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64 anos de Dois Irmãos: Das festas no salão Kieling ao merecido sossego na própria casa

10/09/2023 - 12h50min

Atualizada em 02/10/2023 - 08h09min

Dona Ilse exibe o canto preferido da casa onde faz suas orações

Dona Ilse e a família realizavam eventos no mesmo local onde moravam

Por Nicole Pandolfo

Ao longo do trecho da rodovia vicinal que liga a cidade de Morro Reuter ao distrito de São José do Herval – nosso destino – não faltam locais para descer do carro e fotografar paisagens. Durante a subida sinuosa, o sol forte e o calor úmido davam a entender que as nuvens haviam ficado lá embaixo, encobrindo tudo o que se via de um dos mirantes.

Fomos recebidos por Pedro Kieling nos fundos do centenário Salão Kieling, onde hoje funciona o restaurante da família. Ele nos leva até uma casa, mais para dentro do terreno, onde mora sua mãe, dona Ilse. O local fica à direita da Igreja São José do Herval, feita de pedras basálticas, cuja beleza atrai turistas que passam pela região.

Dona Ilse nos recebe na sala da pequena casa, onde as paredes e estantes estão repletas de fotografias da família. Aos 90 anos, ela mora sozinha, mas recebe uma cuidadora três vezes por semana. Entre suas conversas com os passarinhos e momentos de oração, pouco tem o que fazer. Não que lhe falte coordenação ou mobilidade, mas um problema de visão a impede de tricotar, ler o jornal ou jogar cartas com as amigas como fazia antigamente. Os joelhos também não são mais os mesmos do tempo em que frequentava os bailes da terceira idade, mas no geral, seu o quadro de saúde é digno de ser emoldurado, como brinca o geriatra da família.

Pedro, o filho mais velho nos ajuda como um intermediador durante a conversa. O português da dona Ilse foi se perdendo ao longo do tempo e ela prefere se comunicar em alemão. Mas é em português que ela responde sobre como foi a maior parte da sua vida: “Muito trabalho!”

Recordação dos seu 18 anos

Ilse Kieling nasceu em casa, na cidade de Santa Maria do Herval, na época distrito de Dois Irmãos que, por sua vez, ainda pertencia a São Leopoldo. Ela cursou os três primeiros anos do primário e não quis mais estudar. Preferia ficar em casa, ajudando a família na lavoura e assim o fez até os 29 anos. Casada, deixou o trabalho pesado da roça para o serviço no salão em São José, aquele em que hoje funciona o restaurante. Na época, além de ser a casa da família, o local recebia bailes e festas de casamento. Nos dias de festa, afastava-se o que fazia parte da casa e organizava-se o evento. Pedro conta que dona Ilse, incansável, era sempre responsável pelo trabalho “por trás dos panos”, aqueles que poucos enxergam, mas que a importância é enorme e proporcional ao esforço.

Na varanda onde ela descansa

Difícil extrair da dona Ilse a expressão de um desejo próprio, uma memória que não esteja atrelada ao trabalho pesado, à plantação na roça ou à produção de leite para o sustento dos filhos. Mas, em certo momento, ela confessa um ressentimento que já virou realização. Depois que casou, ela sonhava em ter a casa própria, já que, na época, dividia a moradia com outros parentes. O sonho se realizou em 1994, quando dona Ilse deixou de morar no salão – que já era restaurante desde 1990 – e passou a viver na casa onde a encontramos até hoje.

Ilse e o filho mais velho, Pedro Kieling

Por volta das 16h, enquanto ela nos guia por entre os cômodos, exibindo cada detalhe com orgulho, já não se enxerga mais a Igreja de Pedra da janela da sala. O nevoeiro impossibilita a visão há poucos metros de distância na comunidade de São José e o cinza predominante do dia só é quebrado pelo colorido das orquídeas que dona Ilse nos mostra na varanda. De lá ela se despede com um sorriso. Abanamos de longe, sem a certeza de que sua visão ainda nos alcance, seja pela cerração ou pelos próprios olhos que já não funcionam muito bem.

O centenário Salão Kieling em São José do Herval

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