Polícia

Cinco anos depois, acusados de decapitar pedreiro em Ivoti ainda não foram julgados

14/06/2023 - 09h53min

Ivoti – Quando saiu de casa para trabalhar na manhã de uma terça-feira, dia 5 de junho de 2018, o pedreiro Elói Werlang, na época com 32 anos, não sabia que se tornaria vítima do crime mais bárbaro registrado na história recente de Ivoti. Cinco dias após o desaparecimento, seu corpo foi encontrado decapitado, com os pés amarrados e enrolado em um cobertor dentro de um córrego, no final da rua Taquari, no bairro Morada do Sol.

As investigações da Polícia Civil demonstraram que três criminosos presos por tráfico, entre o dia do desaparecimento e o da localização do corpo, eram os autores do crime. A execução do pedreiro foi uma espécie de cartão de visitas da facção “Os Manos”, que usou Elói como “bode expiatório” para demonstrar o que aconteceria com quem tivesse dívidas com o tráfico.

Em novembro de 2021, a juíza de Ivoti, Larissa de Moraes Morais, decidiu mandar ao banco dos réus os criminosos Felipe Gomes de Souza, o “Lipe¨, 32 anos, e Ícaro José Amaral, 29, pelo homicídio do pedreiro. Outros dois suspeitos que, na época, eram menores de idade, respondem na Vara da Infância e Juventude.

Recentemente, o crime completou cinco anos, mas os réus ainda não foram julgados. Os advogados dos acusados chegaram a entrar na Justiça tentando evitar que o caso fosse a júri popular, mas o recurso acabou negado. Enquanto isso, os dois seguem presos preventivamente e não há previsão de realização do júri. Além disso, a saída da juíza Larissa da Comarca de Ivoti e a indefinição de seu substituto são tidos como fatores que estão atrasando, não só esse, como os demais julgamentos.

Relação com o tráfico

De acordo com o Ministério Público (MP), o crime foi praticado dentro de uma “boca de tráfico” comandada de dentro do sistema penitenciário por Lipe, membro da facção “Os Manos”. Por determinação do criminoso, essa “boca” era gerenciada por um adolescente de 17 anos.

Ícaro, por sua vez, atuava como “cabeça de lata”, ou seja, apresentava a “boca” e vendia drogas para os seus conhecidos usuários de drogas de Ivoti, município que, até 2018, desconhecia a atuação do tráfico praticado pelo crime organizado.

Na ocasião, Elói, que era usuário de drogas, foi até o local onde funcionava essa “boca”. No entanto, por desavenças relacionadas com uma dívida, ele foi morto a facadas e, posteriormente, teve a cabeça decapitada, conforme perícia.

Além da barbárie do crime como um todo, o menor também gravou a decapitação e compartilhou o vídeo em um grupo da facção. Ícaro chegou a ser identificado nas imagens. O vídeo foi gravado para ser utilizado como exemplo aos devedores. Nele, o menor diz o seguinte: “só de exemplo esse aqui, ó. 14-18-12 (número utilizado pela facção), é os Mano. Isso é pra quem fica chineleando na quebrada, aí ó. O destino final é esse aqui, mano. O certo pelo certo e o errado é cobrado.”

Denúncia

A acusação apresentada no ano retrasado pelo MP aponta, além de homicídio, diversas qualificadoras e, também, por outros crimes relacionados ao caso:

QUALIFICADORAS

  • Motivo torpe: “os denunciados e seus comparsas, usaram do assassinato da vítima como ‘exemplamento’ (sic) destinado a dominar o tráfico de drogas na cidade de Ivoti. Por meio da violência e da intimidação”;
  • Motivo fútil: “tendo em vista a evidente desproporcionalidade de sua motivação, que foi uma dívida da vítima para com ‘a boca’”;
  • Meio cruel: “diante da inegável brutalidade dos executores, que mataram mediante diversos golpes com instrumento perfurocortante na região cervical alta e, depois, às risadas, cortaram sua cabeça”;
  • Emprego de recurso que dificultou defesa: “tendo em vista que os executores agiram por meio de dissimulação e ampla superioridade numérica”;
  • Assegurar vantagem de outro crime: “visto que, por meio dele, os denunciados, além de buscar garantir o ‘monopólio’ na execução do tráfico, com esse tipo de ação procuraram evitar a ‘chinelagem’, ou seja, que os demais usuários fiquem devendo drogas para os traficantes”.

OUTROS CRIMES

  • Vilipêndio a cadáver: “nas mesmas condições de tempo e local, logo após o primeiro fato (homicídio), os denunciados concorreram para o vilipêndio ao cadáver da vítima, decapitando-lhe a cabeça e esbofeteando-lhe a face, enquanto lhe irrogavam pragas, sempre rindo e cantando, ou seja, utilizando o corpo da vítima com desrespeito e desprezo, para enviar mensagem dissuasória à concorrência e a eventuais devedores”;
  • Ocultação de cadáver: “ato contínuo aos crimes acima descritos, os denunciados concorreram para a ocultação do cadáver da vítima. Após a morte, sempre sob o comando de Felipe, dirigiram-se até o curso d’água próximo ao local, ali escondendo o corpo da vítima”;
  • Corrupção de menores: “os denunciados (Ícaro e Felipe) concorreram e facilitaram a corrupção dos adolescentes com ele praticando as infrações”.

Relembre o caso

Elói foi morto com várias facadas no dia 5 de junho de 2018, possivelmente pela manhã. Na data, familiares relataram que ele havia saído para trabalhar e nunca mais retornou para casa. Dois dias depois, foi registrado o boletim de ocorrência do desaparecimento.

Diante da denúncia de que ele teria ido à “boca” na rua Taquari para comprar drogas, na mesma data, a Polícia Civil foi até o local e efetuou a prisão dos suspeitos, que foram flagrados com 106 pedras de crack, 16 buchas de cocaína, uma bucha grande de cocaína pesando 16g, duas porções de maconha, além de um caderno com anotações do tráfico.

A bicicleta da vítima também foi localizada na casa. Nos celulares apreendidos a Polícia Civil encontrou o vídeo da decapitação, fotos do cadáver e as conversas com Felipe.

O corpo de Elói foi encontrado por um grupo de crianças de 10 e 11 anos. A criançada correu até o matagal, que fica nos fundos de uma indústria local, atrás de um cachorro que fugiu de uma residência próxima. O cachorro foi encontrado dentro do arroio, cheirando o cadáver.

Assustados, os meninos foram para casa e contaram a cena para um familiar. Só depois de conferir a situação de perto, o morador entrou em contato com a Brigada Militar, que logo contatou a Polícia Civil e o Instituto Geral de Perícias (IGP). O Corpo de Bombeiros também auxiliou nos trabalhos para retirar o corpo de Elói de dentro do arroio.

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