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Médico acusado por família de senhora que estaria sendo velada viva dá a sua versão

29/10/2019 - 11h14min

O desfecho do inquérito policial instaurado após denúncia de familiares de Rosaura Vaz, 80 anos, atestando que a idosa já estava morta quando foi encaminhada para o velório, no dia 20 de agosto, não aliviou a frustração do médico Luís Alberto Vargas. “Tenho 48 anos de atividade médica e, pela primeira vez, vejo meu nome envolvido em uma situação embaraçosa”, lamenta, ao fazer referência à repercussão do caso pela imprensa e pelas redes sociais. “Me envolvo com meus pacientes e procuro agir como se estivesse atendendo a um familiar muito próximo. Por isso, hoje, me sinto tão frustrado com relação a essa situação”, reforça.

Em entrevista concedida em razão de acordo judicial entre o médico e o Jornal MINUANO, oportunizando direito de resposta, na terça-feira, 22, Vargas, acompanhado pela advogada Luciane Freitas Maciel, se manifestou, pela primeira vez, a respeito do episódio e detalhou momentos do atendimento médico, sua rotina, na data e, ainda, a repercussão negativa que a denúncia de que a idosa teria sido velada viva causou contra si. Vargas destaca que tratava da saúde de ‘dona Rosaura’, como se refere à idosa, há quase uma década. “Ela era minha paciente há nove anos. Se tratava comigo, no consultório, e, eventualmente, acho que duas vezes, no hospital (Santa Casa de Caridade de Bagé), sendo nesta última, quando veio a falecer. Dona Rosaura era diabética e hipertensa. São doenças crônicas que acometem as pessoas de idade avançada. E ela andava com o açúcar um pouco descompensado. Então, optamos por interná-la”, explica.

O médico observa que a decisão foi tomada em conjunto com uma acompanhante da idosa. “Ela sempre estava em contato comigo (a acompanhante). Optamos por interná-la, para, através do tratamento hospitalar, regularizarmos principalmente o açúcar. Durante esse período em que esteve internada, que eu acredito que foi no máximo 10 dias, a acompanhante me informou que a senhora apresentava, eventualmente, algumas crises, que eu qualifiquei de ausência, em que a pessoa fica fora do ar, por instantes. Chamei um neurologista para examiná-la. Ele fez uma tomografia, que mostrou um cisto cerebral”, revela.

Vargas lembra que o neurologista precisou viajar e, na sua ausência do colega, a idosa ‘apresentou novo episódio’. “Foi atendida pela enfermagem e pelo meu filho, Júlio Vargas. Ela voltou ao normal após algumas manobras e meu filho a encaminhou para a UTI (Unidade de Tratamento Intensivo). Chamei outro neurologista, que solicitou uma ressonância magnética. Durante os dias em que a paciente esteve na UTI, esteve permanentemente lúcida, estável, completamente tranquila, atenta e atendendo às recomendações da enfermagem. Nos horários de visita, eu, eventualmente, conversava com os familiares, como fiz na segunda-feira, antes do óbito”, explica.

Registro da senhora Rosaura Vaz feito pela família antes da internação (Foto: Arquivo Pessoal)

Plantão

Na madrugada em que atestaria o óbito da idosa, Vargas também recorda de entrar em contato com familiares da paciente. “Troquei um plantão para outro colega e fiz o plantão de 19h para 20h, à noite, coincidentemente, no dia do falecimento dela”, menciona, ao salientar que foi chamado à UTI, aproximadamente, à meia-noite, ‘avisado de que a paciente estava em emergência respiratória’.

“Imediatamente, começamos as manobras de reanimação, tendo a paciente voltado e só não recuperando totalmente a consciência. Deixamos em oxigenação nasal e fiquei por ali, observando a recuperação. Quinze minutos depois, fez novo episódio, aí já com parada cardiorrespiratória. Fizemos as manobras de ressuscitação novamente. A paciente foi entubada e colocada em respiração mecânica, ainda com reflexos neurológicos presentes. Tomei o cuidado de telefonar para a família, comunicando o ocorrido. Avisei para eles que não precisavam, naquele momento, ir ao hospital, pois que nada poderiam fazer, e nem poderiam entrar na UTI”, garante.

Cerca de 15 minutos depois da ligação, conforme detalha o médico, a idosa ‘fez nova parada cardíaca, não mais sendo possível reanimá-la’. “Prontamente, comuniquei à família, depois de constatado o óbito, e a paciente foi liberada para os procedimentos de preparação do corpo, porque já sai da UTI tamponada. Em seguida, chegaram os familiares. Dei a notícia para eles. Conversamos e orientei com relação à funerária, que teria que ser chamada, e sobre os procedimentos escriturais, de papelada, que a própria funerária faria, com relação ao óbito. Lá pelas 3h ou 4h da manhã, tive novo chamado, dentro da UTI, para receber um paciente que estava internando, e ali pelas 5h fui para meus aposentos”, enfatiza.

