Destaques

Santa Maria do Herval: não é lixo. É vida, é esperança!

31/07/2021 - 17h10min

O morador Gervásio engaja o movimento que ganha cada vez mais força, apesar de ainda faltar muita consciência (FOTO: Cleiton Zimer)

Por Cleiton Zimer

Santa Maria do Herval – Durante o meio-dia e, antes do anoitecer, é comum ver uma Courier branca com a caçamba lotada circulando pela cidade. Olhando de longe parece levar um monte de “lixo” mas, na verdade, é esperança sendo transportada.

O morador Gervásio Kuhn, proprietário da loja Nova Era do Centro, faz um trabalho diário de recolher material reciclável. O que é angariado nesse processo é revertido para o grupo Corrente do Bem que ajuda famílias na região, além de contribuir com o Ambulatório, pagando exames e por aí vai.

Mensalmente, a reciclagem gera entre R$ 2,5 a R$ 3 mil. Uma riqueza que está disposta nas casas de todos e que, se não fosse pelo voluntário, seria soterrada como sendo algo inaproveitável.

Gervásio é pioneiro no segmento de reciclagem no município. Fazendo-o não por si, mas, pelos outros e em duplo sentido. Em primeiro, gera um destino correto aos descartes e, consequentemente, traz esperança para quem mais precisa e através de onde menos se imagina.

Gervásio leva, todos os dias, o material com sua Courier (FOTO: Cleiton Zimer)

Um começo

A partir da persistência dele muitos passaram a se empenhar e contribuir, como mercados, fábricas e farmácias que têm quantidades maiores; moradores também levam para os pontos de coleta. Escolas municipais ajudam da mesma forma. Entretanto nem todos (tanto moradores como comerciantes) se convencem dessa importância e ainda relutam em contribuir.

A grosso modo, Gervásio avalia que menos de 2% do material de Herval é reciclado; olhando da mesma perspectiva considera-se, então, que menos de 2% da riqueza que há no “lixo” é aproveitada. Ou seja, uma auto-sustentabilidade que está sendo ignorada.

Gervásio coletando o material deixado pelos moradores e fábrica junto à Padaria Kielling, no Centro (FOTO: Cleiton Zimer)

Oportunizando começos e recomeços

Embora haja poucas pessoas precisando de ajudar em Santa Maria do Herval, a realidade é diferente em outros municípios mais populosos onde há pouco emprego, custo de vida alto e onde o Poder Público não consegue amparar a todos. Portanto, o grupo Corrente do Bem possui inúmeras frentes para angariar doações conforme as necessidades que chegam, como móveis, eletrodomésticos, roupas e alimentos. A ajuda não é contínua (pois não há suporte para isso), mas permite que as pessoas comecem ou recomecem.

Moradores também deixam material reciclável nos fundos da loja de Gervásio (FOTO: Cleiton Zimer)

Nem todo mundo têm, de fato, o que doar. Entretanto há algo que todos possuem e essa é a frente que Gervásio mais pontua para gerar resultados. “As pessoas podem ajudar sem colocar a mão no bolso”, diz, sobre o material reciclável.

“As pessoas podem ajudar

sem colocar a mão no bolso”

Fala, ainda, da importância de uma conscientização coletiva para mudar essa realidade através da manutenção cultural das pessoas, que trará benefícios ambientais e sociais.

Gerando empregos e renda

O material é direcionado para a usina administrada por Simei na Vila Seger (FOTO: Cleiton Zimer)

 

Simei de Quadros administra a Usina na Vila Seger. Veio de Morro Reuter e alugou um prédio para trabalhar ali. São gerados seis empregos diretos. Fazem o processo de separação, avaliação e posterior compactação. Tudo é direcionado para uma empresa de Novo Hamburgo que faz o transbordo através de cargas fechadas.

Além do que Gervásio traz, Simei também vai coletar em uma fábrica e mercado/padaria do município, revertendo integralmente para o grupo Corrente do Bem. Além disso, já de forma separada, compra material de catadores e empresas em Lindolfo Collor, Ivoti, Estância Velha e São José de Hortêncio.

Já trabalha há mais de 10 anos com reciclagem e diz que o lixo de Herval é nobre. “Passo nas lixeiras e da vontade de parar. O que pessoas veem como lixo, eu já vejo como oportunidade. Se todo mundo tivesse a mesma consciência que o Gervásio tem, seria bem diferente”.

Simei faz todo o processo de separação e seleção, para posterior compactação (FOTO: Cleiton Zimer)

Uma promessa que precisa de apoio

Tudo começou com a campanha do pequeno João Emanuel de Lindolfo Collor. Gervásio mobilizou toda a cidade para ajudar de diferentes formas, inclusive com reciclagem. Foi insistente, objetivo e esperançoso.

Mas, faltando muito pouco para conseguir o dinheiro e iniciar o tratamento da atrofia muscular espinhal, o menino quase morreu. “Prometi que se ele sobrevivesse eu faria alguma coisa para continuar”.

João Emanuel sobreviveu. O tempo passou. A corrida contra o relógio ficou cada vez maior. E foi em uma sexta-feira de noite que centenas de voluntários conseguiram chegar na marca de R$ 12 milhões para o seu tratamento. No dia seguinte, sábado, Gervásio criou o grupo Corrente do Bem e até hoje segue cumprindo a sua promessa de ajudar. E faz mais, busca a todo instante novos voluntários para se somarem a essa força.

Separe, recicle, faça parte!

O que Gervásio está fazendo é compromisso de todos, sem exceção. Talvez não nos sintamos obrigados a ajudar o próximo, mas, somos obrigados a pensar com responsabilidade para com o meio ambiente. Somos obrigados a separar nosso lixo. Somos obrigados a reciclar, reutilizar.

A coleta de lixo nas residências é feita em Herval. A reportagem buscou com a Prefeitura e com a empresa responsável, mas não foram informados detalhes se e como ocorre a reciclagem.

Gervásio diz que há necessidade de envolvimento de toda a cidade. Tudo pode ser direcionado para a reciclagem, exceto vidro, material acrílico, caixas de leite e isopor.

Óleo vegetal e animal, que muitas vezes é jogado na pia, pode ser colocado em garrafas e direcionado para a reciclagem.

Gervásio tem só a Courier para as coletas. Dispõe seu horário de almoço, engole algo de forma rápida e, de forma voluntária vai carregar o material e fazer as corridas diárias, as vezes, até três vezes por dia. Retira dinheiro proporcional para o combustível que gasta, mas não cobra por seu tempo. Gervásio precisa de apoio para que esse movimento ganhe cada vez mais força e nunca pare, pois há riquezas dentro do lixo que podem salvar vidas.

Dentre várias outras ações, recentemente foram pagos 10 exames de ecografia para a Administração. “Tem pessoas que vão fazer esses exames e nem desconfiam que eles foram pagos com lixo”.

Recentemente, o grupo ajudou uma família que veio de Três Passos para a Vila Ferraria, em busca de emprego no Herval. Vieram só com a roupa no corpo. Um pai, uma mãe, um menino de três anos e uma menina de sete. Com a mobilização, conseguiram mobiliar a casa com o básico, dar alimentos, roupas. Oportunizaram um começo, um recomeço para a família, que já conseguiu emprego.

O número de Gervásio é: 51 99450-6165. Um grupo no WhatsApp foi criado e já há dezenas de integrantes.

Sair da versão mobile