Esporte
Quando o corpo para, mas a alma segue: a maratona mais humana de Marlei Willers

Aos 47 anos, “Preta” vive sua primeira desistência em uma maratona — e transforma a frustração em lição de coragem, fé e recomeço
Por Cleiton Zimer
Nem todo fim acontece após os 42.195 metros. E às vezes, parar é o gesto mais valente que um atleta pode ter. Foi o que viveu Marlei Willers, a “Preta”, de Morro Reuter, ao abandonar, pela primeira vez em sua trajetória, uma maratona. A cena aconteceu na New Balance 42K Porto Alegre no último dia 27 de abril — mesma prova em que, no ano anterior, ficou em terceiro lugar.
Mas desta vez, aos 24 km de prova, o corpo disse não. Ela liderava a elite nacional contra as africanas que vieram para quebrar recordes, e tinha chance de ser a primeira brasileira. Mas, mesmo com a mente pronta, o coração determinado e uma preparação de quase cinco meses impecável, Marlei teve que parar. “A minha linha de chegada foi ali”, resume, com serenidade e maturidade de quem sabe: cair faz parte. Levantar, também.
“Foi um momento que a prova terminou de uma forma um pouco diferente pra mim. Foi difícil, mas a gente sabe que isso faz parte da vida. Eu estou muito bem em paz com isso.”
Uma trajetória que desafia o tempo
Marlei começou a correr aos 39 anos. Estreou em uma prova de 5 km em Novo Hamburgo, cruzou a linha em 23 minutos e foi imediatamente notada por um treinador. De lá até aqui, vieram títulos, recordes e vitórias que pareciam improváveis para quem começou “tarde” no mundo das corridas.
Aos 45, venceu maratonas em São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, quebrando um recorde gaúcho que durava 30 anos. Em 2024, foi a melhor brasileira na Maratona de Berlim, com o tempo de 2h41min26s.
“Eu sei que, com a idade que eu tenho, cada detalhe conta. Alimentação, sono, estratégia, tudo precisa estar alinhado. E estava. Eu estava pronta.”
Quando o corpo fala
“No km 24 eu senti um mal-estar, como um apagão. Tomei água, tentei continuar, mas vi que o asfalto se movia. A pressão despencou. Estava 10 por 4. Meu corpo não respondeu.”
O momento em que parar é seguir
A cena foi confusa, mas também tocante. Marlei tentou recomeçar três vezes. Desligou e religou o relógio, deu passos, sentou no meio-fio, se levantou novamente. “Eu pensava: não posso parar. Mas chegou uma hora em que eu entendi: é só uma prova. Agora eu preciso cuidar de mim.”
“Foi difícil aceitar. Nunca havia acontecido comigo. Mas naquele momento, parar foi minha maior prova de coragem. Eu dei o meu melhor até ali.”
A atleta foi socorrida pela equipe médica e atendida com carinho. “Ali caiu a ficha que realmente tinha terminado pra mim aquela prova. Mas a minha jornada segue.”
“Isso é vida real. E eu estou pronta pra refazer tudo, reajustar com minha equipe e voltar ainda mais forte.”
Coragem tem nome
Preta. Assim é chamada Marlei pelos amigos. Pela força, pela firmeza, pela raiz. Empresária, fundadora da Preta Pastas — sua empresa de alimentos congelados — e palestrante, ela divide a rotina entre treinos de madrugada, trabalho na garagem de casa e sessões de fortalecimento. Uma vida de disciplina, paixão e propósito.
Hoje, aos 47, ela segue sendo um dos maiores exemplos de superação e resiliência no esporte nacional. “Tudo que vivi nessas duas semanas após a prova foi aprendizado. Não foi um fim. Foi só mais um capítulo.”
O que importa de verdade
Marlei sabe que a medalha é símbolo. Mas que a vitória, mesmo silenciosa, pode acontecer num meio-fio, com o asfalto tremendo, o coração apertado e a cabeça erguida. “Eu estou muito em paz. E muito grata. Parar também é uma forma de continuar”, disse, frisando seu agradecimento a todos que estão no seu entorno.
O retorno, garante, já começou. E virá com o mesmo brilho de sempre. Porque o que faz de alguém uma maratonista não é apenas cruzar a linha de chegada — mas sim ter coragem de seguir, mesmo quando ela desaparece no horizonte.