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Ivotiense abre barbearia inclusiva com atendimento especializado em crianças autistas

Vanessa Pustai
O ivotiense Jack Altenhofen abriu uma barbearia inclusiva em Porto Alegre, na Av. Saturino de Brito, 345, sala 402, Vila Jardim, com atendimento especializado em crianças autistas. A Clínica Pequenos Curiosos inciou há cerca de um ano e meio em uma parceria entre Jack e sua esposa, a psicóloga Roberta Reis Martini.
Formado em técnico de comunicação visual pelo Instituto Ivoti, Jack também tem formação como barbeiro, cursos de acompanhante terapêutico ABA (profissional que acompanha a criança no dia a dia, em casa, na escola ou em outros ambientes, ajudando ela a desenvolver habilidades, autonomia e a lidar melhor com desafios da rotina) e cursando faculdade de Terapia Ocupacional, Jack relata que o primeiro contato com uma máquina de cortar cabelo, foi quando sua mãe, Iara, que enfrentava um câncer, precisou raspar a cabeça. “Minha vida toda eu vivi dentro de salão de beleza, minha mãe foi cabeleireira por 23 anos. Eu tinha familiaridade com salão, tinha muito contato, ajudava ela. Depois que ela faleceu, decidi seguir seus passos”, recorda. Ele trabalhou por cerca de 8 anos em barbearia convencional.
Jack morou em Ivoti até os 28 anos e, com 19 anos foi para Novo Hamburgo por um período, mas precisou retornar para ajudar a cuidar da mãe. Agora, mora em Porto Alegre com a esposa.
O início
Roberta, que é psicóloga supervisora de terapia ABA e especialista em crianças autistas, relatava a dificuldade do corte de cabelo para os pacientes. “Muitos, tinham o cabelo cortado pela mãe ou pelos terapeutas. A barbearia convencional tem muitos estímulos para a criança autista e acaba sendo desagradável”, relata. Assim, conhecendo a trajetória de Jack na barbearia convencional e seu jeito para lidar com crianças, Roberta sugeriu que ele estudasse sobre autismo e a terapia ABA para poder montar o projeto e iniciar com os atendimentos. No início, eles abriram a clínica com atendimentos de três dias na semana, os demais dias, Jack ainda atendia na barbearia convencional. Mas no último ano optou pelo atendimento exclusivo na Clínica.
“Para mim a barbearia sempre foi algo bastante emocional pelo vínculo com minha mãe e quando fui apresentado ao mundo das crianças autistas, achei um propósito, uma forma de fazer o bem e trazer o bem-estar para essas famílias”, relata. Ele e a esposa criaram um protocolo de atendimento chamado de Corte Terapia, que consiste em técnicas baseadas na ciência de análise de comportamento para que o corte seja o mais tranquilo possível e adaptado a cada criança.
“O atendimento começa antes mesmo da criança chegar na clínica. Quando os pais entram em contato para agendar horário a gente faz algumas perguntas para poder começar a entender um pouco das necessidades da criança e também orientamos os pais com o que fazer antes mesmo de chegar na clínica, como dar previsibilidade pra criança, já mostrar em vídeo o ambiente e o tio Jack, além de avisar a criança o que ela está indo fazer, no caso, cortar o cabelo”, explica.
“Pesquisamos e descobrimos que no Rio Grande do Sul são poucos profissionais que fazem esse tipo de atendimentos e assim, passei a estudar e desenvolver ainda mais a ideia para que realmente se tornasse um Corte Terapia. O corte, para uma criança autista, é muito mais que um corte de cabelo, é sensibilidade ao barulho da máquina, resistência ao toque na cabeça, aversão aos estímulos do espaço. Em cada atendimento precisamos observar cada criança de forma individual.
Propósito
Apesar de gostar do trabalho como barbeiro em um espaço convencional, Jack relata que o retorno das famílias e o contato com as crianças reforçou ainda mais seu propósito e a certeza de estar fazendo a diferença. “É muito gratificante esse momento de estar ali com a criança, ver o brilho no olhar dos pais que estão vendo o filho cortar o cabelo de forma tranquila. Quando os pais chegam e percebem que o filho é capaz, que não está chorando, ficam positivamente incrédulos. E exatamente isso, fez com que me apaixonasse pela barbearia inclusiva, realmente fazer a diferença na vida dessas crianças, dessas famílias. Vai além da estética e da autoestima”, destacou Jack.
Ele relatou o quanto sua trajetória pessoal está intimamente ligada com a decisão de ser barbeiro e ainda mais com a barbearia inclusiva. “Fica impossível não me emocionar, perder minha mãe pro câncer, transformar essa dor e saudade em motivação para seguir minha vida, exercendo a profissão que ela amava como uma forma de homenagem a ela, encontrar um propósito dentro dessa profissão que eu já amava tanto junto com minha família a minha esposa é indescritível”.
Apesar do foco ser em crianças autistas, a Clínica também realiza atendimentos de crianças que tem dificuldade de cortar cabelo em barbeira convencional.
Etapas de Atendimento
Os primeiros atendimentos normalmente são acompanhados pela Roberta e tem duração média de uma hora. O protocolo passa por cinco fases:
1 – Ambientação: na chegada, com calma, a criança explora o espaço, conhece a sala até se sentir segurar e perceber que está tudo bem.
2 – Criação de Vínculo: o barbeiro conversa, brinca e deixa a criança sentir que é respeitada
3 – Início da Comunicação: pode ser verbal, ou não. O importante é que a criança entende o que vai acontecer e tenha espaço para reagir com segurança
4 – Demonstração dos equipamentos: tudo é apresentado de forma lúdica e sem sustos. A criança olha, toca, escuta e só depois, confia.
5 – O Corte: quando todas as fases anteriores funcionam, o corte acontece com leveza, sem luta, sem traumas e com respeito.
Jack reforça que o foco principal do atendimento é a criança e é ela que vai ditar o ritmo. Muitas crianças saem da Clínica com um corte de cabelo novo, mas em alguns casos, são necessários mais encontros para que o corte aconteça. E, nesses casos, a família é orientada com calma e tranquilidade sobre os próximos passos e a melhor forma de lidar com a situação.