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64 anos de Dois Irmãos: Da escuridão à luz de uma vida com propósito

10/09/2023 - 05h55min

Atualizada em 10/09/2023 - 10h13min

Anita se orgulha do passado de trabalho e deseja preservar as terras onde cresceu

Anita encontrou sua missão ajudando as pessoas

Por Nicole Pandolfo

“Quando eu era criança, eu tinha uma vovozinha que sentava numa cadeira de balanço, usava uma saia longa e balançava enquanto fazia crochê.”

Hoje, a avó que a neta descreve não existe mais. Isso porque a senhora elegante e jovial que nos recebe no jardim de casa de braços abertos e com sorriso no rosto, pouco – ou nada – lembra a imagem que Kiara guarda da avó de vinte anos atrás.

Aos 69, Anita Stoffel Guth é o exemplo claro de como uma vida com propósito é capaz de rejuvenescer e causar um efeito colateral interessante: a felicidade.

A história de Anita foi construída à base de trabalho pesado, assim como a história da maioria das mulheres da sua geração. Nascida em Salvador do Sul, Anita veio para Dois Irmãos quando tinha 8 anos de idade. Os dois caminhões que trouxeram a família acomodavam os pais, ela e os sete irmãos mais novos, além de uma quantidade significativa de alimento e animais, mantimentos que garantiriam o sustento da família até que conseguissem se estabelecer na nova cidade.

Anita e a neta Kiara

TRABALHO DESDE CEDO

A região onde os Guth se instalaram e vivem até hoje, no bairro Vila Rosa, exigiu muito trabalho até  se transformar em uma área produtiva. Com o passar do tempo, as provisões trazidas de Salvador do Sul se tornaram escassas e Anita e os irmãos sentiram a angústia da falta de alimento. Desde muito cedo, Anita era responsável pela criação dos irmãos mais novos e pelo trabalho na roça: “Eu era mão cheia para trabalhar.”

Com a mudança para a cidade nova, pela primeira vez a família teve acesso à luz elétrica em casa, mas o que Anita guarda com carinho na memória era a imagem da Avenida São Miguel à noite, a única rua de Dois Irmãos iluminada por lâmpadas incandescentes na época.

Aos 14 anos, o pai de Anita adoeceu. Durante o período em que esteve internado, ela e o irmão ficaram responsáveis pelo sustento da família. Ela lembra do período como desafiador, mas refere-se a ele como mais uma oportunidade de desenvolvimento pessoal: “Não me arrependo de nada. Foi difícil, muito trabalho sob sol, chuva, frio, mas um período de muito aprendizado. Se tivesse sido mais fácil, eu não estaria onde estou hoje.”

Anita casou aos 19 anos, e partir de então, sua vida não difere muito da vida da maioria, a não ser por algumas intuições, sensações que a atormentavam desde a infância, mas que por desconhecimento e medo do julgamento dos outros, mantinha somente para si. Ela cuidou dos 3 filhos, costurou sapatos e tirou leite durante as noites. Segundo ela “a vida era boa, apesar das dificuldades”. Mas faltava alguma coisa: “Eu vivia em busca de algo que não sabia o que era.”

O REIKI

Depois de aposentada, passou a frequentar o Clube das Organizadoras do Lar do Vila Rosa. Fazia todos os cursos que o clube oferecia, de Corte e Costura a Embutidos, passando por Culinária à Estamparia. Quando um curso de Reiki foi oferecido, ninguém mostrou interesse, a não ser ela. Este seria o divisor de águas da sua vida: “Nesse curso eu me encontrei. Comecei a entender tudo que estava acontecendo”. Ela conta que, de repente, episódios da sua vida que ela não entendia fizeram sentido, como as vezes que aliviava a dor de barriga do filho simplesmente com o toque das suas mãos ou as receitas de chás e xaropes que surgiam na sua mente quando criança e melhoravam a saúde de conhecidos.

Anita finalmente entendeu a mediunidade que trazia consigo desde a infância e pode exercer o seu dom com a prática de energização e limpeza através das mãos que o Reiki proporciona. Fez mais cursos, passou a atender pessoas em casa e logo se tornou conhecida pela atividade. Mas no início, a falta de conhecimento sobre o assunto foi motivo de preconceito por parte de alguns: “Minha filha chegou chorando em casa por que os vizinhos disseram pra ela que eu era uma bruxa”, ela conta. Com calma e segurança, instruiu: “Diz a eles que eu sou uma bruxa sim. Uma bruxa do bem!”

Avó e neta no espaço construído para receber quem busca alívio e tranquilidade

Desde então, Anita diz que deixou de se sentir sufocada fazendo o que os outros esperavam que ela fizesse. Decidiu seguir o próprio caminho: “Foi muito difícil, muito sofrido, mas a fé e o amor que eu tinha dentro de mim para cumprir essa missão era muito maior.”

Hoje, realizada, Anita conta com o apoio e parceria da neta Kiara Ott Stoffel, que também desenvolveu a mediunidade e a prática do Reiki. Kiara se emociona ao falar da avó: “Ela teve uma força que muitas mulheres da idade dela não tiveram, de se impor e viver o propósito, de se libertar do tabu e da visão fechada do que é ser esposa, o que é ser mulher, do que significa preservar a família.” Ela diz que a força da avó é motivo de inspiração e completa: “Hoje eu não tenho mais uma vovozinha, eu tenho uma mulher forte do meu lado.”

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