Conecte-se conosco

Geral

Cheias: região teve quatro histórias dramáticas de medo e salvamento

21/06/2023 - 11h10min

Atualizada em 21/06/2023 - 11h21min

Morador mostra as duas bergamoteiras onde a moça se agarrou  (Crédito: Cândido Nascimento)

Morador de Lindolfo Collor passou 8 horas de frio e de angústia na copa de uma árvore

Colaboraram: Cândido Nascimento, Geison Concencia e Rodrigo Thiel

Presidente Lucena – As vidas de Gilnei Kotowski, que ficou oito horas em cima de uma árvore, em Lindolfo Collor, de Lucieli Carolina Klein, 23 anos, de São José do Hortêncio, e de Eder Petry, 44, de Linha Nova, ganharam uma nova perspectiva, a partir da enchente quer atingiu a região fazer transbordar os Rio Cadeia e o Feitoria, na sexta-feira (16) pela manhã. Também um casal e um carroceiro estancienses foram resgatadas com vida.

No caso de Linha Nova Baixa, os dois motoristas passaram pela ponte que liga a localidade de Capela do Rosário (São José do Hortêncio) a Presidente Lucena. Após descer a ponte e pegar a estrada, por voltadas 6 horas da manhã, para ir ao trabalho, Lucieli na empresa de calçados Luz da Lua (Centro de Presidente Lucena) e Eder na Escola Presidente Kennedy, bairro Lago Azul, em Estância Velha.

SE GARROU EM BERGAMOTEIRA

Lucieli se dirigia ao trabalho, por volta das 6h15, quando o Chevrolet Corsa (que pertence ao pai) foi levado pela enxurrada. Ela conta que chegou a passar a ponte da Capela do Rosário quando percebeu que o veículo estava sendo arrastado pela correnteza do Rio Cadeia. “Eu pensei: ‘se ficar dentro do carro vai ser pior’. Tentei nadar, me afundei e por sorte parei numa bergamoteira”, conta a jovem.
Na copa da árvore, ela relata ter ficado cerca de 1h30min gritando por socorro, até ser resgatada com uma espécie de boia improvisada e encaminhada para atendimento médico com hipotermia. “Foram os moradores e Deus que me salvaram. Eu perdi tudo, meu carro, celular e documentos. Mas o mais importante é a vida”, completou Lucieli.

FAMÍLIA OUVIU GRITOS

A família de Airton e Milton Hanauer ouviu os gritos da jovem por socorro. Uma familiar disse que o ligando os caminhões e que ela tentou tirar o carro por voltadas 6h30, mas teve medo de conseguir. Assim que os caminhões foram desligados ela ouviu um pedido de socorro que parecia um passarinho ou a voz suave de uma criança.

Milton Hanauer disse que ouviu os pedidos de socorro e ligou a lanterna, por volta das 6h30, conseguindo enxergar uma parte de um carro branco e focou na jovem pendurada numa bergamoteira.

UMA ESPÉCIE DE BOIA

Milton e o irmão tentaram ir caminhando, mas a água estava gelada e pensaram em usar uma peça que ele ganhou há uns dez anos do vizinho, dono do antigo Curtume Fritsch (de Ivoti), Marinho Fritsch, que era usada para tratar resíduos. Em casa, era usada como boia pelas crianças brincar no açude da família.

Nesse equipamento foi amarrada uma extensa corda e, enquanto Milton e Airton, junto com outras pessoas, seguravam a corda, Ederson Backes e Leandro Medtler sentaram em cada lado da boia para chegar até a jovem. Vários vizinhos ajudaram no salvamento.

 

Esse material foi improvisado para salvar as vítimas da enxurrada

 

“A ÁGUA SUBIU MUITO RÁPIDO”

Milton conta que iluminou na direção dos gritos até enxergar a jovem, e já era 6h50 da manhã. Não tinha energia elétrica, estava escuro, mas apesar de acharem quer era uma voz de criança, avistaram o carro preso de lado nas bergamoteiras e a mulher e o homem pendurados nas árvores. Procuraram se agilizar para fazer o resgate rapidamente, pois estava muito frio.

“Lá pelas 6h30 da amanhã começamos a ouvir os pedidos de socorro e como estava escuro liguei a lanterna e vi o teto do carro e aí caiu a ficha; e como entramos na água e não deu para ir adiante (devido à água fria) lembramos daquela boia e pegamos o trator para puxar o equipamento, amarramos a corda, depois o Eder e o Leandro subiram nela e nós ficamos segurando a corda com a ajuda de vizinhos

MOTORISTA PUXOU A JOVEM PELO CASACO

Ederson Backes mora no Lichtenthal, em Picada Café, e trabalha como motorista para Airton Hanauer. Ele comenta que era quase 7h da manhã quando chegou e viu toda a mobilização. Sem pensar muito subiu na boia junto com Leandro Medtler.

“Tinha bastante gente segurando aquela corda da boia, mas ela trancou nos galhos quando a gente já tava chegando até a moça, mas a força da correnteza derrubou a árvore e o Leandro gritou para ela se agarrar em outra, ela conseguiu estava só com a cabeça para fora e chegou a afundar na água, pois era um uns 2,5 m de altura da água, mas consegui puxar ela pelo moleton” lembra Backes

SENSAÇÃO DE ALÍVIO

Segundo relembra o motorista, foi uma ‘sensação de alívio’ ele e os demais amigos e vizinhos conseguirem salvar as duas vidas. Um bombeiro pegou a jovem no colo e a levou até a ambulância da Prefeitura que já tinha chegada para fazer o socorro.

