que o mundo esteve em guerra. Quem recorda deste período em Nova Petrópolis é Werno Blásio Neumann, 87 anos, que viveu na Linha Imperial na época da Segunda Guerra Mundial no início dos anos 40. “Eu convivi com a segunda Guerra Mundial. Meu pai era uma pessoa que lia muito, acompanhava as notícias pelo rádio”, conta Werno. “Ele e os clientes [da Caixa Rural] comentavam muito sobre a guerra. Por esse fato eu tenho algumas informações e conhecimento de como foi na época. Eu também convivi com os problemas causados pela guerra”, relata.
Foram muitas consequências que chegaram ao Brasil, mesmo a guerra ocorrendo há milhares de quilômetros de distância e o Brasil, então, sequer participando do conflito. Em Nova Petrópolis foram dois grandes problemas: cultural e econômico. “Pessoas que eram flagradas falando alemão eram presas e levadas para a cadeia em São Sebastião do Caí, na época sede do Distrito de Nova Petrópolis”, conta. A proibição do idioma alemão, junto com o italiano e o japonês, foi um dos maiores problemas enfrentados. Isso porque foram confiscados livros, revistas e jornais que eram impressos no idioma dos colonizadores e que ajudavam a manter viva a tradição trazida do outro lado do oceano. “Nas missas e cultos tinha um policial que vigiava para ver se alguém falava alemão”, conta Werno. “Lembro que várias pessoas foram presas e soltas somente algumas semanas depois, com muita insistência da família e de advogados”, relembra.
ESCASSEZ ATINGE A COLÔNIA – Ainda distrito de São Sebastião do Caí, Nova Petrópolis tinha poucas tecnologias. “O país tinha muita escassez de alimento, farinha, petróleo”, conta. No país muito da farinha usada era importada e teve escassez também por causa do transporte.
Werno conta que o que ajudou Nova Petrópolis neste ponto foi que ainda havia moinhos em operação e a maioria dos produtores produzia trigo, centeio e milho. Nestes moinhos, quem fazia a farinha ficava com uma parte, como taxa pela moagem, e esse excedente era vendido para pessoas que não eram produtores.
“Gás pobre”
Energia já era algo difícil acesso no início de 1940. No Stadplatz (hoje centro) tinha luz elétrica. Ela era fornecida pelas usinas dos Ackermann e dos Michaelsen. No interior que a situação ficou crítica. Não tinha luz, só lampião à querosene. Pela escassez do produto, os moradores só tinham lampiões que eram abastecidos com óleo de girassol, linhaça e até banha de porco, além de velas de cera.
Já para os veículos, em uma época que Nova Petrópolis tinha entre cerca de 30 e 40 carros, a engenhosidade foi ainda maior. Era usado um sistema de gasogênio, ou ‘gás pobre’, como era chamado. “Eram dois tambores que iam em cima do para-choque traseiro dos carros. Lá era aquecido carvão e lenha, que geravam gás e energia para fazer os motores funcionarem”, explica Neumann. “Sempre era um serviço sujo e trabalhoso. Muitos nem instalaram e preferiram deixar os carros parados”, conta.
Informações eram obtidas ilegalmente
A comunidade já era adepta da leitura, mas em alemão. De Porto Alegre chegava um jornal chamado A Nação, que tinha em torno de 80 assinantes em Nova Petrópolis. Após a proibição dos idiomas, o periódico passou a circular somente em português e isso fez o número de assinatura despencar para dez.
Para ter notícias da situação da guerra, alguns moradores usavam uma espécie de rádio chamada Galena. “Dava para ouvir a Deuschwelle (rádio alemã), escondido para não serem flagrados pela polícia”, recorda.
Nesta época foi fundada, clandestinamente, uma associação chamada Grünewald. “Eles se reuniam para fazer churrasco e comentar os acontecimentos da segunda guerra”, conta Neumann. Uma das primeiras sedes foi aos fundos da Sociedade Tiro ao Alvo.
Soldados na Itália
Quase no fim da guerra, o Brasil entrou e chegou a batalhar na Itália. Dois soldados de Nova Petrópolis foram convocados e chegaram a ir para a Europa. Um deles era Otto Grings, descendente de alemães e morador da Linha Imperial. O outro foi Aquelino Antoniolli, descendente de italianos, morador da Linha Pedancino. Porém, quando eles chegaram lá, a guerra já tinha acabado.
A Alemanha faminta
Após o fim da guerra, a Alemanha ficou completamente arrasada. A população passava fome e os descendentes dos alemães que colonizaram o Brasil em Nova Petrópolis se solidarizaram. “Houve uma grande campanha de arrecadação de roupas, alimentos e até dinheiro que foram enviados para quem estava faminto e sofrendo na Alemanha. Chegou a ser feito uma festa pelas comunidades da Linha Imperial e Linha Brasil. Lembro-me que foi feita uma grande faixa estendida na RS-235 com os dizeres: ‘Festa em prol da Alemanha faminta’”, recorda Werno. “O pastor Paulo Evers, da Linha Brasil, em conjunto com o padre Bouquet, viajou pelo Brasil todo, visitando principalmente empresas alemãs, para angariar fundos para a Alemanha flagelada e faminta. Após o término da guerra, ainda levou alguns anos para normalizar como era antes” relata.
Grande congresso católico
De quatro em quatro anos as colônias alemãs Estado realizavam o Katholikentag (Dia dos Católicos). Em 1942 a grande festa seria realizada na Linha Imperial com expectativa de mais ou menos três mil peregrinos de todo Estado. “Foi construído um grande pavilhão para abrigar essas pessoas e lá as palestras e as missas seriam realizadas”, conta Werno.
Foi nesta época também que foi construída a praça em frente à Igreja Matriz, na Linha Imperial. Werno conta que o local era um banhado. O aterro foi feito em mutirão por dezenas de agricultores e carretas. O aterro foi buscado em um barranco na subida para o cemitério da localidade. O trabalho era feito à noite, com a pequena iluminação da usina de João Kehl. “No centro da praça foi construído o monumento em homenagem ao Padre Amstad. A obra foi custeada pelas Caixas Rurais (hoje Sicredis) e a central das caixas rurais de Porto Alegre. Poucos dias para a realização do congresso, tudo estava pronto para o grande evento, porém veio a grande decepção de que não mais poderia ser realizado pois o governo federal decretara que os idiomas não poderiam ser mais usados e o congresso era feito em alemão. Aí foi tudo cancelado com grande decepção para comunidade”, conta Werno. Só o monumento foi inaugurado e realizou-se a assembleia das caixas rurais, que na época já eram 45 em todo o Estado.
Aulas em português
As crianças também sofreram com as restrições no Brasil. Werno lembra que era aluno da Escola Paroquial e as aulas eram, até 1942, em alemão. “A partir de 1942, com alemão proibido, passou a ser tudo em português. Porém, em casa, todos os alunos falavam alemão. Até o professor tinha dificuldade de falar português”.