Novo chamado

Já em casa, por volta das 10h, enquanto tomava café, Vargas observa que atendeu a uma ligação da acompanhante da idosa, dizendo achar que ela estava viva. “Perguntei aonde estavam. Me disseram que era no Arimateia (Cemitério José de Arimateia). Informei que iria ao local. Antes, passei na Santa Casa, para pegar éter, que é um produto que se usa para constatação do óbito. Fui informado que éter não existia mais no Brasil. Então, fui até o cemitério sozinho, para conversar com a família. Havia, naquele momento, uma pessoa na frente das capelas, com um celular na mão. Depois eu soube que foi o que gerou toda a confusão, em que fui jogado, nas redes sociais, como tendo permitido que sua familiar fosse velada viva”, salienta.

Vargas salienta que constatou, junto aos familiares, que a idosa estava realmente em óbito. “E frente à incredulidade deles, sugeri que se levasse ao Pronto-Socorro, para colocarmos monitoração cardíaca e outras investigações possíveis de serem feitas no hospital. Não sabia que o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) tem um equipamento desses disponível em um carro de socorro e que tinha sido chamado e se negado a ir. Eu fui de boa fé, até para esclarecer”, reitera, ao citar os procedimentos adotados na sequência. “Sai do cemitério às 10h45min e acionei, imediatamente, a ambulância do hospital. Convidei o médico plantonista, quando o corpo chegou, para que ele fizesse o exame, para não ser uma coisa unilateral minha. Ele também constatou o óbito. Comuniquei à família, que estava toda presente, quando comentei que gostaria de estar errado, na hora que fiz a constatação do óbito dela (na madrugada), mas, lamentavelmente, estava certo”, pontua.

Surpresa negativa

No início da tarde, Vargas passou a receber inúmeras ligações, todas relacionadas ao óbito. “Fiquei muito surpreso com a repercussão, principalmente a partir das 14h, em que inúmeras pessoas me ligavam, a grande maioria para se informar sobre o acontecido e alguns até para me xingar. E eu, pacientemente explicando, para cada um. Em casa, aconteceu um tumulto, com minha filha, que é médica, meu filho, que também é médico, e com minha esposa. Todos ficaram indignados com essa situação toda de agitação e mentiras em relação ao meu nome. Segundo me consta, um familiar da paciente teria dito que ela morreu no transporte da ambulância do cemitério para o Pronto-Socorro, me parece que querendo, então, achar uma justificativa para o fato de que, no Pronto-Socorro, foi definitivamente constatado o óbito”, avalia.

Vargas afirma lamentar a situação, inclusive, pela relação que mantinha com a idosa. “Eu era médico de uma filha e uma nora da paciente, que já me conheciam há muitos anos, e que deixaram essa situação evoluir da forma como evoluiu, segundo um amigo, tendo chegado, essa notícia, a Amsterdã (na Holanda). Recebi telefonemas e indagações de colegas e amigos de todo o Estado, querendo se informar sobre o acontecido. Já sabendo que havia uma parte (registro de ocorrência) da família para a polícia, aguardei que os procedimentos legais e investigativos fossem tomados, pois tinha convicção de que a minha atitude médica tinha sido perfeita, embora o óbito. A minha conduta acabou sendo atestada pelo órgão policial, de forma extremamente ética, através do delegado regional Luís Eduardo Benites e de seus assessores”, elogia.

A polícia concluiu o inquérito, no início de setembro, quando o delegado regional destacou que, no laudo realizado durante a investigação, o médico perito ressaltou que a morte teria ocorrido entre 20h15min, do dia 19 de agosto, e 8h15min, de 20 de agosto, descartando a hipótese sustentada por familiares, de que a idosa estaria viva após as 8h15min. “É muito importante destacar o trabalho da medicina legal, através dos peritos do IML. Soube, depois, de comentários nas redes socais, de pessoas falando que os peritos iriam emitir laudo favorável a mim porque eram meus colegas. Isso só demonstra todo o pré-julgamento maldoso que as pessoas manifestam por meio das redes sociais”, conclui.

Alerta para fake news

O médico também demonstra desconforto com informações, divulgadas em redes sociais, de que havia comparecido ao cemitério às 8h40min e só teria solicitado ambulância às 11h. “Circulou, ainda, que a paciente veio a óbito no horário em que era reconduzida ao Pronto-Socorro, após às 11h. Só não encontramos manifestação de solidariedade e reconhecimento pelo meu ato, de ter ido ao cemitério esclarecer os familiares. Pelo contrário. Soube de pessoas que diziam que eu deveria parar de trabalhar”, menciona.

Ao falar sobre o impacto de fake news (notícias falsas, em uma tradução livre), Vargas menciona, com apreensão, a onda de linchamentos registrados na Índia, após a disseminação de mensagens sem fontes que garantissem credibilidade. “Houve, inclusive, a morte de um jovem que, indevidamente, tinha sido acusado de estupro e, depois, foi confirmado que era inocente. Faço essas observações para que antes de qualquer notícia, as pessoas procurem esclarecer ao máximo o que está sendo divulgado”, desabafa.

Créd. Jornal Minuano

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