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Entenda como foi o julgamento que condenou assassino em Nova Petrópolis
Nova Petrópolis – Na última quinta-feira, 27, Fábio Silva de Alvarenga, de 45 anos, foi julgado por um Júri Popular e condenado a 30 anos e seis meses de prisão em regime fechado pelo assassinato de Marli Salete Pinheiro Paes, de 41 anos, em 1º de agosto de 2021. Alvarenga foi condenado por Homicídio Qualificado (25 anos), Ocultação de Cadáver (2,5 anos) e Furto (3 anos). A sentença cabe recurso e o Defensor Público, Luis Antônio de Sousa Barbosa, afirmou que recorrerá para diminuir a condenação. Estes fatos já foram noticiados pel’O Diário na edição de sexta-feira, 28. Mas agora, você entenderá como foi o júri e como a sentença foi definida.
Início do Júri
Marcado para iniciar às 9 horas, o réu foi trazido do presídio de Charqueadas por agentes federais e só chegou ao Fórum de Nova Petrópolis faltando cerca de cinco minutos para às 10. Alvarenga estava algemado, vestindo uma calça de moletom azul e camiseta de mesma cor, além de uma jaqueta de agasalho. Neste momento, o Júri Popular já estava formado por sete pessoas entre as 25 pré-selecionadas que haviam sido convocadas.
Ao ingressar no 2º andar do Fórum, Alvarenga teve uma conversa particular com o Defensor Público, onde deu sua versão e negou o crime. Sem algemas, entrou na sala de julgamento e sentou-se à frente do juiz Franklin de Oliveira Netto às 10h03. De cabeça baixa, ouviu a acusação proferida pelo juiz e, em seguida, deu sua versão sobre o acontecido por cerca de sete minutos.
Alvarenga fala
Ao se dirigir ao juiz, Alvarenga contou sua terceira versão diferente dos fatos. Disse que tudo começou quando morava em São Paulo e conheceu uma mulher de Nova Petrópolis pela internet. Se apaixonou e, no fim de 2020, foi morar com ela em Viamão. Lá, a mulher engravidou de Alvarenga, mas perdeu o bebê após ter sido agredida por ele. Fato este que ele chamou de “confusão entre os dois”. Esta mulher era casada e, após isto, voltou para o marido em Nova Petrópolis e ele para São Paulo. O contato entre os dois continuou e ela vai viver com ele em uma pensão.
Em São Paulo, ela aciona a polícia e diz ser mantida em cárcere privado. Ele nega alegando que a mulher tinha a chave. Como o local era uma pensão, outras pessoas viviam no local e por lá acontecia tráfico de drogas, descoberto pela polícia através deste chamado. Ao menos um homem foi preso no chamado. Por conta disto, a presença de Alvarenga e da mulher não é bem-vinda no local e ela volta para Nova Petrópolis já com duas medidas protetivas contra ele.
Alvarenga diz que a mulher o chamou para Nova Petrópolis para buscá-la mais uma vez. Ele vem e vigia seus passos, do marido e dos filhos do casal, até que ela fica sozinha e ele se aproxima durante a manhã. A mulher diz que precisava trabalhar e que era para ele voltar no fim do dia. No entanto, ao retornar, Alvarenga é preso por descumprir a medida protetiva e é levado para o presídio de Caxias do Sul.
Ao ser solto quatro dias depois, no sábado 31 de julho, volta para Nova Petrópolis para buscar seus pertences na delegacia e ir embora, mas não consegue por estar fechada. Assim, segundo ele, Alvarenga procura a mulher que lhe dava informações sobre sua ex, que também vivia na Vila Germânia. Eles vão até um bar, bebem cerveja e Alvarenga é apresentado a Salete. À noite, Alvarenga e esta mulher vão à casa de Salete ondem bebem cerveja e outros três homens consomem drogas. Por fim, ele diz que foi embora com a amiga de Salete, ficando na casa os três homens e a vítima, e que não sabe quem a matou, mas que muita gente a ameaçava.
Sobre ter confessado o crime em seu primeiro depoimento, Alvarenga disse que só fez isso porque amava muito sua ex e que, se confessasse, o delegado Fábio Idalgo Peres, disse que ele ficaria no máximo três anos preso e que sua ex iria visitá-lo.
Um dos crimes mais bárbaros de Nova Petrópolis
Em seguida, por mais de uma hora e meia, foi a vez do Promotor de Justiça, Charles Martins, apresentar seus argumentos e provas ao Júri pedindo a condenação. Iniciou dizendo que este foi “um dos crimes mais bárbaros da história de Nova Petrópolis”, que culminou também em uma das investigações mais bem-feitas da Polícia Civil da cidade.
O réu ouvia de cabeça baixa, sem esboçar reações, e de braços cruzados. Pediu um pouco de água ao Defensor Público e em seguida voltou a escutar sem olhar para frente e com as mãos nos bolsos. Charles falava, como ele próprio destacou, de maneira “professoral”, apresentando o caso ao Júri e pediu que eles começassem a anotar os nomes de todos os envolvidos devido à grande história de Alvarenga e sua ex-mulher, até chegar em Salete.
Charles reforça a história de Alvarenga com a ex, incluindo os casos de violência doméstica. Neste momento, revela que, mesmo sendo agredida, ela voltava para Alvarenga por ser uma pessoa frágil, com histórico de abuso sexual dentro da família. Ao repetir que ela vivia em cárcere privado em São Paulo, Alvarenga teve uma de suas primeiras reações. Enrugou a testa e passou a ouvir com mais atenção.
