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Alexandre Garcia: O peso da toga

05/03/2018 - 08h58min

Atualizada em 05/04/2018 - 13h57min

Na sexta-feira antes do Carnaval, a chefe do Poder Judiciário, ministra Cármen Lúcia, disse que “o cidadão brasileiro está cansado da ineficiência de todos nós e cansado inclusive de nosso Sistema Judiciário – temos um débito enorme.” Pois entrou o Carnaval e uma entrevista do diretor da Polícia Federal, mal traduzida pela agência Reuters, provocou de um ministro da Suprema corte, Luís Roberto Barroso, a reação apressada de intimar o diretor Fernando Segóvia a prestar esclarecimentos sobre o que teria afirmado. A Reuters em seguida corrigiu a entrevista, atenuando os termos dela e o Ministro Barroso foi alvo de chacotas nas redes, como a de que queria concorrer com as gêmeas de Ivete Sangallo no raro noticiário extra-carnaval. Ainda nessa mesma safra, o novo presidente da Justiça Eleitoral, Luís Fux, conversando com jornalistas, deu a entender que pedido de registro de candidato condenado em segunda instância nem seria atendido.

O “cidadão cansado” fica com vontade de lembrar que nem Barroso, nem Fux, nem Lula estão acima da lei. Não custa lembrar o óbvio dito por um juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos: lei é o que está na lei e não na cabeça de juiz. Domingo, à saída do Mosteiro de São Bento, o jurista Pedro Gordilho, ex-ministro do TSE e talentoso pianista e frasista, deixou em meus ouvidos: “Temos onze constituições” – uma para cada cabeça do Supremo. Em democracia, como se sabe, a origem das leis é o Povo. Que elege seus representantes para fazerem as leis ou a Constituição. Juízes não são eleitos para isso. Juízes são escolhidos, conforme determina a Constituição, para julgar a aplicação das leis. Sei que é óbvio, mas não custa repetir, porque, com as luzes da TV Justiça, aparecem cada vez mais refundadores da República e revisores da Constituição. Ah, o pecado favorito do diabo… vanitas, vanitatum…

O “cidadão cansado” de esperar pela Justiça acaba querendo linchamento e aí vaia em avião juiz do Supremo legalista que aplica a lei que os representantes dos cidadãos cansados fizeram. Se não está condenado e se não oferece perigo, está preso por quê? Juízes que soltam assaltantes na audiência de custódia estão cumprindo as leis que os representantes dos cidadãos cansados fizeram. Então, a solução para a sede de justiça dos cidadãos cansados é elegerem quem não transija com o crime nem com o criminoso, esteja o bandido de chinelo ou de gravata.

E como se não bastasse estar o “cidadão cansado de todos nós”, nós ainda desfrutamos do auxílio moradia como salário adicional, já que não corrigiram os salários pela inflação. Ainda nessa safra carnavalesca apareceu a cota de 51.600,00 reais por ano para cada um dos onze do Supremo usar em passagem aérea. Segundo o Estadão, os ministros Cármen Lúcia, Celso de Mello e Marco Aurélio nada gastaram, enquanto o ministro Luís Fux foi o que mais usou essa verba para ir ao Rio de Janeiro, onde ficou sua família. Não teriam que ser espartanos, como os militares, para serem exemplos? Também usam a espada. A espada da Justiça é a lei, onde pende a balança com os pratos da culpa e da inocência. No topo do serviço público, com salário que é limite máximo para todo servidor do Brasil, está, em conseqüência, também o maior ônus, o peso imensurável da toga.

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