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Coração de terra: a história de Renilse e Pedrinho no Canto Becker, em Santa Maria do Herval

25/05/2025 - 08h24min

Pedrinho e Renilse com a junta de bois que lhes ajuda no dia a dia (FOTO: Arquivo pessoal)

O cheiro da terra molhada, o berro dos bois ao amanhecer, a poeira fina que dança com o vento nas estradas de chão.
É nesse cenário que Renilse e Pedrinho Zimmer fincaram suas raízes — bem fundo, bem firme — como quem planta sonhos e colhe histórias.

Renilse carrega a roça no sangue. “Meus pais a vida toda foram agricultores”, diz, enquanto a memória busca o tempo em que ela mesma, ainda menina, deixava para trás a casa da Linha Marcondes para buscar outros rumos — ou pelo menos a fábrica de calçados da Boa Vista.

Foram quatro anos no couro e no batente, até que o destino a chamou de volta para a terra. Foi no retorno à roça que a vida lhe trouxe Pedrinho — um amor moldado pelo trabalho e pela partilha dos dias.
“Começamos a trabalhar juntos… e viramos um casal de agricultores”, recorda ela, com aquela simplicidade que vale mais que qualquer grande história.

A junta de bois da família

Pedrinho nunca conheceu outro chão: nasceu no Canto Becker, se criou entre plantações e bichos, e nunca deixou a lavoura.
Sobretudo, sempre teve zelo por suas juntas de bois – que lhes ajudam no dia a dia; mais que animais, são companhias diárias, tanto que, todas as fotos desta reportagem, são com os bovinos: sempre bonitos, bem alimentados, bem cuidados.

Pedrinho com a netinha Mariana e a famosa junta de bois

Trabalho que molda vidas

Hoje, Pedrinho, aos 64 anos, e Renilse, prestes a completar 59, vivem da agricultura familiar. Mesmo aposentados, não abandonaram a lida.
“A gente ainda tira leite, faz um queijinho, planta milho pra criar as porcas… Vendemos os porquinhos desmamados, é o nosso maior sustento”, explica Renilse.

A roça, mais que trabalho, é também a previdência do casal. Semeiam o presente e tentam, com mãos calejadas e persistência, guardar um pouquinho para o futuro.
“Cada dia a gente envelhece mais… então precisa ter uma poupancinha. Não podemos só gastar o que vem da aposentadoria.” O campo ensina a prudência — e também a resiliência.

Nos anos 90, quando começaram a vida juntos, batata e feijão eram as estrelas da produção. Hoje, o milho ganhou importância: não para venda, mas para alimentar as porcas, que garantem renda com a venda dos filhotes.

“Plantamos de tudo um pouco. Feijão ainda é o que dá um dinheirinho. Mas batata… às vezes a gente planta, o preço despenca. Quando não planta, o preço sobe. Por isso desistimos de produzir em grande escala, só para o nosso consumo.”

A sabedoria do agricultor é saber escutar a terra — e também o mercado, mesmo que ele seja, muitas vezes, ingrato.

Registro antigo da família, junto com o filho Matheus, com uma junta de bois

A filha Bianca, ainda pequena, com uma antiga junta de bois

Entre filhos, neta e saudades

Renilse e Pedrinho formaram não só lavouras, mas também uma família.
Matheus, o primogênito, tem 28 anos; Bianca, a caçula, completou 27. E agora, uma nova flor brotou nesse jardim: a pequena Mariana, a primeira netinha do casal, filha de Bianca.

No entanto, a vida também tem seus desafios. Renilse, que sempre foi ativa na roça, precisou diminuir o ritmo por conta de problemas no joelho. Mas ela não esconde a ansiedade de voltar.

“Estou quase enlouquecendo dentro de casa”, confessa, com aquele tom meio sério, meio risonho de quem nasceu para sentir a terra nas mãos. “Logo vou fazer a cirurgia, botar uma prótese, e quero voltar para a roça, tratar os porquinhos, tirar leite… tudo de novo.”

A vida na roça é feita desses ciclos — de idas e voltas, de perdas e renascimentos.

Um tempo que não se mede no relógio

Renilse lembra dos anos dourados da batata, na década de 90, quando o preço era 25 reais a saca de 50 quilos. Hoje, 30 anos depois, às vezes o valor não é muito diferente — enquanto tudo o mais subiu.
“Tu imagina… 30, 35 anos e o preço quase igual? Como é que a gente ainda vive disso?”, questiona, sem revolta, mas com a resignação de quem aprendeu a driblar as intempéries da vida.

Um amor cultivado dia após dia

Mais do que plantar e colher, Renilse e Pedrinho cultivaram juntos algo ainda mais precioso: o amor.
Amor pelo que fazem. Amor pela terra que os sustenta. Amor pela família que construíram. Amor um pelo outro.

Ali, no Canto Becker, onde o tempo parece correr diferente e as estações são marcadas pelo plantar e colher, duas almas se entrelaçaram — como raízes profundas, que nem as tempestades mais fortes conseguem arrancar.
E assim seguem, dia após dia, com os pés firmes na terra e o coração leve de quem sabe que, mesmo nas dificuldades, cada amanhecer é um novo plantio de esperança.

O CASAL JÁ PARTICIPOU DE OUTRA REPORTAGEM, EM 2020, CLIQUE AQUI PARA VER.

 

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