O promotor conta que o réu fez um perfil fake, com o nome de “Cláudia”, para vigiar a ex-mulher. Dessa forma, Alvarenga fez contato com a amiga de Salete, pedindo que ela investigasse sua ex e que ele pagaria pelas informações. Esta mulher vai até um bar na Vila Germânia e pergunta se alguém conhecia. Como Salete responde positivamente, a mulher repassa a “missão”. Sem saber que seria vítima de Alvarenga, ela começa a colaborar com ele, enviando fotos da ex-mulher e outras informações. Em troca, recebe R$ 250,00. No entanto, o valor que ela tinha pedido era de R$ 1.500,00 e, ao ver que ele mentia, o boqueou.
Em uma mensagem de áudio, Alvarenga já havia dito à outra mulher que ele viria para Nova Petrópolis matar sua ex e também a filha dela, de seis anos na época.
Ele vem para Nova Petrópolis e é preso. Solto no sábado, 31 de julho, e sem ter seus pertences nem onde ficar, vai até a Vila Germânia e se encontra com Salete no mesmo bar já citado. À noite, vão para a casa da vítima e é nesta noite, provavelmente já na madrugada de 1º de agosto, que ele a mata com três facadas no abdômen, uma no rosto, uma no pescoço e uma na axila.
A partir daí, Charles começa a mostrar, em vídeo, o primeiro depoimento de Alvarenga, após ser preso, na delegacia de Nova Petrópolis. “Reparem se a versão que ele contou aqui é a mesma que ele nos contou hoje. Ele é um mentiroso patológico”, disse.
Primeiro depoimento
“É melhor falar a verdade do que ficar se enganando”, diz Alvarenga em uma de suas primeiras falas ao delegado Fábio Peres, quando confessou o crime. O preso conta como veio para Nova Petrópolis atrás da ex, e como é preso após ser enganado por ela. Já na casa de Salete, ele conta que matou ela porque a amiga havia dito que, se ele fizesse isso, ela traria sua ex para ele, e que ainda lhe pagaria R$ 200,00. Alvarenga admite que matou, a colocou embaixo da cama e dormiu em cima naquela noite. Neste momento, ele ri.
Charles se volta ao Júri e explica como isso é uma qualificadora no homicídio, por tratar-se de motivo torpe. “Fez isso por ela não ser mais útil a ele, de forma repugnante, por vilania, maldade”, disse o promotor.
Retomando o vídeo da confissão, Alvarenga diz: “Eu nem acredito que fiz aquilo. Não adianta eu ficar escondendo, a cidade acha que eu sou um monstro. Eu nunca tinha matado ninguém, não vou ficar com isso dentro de mim. Fiz aquilo porque a (amiga de Salete) me prometeu a (sua ex)”, confessa.
O promotor, então, lê mensagens enviadas pelo réu, a um oficial de justiça, enquanto estava foragido. Nelas, o homem dizia que mataria a filha de sua ex. Neste momento, Alvarenga balança a cabeça em negativa e, baixinho, chama o promotor de “louco”.
Charles segue lendo as mensagens incriminatórias enviadas pelo homem: “até o final de semana, vai aparecer”, diz referindo-se ao corpo de Salete quando ainda não se sabia sobre o assassinato. “Gaúcho bom, é gaúcho morto”, também escreveu. “Procura em baixo da cama”, “vai acontecer o mesmo com você e sua filha”, escreveu Alvarenga ao marido de sua ex. Depois de já ter chamado o promotor de “louco”, Alvarenga novamente balança a cabeça em negativa ao ouvir que ele mataria a filha de sua ex. Outros depoimentos de testemunhas são mostrados ao júri.
Mais uma versão
Para otimizar tempo, Charles lê o segundo depoimento dado por Alvarenga, em audiência ao juiz, em fevereiro de 2022. Na ocasião, ele disse que confessou por ter sido torturado pelo delegado, e ainda acusou a amiga de Salete pelo homicídio. Ou seja, na primeira versão, ele confessa o crime. Na segunda, diz que confessou por ter sido torturado e acusa a outra mulher pelo assassinato. E na terceira, diante do juiz e do Júri, diz que confessou porque assim receberia a visita de sua ex, e que não sabia quem matou Salete. Três depoimentos e três versões diferentes.
Defesa enfatiza a mentira
Enquanto ouvia as acusações, o Defensor Público Luis Barbosa quase ou nenhum contato fez com Alvarenga além de lhe servir água no início do julgamento. Por vezes, saia de seu lugar e passava a assistir Charles da plateia ou junto ao Júri Popular. Em sua vez de falar, Barbosa disse que estava ali defendendo um mentiroso. Assim, tentou mostrar ao Júri que as qualificadoras, como ocultação de cadáver, não deveriam ser condenadas. “Ele não teve a intenção de esconder o corpo. Qualquer um que entrasse lá acharia. Ocultação de cadáver ocorre como no caso do goleiro Bruno, em que a vítima nunca mais foi achada”, sustentou.
Como Alvarenga havia apresentado três versões diferentes para o crime, Barbosa enfatizou as mentiras do réu, tentando usá-las a seu favor. “Ele é um mentiroso. Eu nunca vi ninguém contar tanta mentira, até queria que fizessem um exame de sanidade mental nele. Não para inocentá-lo, mas para entender como alguém se incrimina tanto. Ele confessou, mas é um mentiroso. Vocês vão acreditar em um mentiroso?”, questionou.
Sentença
Após cerca de cinco horas de julgamento, por volta das 15h30, Fábio Silva de Alvarenga ouviu do assessor do Juiz Franklin de Oliveira Netto, Felipe Caberlon, sua condenação por todos os crimes de que foi acusado. Ao ouvir os anos a que foi sentenciado à reclusão, apenas concordou com a cabeça. Em seguida, foi novamente algemado e levado de volta ao Presídio de Charqueadas.