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Há três anos, Covid chegava à região e dava início à pandemia

24/03/2023 - 11h03min

Atualizada em 24/03/2023 - 11h20min

CONHEÇA O CASO DE MORADORES DA REGIÃO QUE SUPERARAM O CORONAVÍRUS

Região – “O que está acontecendo no país e no mundo, nunca passou na cabeça de ninguém. Parece que é coisa de filme de ficção e não a realidade que encaramos nos dias de hoje”. É neste tom que, no dia 23 de março de 2020, ainda sem imaginar o que viria pela frente e perduraria ao longo de dois anos, a coluna Panela de Pressão dava uma amostra do clima vivido não apenas na região, mas em todo o mundo.

Isto porque, três dias antes, a região tinha a confirmação dos seus quatro primeiros casos de Covid-19, em Ivoti, Dois Irmãos e Estância Velha. Ao longo daquele final de semana, as condições climáticas eram boas, com o sol aparecendo com força, porém o que se via era o contrário de um sábado e um domingo normais: ruas, avenidas e praças vazias, comércios fechados e grande parte da comunidade reclusa em casa. Ao mesmo tempo, as administrações públicas davam início às medidas restritivas, se preparando para um cenário assustador e de dimensões desconhecidas.

Ao longo do tempo, incontáveis foram as perdas humanas e os impactos econômicos ainda afetam o país. Entretanto, apesar dos contornos negativos que são mais do que conhecidos por toda a população, muitos foram os sentimentos e aprendizados deixados nas vidas daqueles que superaram a doença. Por isto, no 19º episódio da série de reportagens “30 Anos, 30 Histórias”, relatamos casos de moradores da região que sobreviveram à Covid e deixam sua mensagem à comunidade.

Casal de Ivoti esteve entre os primeiros casos

O industriário Luís Donato Dilly, de 63 anos, e a esposa, Maria Renate Dilly, de 62 anos, perderam amigos próximos devido à Covid. Mas, do luto e da pandemia, tiraram forças para aprender com os desafios, tornado-se mais solidários e engajados em ações sociais.

Em 2019, fizeram uma viagem junto com outros casais de amigos para Dubai. A princípio, o destino era o Uruguai, porém, como havia uma greve de caminhoneiros, foram para os Emirados Árabes.

Donato comenta que, nesse período, havia algumas notícias a respeito da Covid, mas nada que pudesse impedir a viagem. Na volta, começou a sentir cansaço e pensou estar relacionado à viagem. “Combinamos que, quem tinha viajado, tinha de se isolar e ficar em casa, fazer uma quarentena. Fizemos esse isolamento, independente do que acontecia a nossa volta. Isso tudo foi em um período que a Covid começou a aparecer em outros países”, explica.

Por orientação de amigos, o casal fez o teste que, na época, demorava para sair o resultado. Durante esse momento, ficaram em casa. A partir do diagnóstico positivo, Donato relata que ficou chateado com o comportamento que algumas pessoas tiveram em relação a ele e seus amigos. “Parecia que a gente deveria ser isolado de tudo e de todos, como se fossemos mal feitores. Parecia que tínhamos um ‘x’ na testa e apontavam o dedo. Assim, nos sentimos muito mal com relação ao diagnóstico, mesmo que não tivéssemos sintomas graves”.

Segundo ele, o que mais doeu foram os comentários maldosos e a falta de solidariedade das pessoas. “Achei muito deprimente. Me senti mal e muito rejeitado. Muitas pessoas apontaram o dedo dizendo que fizemos coisas erradas, embora eu saiba que não tínhamos culpa”, disse Donato.

Perda do amigo

Um dos amigos de Donato, Luiz Anschau, sócio proprietário do Sucos Petry, foi uma das primeiras vítimas da Covid no Estado. “Um cara carismático, presidente de várias entidades do Município. Uma delas, a Palmares. Até acho que, de certa forma, estamos fazendo parte do Palmares como uma forma de homenagear o Luiz, pelo exemplo que ele deu de trabalho sério e profissional, tanto em entidades, quanto em viagens”, relembra.