No posto de saúde a equipe de enfermagem e a secretária Joice Froehlich tiraram a roupa molhada e colocaram roupas quentes na jovem para que ela se recuperasse do princípio de hipotermia. Na sequência, o professor foi retirado da água e também levado para atendimento. Devido ao trânsito, o médico chegou somente às 10 horas

Ederson Backes foi um dos que se arriscaram no resgate

 

Lucieli resistiu o frio e a força da água até o resgate    Crédito: Rodrigo Thiel

O carro que pertence ao pai de Lucieli ficou destruído pela enchurrada   (Foto cedida por morador de Linha Nova Baixa)

 

 Professor sobrevivente destaca o heroísmo da comunidade:

Eder Petry agarrou-se em bergamoteira para evitar ser levado pela enxurrada

O professor Eder Petry, também relatou que não foi levado pela correnteza pois agarrou em um pé de bergamota. Foi salvos por pessoas da comunidade de Presidente Lucena, que arriscaram suas próprias vidas para tirá-los da água.

Petry deslocava-se ao trabalho, quando foi surpreendido pela correnteza, limite entre Linha Nova Baixa e Capela do Rosário. “Não é um trajeto que faço com frequência Normalmente meu percurso passa por Picada Café, mas, como imaginava que na BR-116 a situação poderia estar pior, decidi mudar de caminho. Quando cheguei na ponte, não havia água aparentemente. Assim que passei, a enxurrada levou o carro”, explicou.

O carro começou a inclinar, com água passando pelo capô. Devido ao ângulo do veículo, ele não conseguiu abrir a porta da frente, que já estava submersa. Diante dessa circunstância, foi para o banco de trás e saiu pela porta traseira. Mas, antes disso, tirou o casaco pesado que usava, para evitar de se enroscar em galhos ou árvores. Uma vez fora do carro, mesmo sem saber nadar, teve forças para alcançar um pé de bergamota. E, ali, naquele lugar escuro e repleto de água, aguardou o socorro. Ouviu alguém pedindo ajuda, não muito distante de onde ele estava: era Lucieli, que antes dele, havia sido atingida pela enxurrada e aproveitou o pomar de bergamoteiras para evitar ser levada pela forte correnteza.

GRATIDÃO

Eder se emociona ao lembrar das pessoas que arriscaram suas vidas para salvá-lo da enxurrada. Segundo ele,as pessoas, simplesmente, amarraram cordas e botes improvisados e, algumas, nadaram sem nenhum tipo de proteção para tirá-lo do meio da enchente. “Aquela comunidade merece o meu reconhecimento e gratidão. Elas não precisavam ter se arriscado, estavam fora de perigo, no seco e seguras. Nenhuma delas me conhecia. Mas, mesmo assim, elas me ajudaram”.

Petry destaca que a situação vivida não deixou traumas. Ele até se surpreende em ter passado por uma situação de sobrevivência e conseguir dormir tranquilamente, à noite. As emoções ficam por conta da gratidão, pela comunidade que salvou sua vida. Essa, ficará para sempre guardada em sua memória.

Morador de Linha Nova agradece a quem o salvou   (Crédito: Geison Concencia)

Lindolfo Collor – Uma das histórias mais surpreendentes de sobrevivência registradas na sexta-feira, é a de Gilnei Kotowski, em Lindolfo Color. Ele seguia para o trabalho, por volta das 5h30, mas foi surpreendido pela correnteza, no momento em que passava pela ponte seca da Av. Capivara, há poucos metros da ponte principal sobre o Arroio Feitoria.
Como ainda estava escuro e com pouco movimento nas ruas, ninguém visualizou este movimento e Nei – como é chamado por familiares -, teve o carro levado pela água. No instinto de sobrevivência, conseguiu abrir a porta do veículo. “Ele conseguiu escapar enquanto o carro estava sendo arrastado e ficou submerso na água. Foi lutando com a correnteza, nadando e afundando, até chegar na árvore”, relata a irmã Janisse Kotowski.
Já na manhã de domingo, quando a água baixou, era possível visualizar o Prisma prata de Nei, há cerca de 100 metros da ponte seca, de onde foi arrastado. De acordo com relatos, o resgate aconteceu em uma distância ainda maior, já que ele foi arrastado pela correnteza. “Desesperador, mas teve um final feliz essa história terrível. Um verdadeiro milagre”, finaliza Janisse.

 

O carro de Nei apareceu no meio da lama após ser coberto pela água 

Casal e carroceiro salvos em Estância

Assim como em outros municípios, casos impressionantes de sobrevivência também foram registrados em Estância Velha. Ambos aconteceram bem próximos um do outro, no Rincão Gaúcho. O primeiro envolveu um casal que teve o carro arrastado e ficou preso no interior, aguardando até a chegada do socorro. Eles foram retirados já em início de hipotermia, mas ficaram bem.

CARROCEIRO

Depois, um carroceiro tentou passar pela enchente da rua Emílio Valdemar Scherer. O animal não conseguiu seguir devido à força da correnteza e os dois acabaram arrastados. O homem ainda conseguiu se agarrar à uma árvore, enquanto moradores chamaram pelo socorro do Corpo de Bombeiros, que o resgatou. Já o animal não teve a mesma sorte e morreu afogado.

Resgate do carroceiro foi com um barco

CONFIRA VÍDEOS DA LINHA NOVA BAIXA: 

Conteúdo EXCLUSIVO para assinantes

Faça sua assinatura digital e tenha acesso ilimitado ao site.