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Um plano de 10 anos para recolocar a Piá no lugar de onde nunca deveria ter saído
Inversão no foco da produção e recolocação no mercado gaúcho são pilares da reestruturação
GIAN WAGNER BAUM
Nova Petrópolis – Em 56 anos, a cooperativa Piá construiu um forte laço com produtores e clientes em todo estado. A marca, uma das mais lembradas pelos gaúchos, alcançou mercados como em Santa Catarina, Paraná e até São Paulo. Nos últimas praticamente dez anos, a cooperativa entrou em declínio, se endividou e não conseguiu mais dar a volta por cima. O ápice foi em maio passado, quando a antiga gestão abandonou a Piá. Hoje, eles são investigados pela Polícia Civil por crimes de corrupção que ajudaram a deixar a cooperativa no estado que se encontra: um prejuízo de mais de R$ 75 milhões no ano de 2023, apresentado na assembleia de março.
Desde meados do ano passado, a nova diretoria eleita após a renúncia da turma de Jeferson Smaniotto começou uma força tarefa para, principalmente, elencar dois pontos: o que aconteceu na cooperativa e como reestruturar ela. O primeiro foi feito através de auditoria. “Agora está com as autoridades”, diz o presidente Jorge Dinnebier. O segundo é a reestruturação. “É um projeto de dez anos, é um trabalho lento, de formiguinha”, avalia o presidente que tem gestão até 2025 junto com Ari Boelter (vice-presidente) e Jonas Gottschalk (secretário).
São cinco pilares que devem ajudar, nas palavras do presidente, a “recolocar a Piá no lugar de onde nunca deveria ter saído”. Outras duas importantes entidades estão por dentro deste plano, em auxílio a recuperação da cooperativa. São elas a Sicredi e o Banrisul. “Nossa proposta agora é focar no futuro”, afirma Dinnebier.
OS PILARES DA REESTRUTURAÇÃO – O pilar fundamental da reestruturação é a mudança no foco da produção. Antes, de 100 mil litros recebidos, 75% viravam leite UHT e apenas 25% era destinado para subprodutos, como a nata e os iogurtes. “Hoje o foco inverteu. No máximo 30% viram UHT e 70% é destinado aos subprodutos, que tem maior valor agregado. “O leite não pode ser o carro-chefe pois não tem margem de contribuição”, avalia Jorge.
Outro pilar é a retomada das regiões de captação de leite. Hoje a Piá atua em 22 municípios num raio de 150 quilômetros, mas já capta bastante na região, precisando expandir a captação para regiões mais ao norte como Vila Flores e Marau. “Precisamos ampliar a captação e nestas regiões os produtores já eram associados te há o interesse em voltar para a Piá”, explica o presidente. Em regiões próximas, a Piá capta bastante chegando a 90% dos produtores de São Francisco de Paula, 98% dos produtores de Gramado, 85% dos produtores de Nova Petrópolis, 80% dos produtores de Picada Café e 75% dos de Santa Maria do Herval. Em municípios menores há menos produtores, sendo alguns em Presidente Lucena, São José do Hortêncio e Feliz. “Os fiéis foram os que ficaram. Alguns logo confiaram na retomada da cooperativa e também voltaram outros depois disso”, explica o presidente ao citar as inúmeras reuniões realizadas pelo interior para conversar olho-no-olho com os produtores.
A parceria para produzir para outras entidades também entra como um pilar na reestruturação. “A ideia é produzir produtos que nós somos bons para outras empresas através destas parcerias de terceirização. Precisamos focar no industrial que traz maior rentabilidade da matéria prima”. A venda de espaços como o supermercado do Centro de Nova Petrópolis também é um movimento para gerar caixa e ajudar a pagar as dívidas. Até agora, a unidade vendida foi a de Nova Petrópolis, onde também há um Centro de Distribuição (Vila Germânia) que será vendido. Os mercados da Picada Café, Morro Reuter, Santa Maria do Herval e Feliz também estão à venda, alguns já em negociação.
O quinto e último pilar é a priorização do mercado gaúcho. A Piá está presente hoje em mais da metade dos municípios do Estado, o que significa que cerca de 240 municípios ainda podem ser alcançados dentro do Rio Grande do Sul antes de pensar em expansão para outros estados. “É um plano para dez anos. A Piá é uma marca lembrada e presente na casa dos consumidores gaúchos e precisamos trabalhar para ampliar esta presença ainda mais”, diz Dinnebier.
Perspectivas para o relatório de 2025
Em 2024 foi apresentado um dos maiores prejuízos da história da Piá, saldo do ano de 2023 e que contou, também, com inúmeros pagamentos de rescisões e dívidas. Mesmo que a perspectiva seja de números mais agradáveis, a cooperativa segue pagando contas. “Estes desligamentos geraram novos contratos que não podem ser quebrados e temos parcelas até 2027 para pagar disso”, explica o presidente. “Por isso precisamos cortar despesas onde é possível”.
Ainda sobre pagamentos de dívidas, a Piá está pagando por mês 10% da dívida com cada produtor que volta a fornecer leite na região. O produtor recebe o valor do mês em dia, mais o valor correspondente à dívida. Na região ao norte o processo é um pouco diferente. Os produtores de lá recebem 4,16% da dívida ao voltar a fornecer para a cooperativa, dando um prazo de 24 meses para a Piá ficar em dia com o produtor. Atualmente a região norte conta com 166 produtores e mais de 60 já demonstraram interesse me voltar para a Piá. “Fizemos tudo isso estudado para caber no fluxo de caixa”, diz Jorge.
Presidente, mas também um associado da Piá
Jorge já lutava para descobrir o que de errado estava acontecendo na Piá desde muito antes de assumir a presidência. Filho de um produtor sócio-fundador, Jorge cresceu ao redor da Piá. “Eu sou sócio tanto quanto qualquer um e encarei isso como um desafio. A Piá fez parte da minha vida e ela é nossa hoje, dos associados. Estamos na capital nacional do Cooperativismo e nós temos que acreditar na cooperativa. Não só críticas, mas ajuda. É um momento bastante difícil, mas temos que pegar e trabalhar juntos e é isso que me move”, diz o presidente. “Temos uma marca forte que foi construída ao longo de 56 anos. Não é um trabalho fácil, mas temos que acreditar e ter os pés no chão. A cooperativa está aberta para conversar e olhar na mesma direção para salvar a Piá”.
ASSEMBLEIA NO SEGUNDO SEMESTRE – Mudanças no estatuto estão previstas para ocorrer neste ano em uma assembleia que deve ser convocada para julho ou agosto. A proposta é atualizar o estatuto que foi alterado pela última vez em 2017.