Donato conta que, ao passar por esse período, aprendeu a ter um espírito mais comprometido com a solidariedade, dando valor as relações familiares e de amizades: “a vida é curta e coisas inesperadas acontecem. O que vai ficar é o que fizemos de melhor para o outro. Os desafios devem nos tornar fortes, solidários, companheiros e, principalmente, confiantes em Deus e nas orações que fizemos, na fé que depositamos nele”, conclui.

Prefeito Darlei ficou 10 dias internado

Em Nova Petrópolis, o prefeito Jorge Darlei Wolf foi uma das vítimas que estiveram em situação crítica. Foram quase três semanas enfrentando a doença e 10 dias de internação no Hospital Nova Petrópolis (HNP), estando próximo de ser intubado. Recuperado, ele fala sobre aquele período.

No início de 2021, estava em seus primeiros dias como prefeito. Então, entre os dias 13 e 16 de fevereiro, saiu com a família para aproveitar o Carnaval. Na volta, começou a sentir uma tosse seca e coceira na garganta, mas não imaginou que fosse a Covid-19. “Minha mulher achou que pudesse ser pelo clima dentro do carro e até pediu para eu desligar o ar-condicionado”, relembra.

Por volta da meia-noite, teve febre e assim passou a noite inteira. Na manhã seguinte, ligou para o vice-prefeito e secretário de Saúde, Martim Wissmann, informando a situação e fez um teste para detectar o coronavírus. No dia 17 de fevereiro, o resultado positivo mostrou que estava com a doença. “Até aquele momento, ainda estava ‘tudo bem’. Fui pra casa e comecei a despachar as coisas da Prefeitura de lá. Meu filho e esposa também tiveram que se isolar e assim fiquei por 8 dias”, conta.

Justamente quando estava prestes a ser liberado, sua saúde agravou e, em 24 de fevereiro, foi levado de ambulância a Caxias do Sul para uma tomografia, que mostrou que seus pulmões estavam 75% comprometidos. Dali em diante, ficou internado no HNP com auxílio de oxigênio. Darlei conta que os piores momentos eram ao entardecer, quando seus sintomas pioravam. “Parecia que o vírus sabia o horário e atacava. Eu entrava em desespero porque sabia que a febre, dores e falta de ar aumentaria”.

O prefeito chegou a ter um leito de UTI reservado e sua situação exigia a intubação. Porém, o médico, Dr. Elton Portolan fez de tudo para evitar o procedimento. “Ele falou que toda a medicação que eu receberia intubado, eu já estava recebendo. E que se eu fosse intubado, poderia não voltar mais. Então serei eternamente grato por ter salvo a minha vida”, afirma.

Todo o medo de morrer se transformou em alegria e emoção ao melhorar a partir do 5º dia de internação e receber alta no dia 5 de março. Darlei acabou retornando ao trabalho no dia 9 e, com o tempo, ficou recuperado. O único sintoma que ficou foi a perda de memória em alguns momentos. “Às vezes estou falando e simplesmente esqueço de uma palavra ou o nome de uma pessoa que conheço há anos”, comenta.

Vidas perdidas

Em sua estadia no hospital, Darlei relata os dias de angústia ao ouvir famílias desesperadas perdendo entes queridos todos os dias. Era possível até mesmo ver a movimentação de funerárias retirando corpos de vítimas dia a dia. “Eu tinha um amigo, Jorge Lamb, que me ligava todos os dias. Ele dizia que meu lugar não era lá e que eu iria me recuperar. Recebi alta na sexta-feira e no domingo ele foi internado e intubado. Não pude ligar, como ele fez comigo, porque ele estava inconsciente, mas fui visitá-lo. Quinze dias depois, ele faleceu”, lamenta.

