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DIÁRIO RURAL – De um bistrô em Berlim para o cultivo de sementes no interior de Nova Petrópolis

29/04/2022 - 10h02min

Placa de entrada do sítio, que leva o nome de uma planta (CRÉDITOS: ROSANA KUNST/COMO FAZER HORTA/ESPECIAL)

Casal Verônica e Gyps trocou a Alemanha há 14 anos e achou na Serra Gaúcha um paraíso para serem guardiões

Por: GIAN WAGNER

Em 2008, o alemão Detlef Hegert, conhecido desde a infância como Gyps, desembarcou no Brasil em busca de um novo lugar para viver com a companheira, Verônica Bruch, 70, que aguardava ansiosa na Europa. O objetivo era encontrar um pedaço de terra para que o casal pudesse voltar à agricultura, atividade que os pais de Verônica exerciam quando ela era criança, no norte do Paraná.

O primeiro estado procurado foi o próprio Paraná, terra natal de Verônica. “Mas lá era muito perigoso pra morar no interior, tínhamos medo de assaltos”, conta Verônica. Assim, por indicação de uma amiga que mora em Gramado, Gyps viajou até Nova Petrópolis onde encontrou um sítio à venda, gostou do lugar, mas quem faria a compra e precisava aprovar era Verônica, que continuava em Berlim cuidando do bistrô vegano que os dois administravam há anos. “Eu tinha preferência por um lugar que tivesse água, rio. Esse era o principal critério”, lembra a brasileira.

Gyps encontrou um lugar entre Nova Petrópolis e Picada Café, em Linha Gonçalves Dias, há quatro quilômetros e meio da ERS-235. A pedido da companheira, o alemão filmou todo o lugar e levou as imagens para Berlim. “Eu vi os filmes umas 20 ou 30 vezes e adorei o lugar. Comprei sem nunca ter visto pessoalmente”, revela. “Quando eu cheguei aqui, me senti em casa na hora. Era como se eu já conhecesse.”

Verônica mostra uma Trombeta de Anjo que existem aos montes no sítio (CRÉDITOS: GIAN CRISTIANO WAGNER)

SEMENTES ORGÂNICAS – Verônica, com seu espírito inquieto, viajou a Europa e, na Alemanha, há 22 anos, conheceu Gyps. Juntos, a dupla começou um bistrô de comida vegetariana. “Foi uma ‘ideia de índio’ abrir um bistrô vegetariano num lugar de trabalhadores braçais, que é Berlim, mas deu super certo”, conta Verônica.
Com o passar dos anos, a saudade do pátria amada bateu e a vontade de voltar ao Brasil foi ficando cada dia mais forte. “Chegou uma hora que eu disse não, não quero ficar na Alemanha, quero voltar para o Brasil”. Em 2008, eles fizeram as quatro malas e acompanhados de dois gatinhos de estimação, viajaram para o Rio Grande do Sul.

A ideia de trabalhar com sementes orgânicas veio junto na viagem e, chegando em Nova Petrópolis, começaram a trabalhar e procurar sementes crioulas. “Uma das coisas que mais gostei aqui é que é mato para um lado, mato para o outro, e perais. Não tem como o veneno chegar até aqui”, conta Verônica que sempre teve o cuidado de não usar nenhum tipo de agrotóxico, mantendo os produtos 100% orgânicos.

Algumas espécies de sementes cultivadas na propriedade (CRÉDITOS: THE GREENEST POST/ESPECIAL)

O Início
No primeiro ano, Verônica e Gyps começaram cultivando algumas sementes, principalmente de tomates. “Chegamos a ter pés de dois metros de altura”, conta. No ano seguinte já começaram a comercializar através da página na internet. “A página cresceu muito rápido, só que a gente não tinha internet boa, caia, mas nós mesmos ficamos surpresos com o crescimento pois não fizemos propaganda, era de boca em boca mesmo”. As vendas ocorriam para todo o Brasil e até para o exterior. “Sempre tivemos bons clientes, alguns que se tornaram amigos. Tem uns que moram perto e vem nos visitar. Sempre foi uma experiência muito bonita”.
Hoje são incontáveis espécies espalhadas por toda propriedade. Somente de tomates, o casal chegou a ter cem espécies e hoje acreditam ter mais de mil tipos de plantas, entre flores, frutas, legumes, verduras, chás e ervas. O site na internet não é mais atualizado, mas compras e encomendas ainda podem ser feitas pelo Whatsapp, direto com Verônica.

COMPRA POR WHATSAPP – Os interessados em adquirir sementes orgânicas podem fazer os pedidos por WhatsApp. Verônica conta que não consegue mais alterar o site, mas que mantém para que possam ter o número de contato da produtora (que é o 54 99942-8432). “Daí podem me perguntar se tem, se não tem. Se não tiver posso indicar alguma alternativa”, explica Verônica sobre o atendimento. “E também pode vir aqui nos visitar e conhecer, ver que é tudo orgânico mesmo”.

Tudo tem história
De companheiros de quatro patas resgatados às primeiras sementes plantadas em solo gaúcho, tudo tem história e todas são guardadas com muito carinho. Para Verônica, muito além da alimentação saudável, as sementes crioulas têm um papel de grande importância fazendo uma ligação ancestral. “Tem plantas que eu tenho aqui que eram da minha infância. A gente consegue preservar as coisas antigas. Tem sementes que são as mesmas que nossos antepassados plantavam há 100, 200 anos”, diz, referindo-se ao fato de as sementes não terem sido modificadas com o tempo.

O alemão Gyps com duas especiarias, colheitas orgânicas da casa (CRÉDITOS: ARQUIVO PESSOAL)

Veganismo e alimentação
Desde o início da juventude, Verônica é vegetariana. Ela explica que, neste estilo de vida, apenas não se come carne, podendo comer ovos e lácteos (leite e derivados). “Eu percebi com o tempo que a indústria mais cruel é a de laticínios. As vacas dão leite enquanto têm bezerros, porém o que nasce macho geralmente é morto ou vira vitela”, explica.
A semente para o vegetarianismo começou ainda criança. Aos sete anos a família de Verônica tinha uma vaca chamada Lisa. “Eu cresci bebendo leite da Lisa. Mas nunca me dei conta que os filhotes dela sumiam. Um dia colocaram a Lisa em uma camionete e eu perguntei para onde estavam levando a Lisa, e eles falaram que ela ia para o matadouro. Nunca perdoei meu padrasto e minha mãe por isso. Não entendia como não podíamos ficar com a Lisa, tinha muito pasto para ela comer até o fim da vida dela”, conta. “Acho que ali foi a semente para o vegetarianismo, aderido alguns anos mais tarde.
Há cerca de seis anos, Verônica deu um passo a mais e adotou o veganismo, este que dispensa alimentos de origem animal, seja carne, ovos ou leite. “As pessoas comem alimentos porque é gostoso. Mas não é por ser gostoso que devemos nos alimentar. Precisamos comer para ter fibras, proteínas. Hoje em dia a comida tem tudo que não deveria ter e falta tudo que nós precisamos”. A carne, por exemplo, consumida por causa das proteínas, pode ser facilmente substituída por plantas como a chaya (espinafre de árvore), erva major-gomes e a queridinha das cozinhas vegetarianas, ora-pro-nóbis.

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