Como prefeito, ele afirma que nunca mediu esforços para dar suporte às vítimas. “Aumentamos recursos, leitos, criamos um posto específico para testagem. Fizemos tudo o que foi possível, mas infelizmente nem todos tiveram a mesma sorte e perdemos muitas vidas”. De acordo com os dados da Secretaria Estadual da Saúde, Nova Petrópolis teve 101 óbitos em decorrência da Covid-19.

Por fim, Darlei pediu que as pessoas tenham mais empatia e sensibilidade. “Depois de tantos relatos, tantas perdas, precisamos ser mais humanos, mais tolerantes e receptivos com as pessoas. A mensagem que eu deixo é essa, de termos mais amor pelo próximo pois não sabemos o dia de amanhã”, finaliza.

Moradora do Herval lutou contra a Covid por 70 dias

Em 2021, Nadia Bartzen Zahler, de Santa Maria do Herval, estava com 45 anos. Ela nem imaginava que teria um longo caminho a percorrer em busca da sobrevivência: passou 70 dias lutando contra a Covid-19.

Na situação em que se encontrava, a cada novo dia as dúvidas aumentavam em relação à melhora de sua saúde, pois a doença era uma incógnita. Também foram momentos de sofrimento para a família, que acompanhou todo o processo. A doença iniciou em 3 de junho, tendo como sintomas: cansaço extremo, febre, dor de cabeça e muita tosse. Com a piora, também teve comprometendo o pulmão.

No dia 11, deu baixa no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e seguiu piorando até que, no dia 13, foi intubada e transferida para a UTI, onde apresentou inúmeras complicações.

O marido Ademir e a filha Larissa Zahler, que também testaram positivo para doença, mas não tiveram seus quadros agravados, apesar da preocupação e do medo, permaneceram firmes ao lado de Nadia. “Quando ocorriam choques sépticos, eles nos ligavam e avisavam que poderia não passar daquele dia, que a chance de vir ao óbito era gigantesca. Foram dias muito tensos. A gente ficava na angústia de receber a ligação e saber novas atualizações”.

Contudo, a notícia mais aguardada pelos familiares e amigos que se uniram em oração a ela, veio no dia 20 de agosto, quando Nadia recebeu alta. Hoje, com 47 anos, ela recorda com alívio o que passou. O sentimento da família é de alegria pela vida, acompanhado de gratidão e amor.

“Foi um caso gravíssimo e fiquei internada por 70 dias. Destes, 60 na UTI com várias complicações: 6 bactérias, parada cardiorrespiratória, hemodiálise, perdi 27 kg. Quando ganhei alta, saí totalmente debilitada, precisando de ajuda para tudo, pois havia perdido completamente a força muscular”, relata.

Foram mais de 100 sessões de fisioterapia e quase um ano para recuperação, num processo lento e muito dolorido, mas com muito apoio e incentivo da família. A principal sequela que ficou é a perda da visão do olho esquerdo, devido a uma toxoplasmose pós-Covid, e também a perda parcial da audição que causa um chiado constante nos ouvidos. Os pulmões e os rins se recuperaram muito bem.

“A vida pós-Covid me fez ver a fragilidade da nossa existência e ter a vontade de querer cada vez mais aproveitar e valorizar os momentos em família. Além disso, aumentou muito a minha admiração pelas pessoas que dedicam a sua profissão para cuidar e ajudar na recuperação dos outros. Sei que muitas pessoas passaram por situações mais difíceis que a minha, mas espero que tenham recebido muito carinho e apoio para superar. Também buscar muita força em Deus, porque a minha fé e a das pessoas que rezaram muito por mim, me fortaleceu demais e fez toda a diferença”, afirma.

 

TEXTOS: DÁRIO GONÇALVES, GEISON CONCENCIA, GUILHERME SPERAFICO E HERMES REICHE

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