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64 anos de Dois Irmãos: Uma testemunha ocular da história da nossa região

10/09/2023 - 09h50min

Roque Querino Klauck nasceu e cresceu na Linha Cristo Rei , em Morro Reuter, enquanto ainda distrito de São Leopoldo (FOTOS: Cleiton Zimer / arquivo pessoal)

Roque Querino Klauck fez parte de várias frentes de desenvolvimento

Por Cleiton Zimer

Dois Irmãos – A história de Roque Querino Klauck, 86 anos, é intrínseca à região, tanto de Dois Irmãos, como de Morro Reuter e Santa Maria do Herval – enquanto ainda distritos pertencentes a São Leopoldo. Teve importante participação na conjuntura da sociedade local ao longo dos anos, desde a educação, cultura, religiosidade, política e economia.

Hoje vive em Dois Irmãos, junto da esposa Maria Anita, 85 anos, no bairro Industrial. Se dedica à família e a uma das suas maiores paixões: o canto coral.

Mas Roque nasceu e cresceu em Morro Reuter, na divisa com Joaneta – no travessão, como referem os antigos. É filho de Aloísio Klauck e Elizabeta Zilles – eram duas irmãs e quatro irmãos, todos trabalhavam na roça para se manter.

Fez o primário numa escola paroquial de Linha Cristo Rei, uma localidade daquele município. Na juventude, por volta dos 13 anos, foi para o Seminário São José em Gravataí, onde absorveu fundamentos básicos para sua vida.

Mas ficou doente. “Algo no pulmão”, diz ele. “Aí fiquei um ano em casa para ver se curava.”

O CONVITE DO PROFESSOR EDVINO UTZIG

Ele ainda guarda seus livros de presença. Ainda hoje, alguns alunos o procuram para pegar o documento para aposentadoria e outros afins

Quando retornou encontrou seu antigo professor, o Edvino Utzig. “Ele veio lá em casa, disse que queria parar de dar aula e pediu para mim assumir a escola.”

Roque aceitou. O jovem de 17 anos começou a lecionar em 1954, para 72 alunos, em cinco séries, quatro horas por dia. Ia a cavalo. Ele lembra até hoje dos alunos o esperando na frente da escola. “Quando chegava, todos tiravam o chapéu e cumprimentavam.

Ficou a frente do colégio até 1962, quando começou a ser extinto com a chegada de uma Brizoleta (incentivo à educação capitaneado pelo então governador Leonel Brizola). Mas por um período, aproximadamente dois anos, deu aula nas duas escolas de forma simultânea.

A escola paroquial teve fim pois lá os pais tinham que pagar, enquanto na outra era gratuito. Mesmo assim o professor não ganhavam muito. “Meio salário”, lembra. Desta forma, no turno contrário Roque trabalhava na roça para complementar a renda. Com o tempo migrou para o comércio e, assim, começou uma nova etapa de sua vida.

A desvalorização aos professores o levou a migrar totalmente para o comércio

Os professores da época – também de Morro Reuter e Herval, que pertenciam a Dois Irmãos – estavam insatisfeitos com o meio salário que recebiam. Foi então que, no governo de Walter Fleck, numa festa de encerramento do ano letivo, elegeram Querino para tomar a frente e relatar a insatisfação. ”Fui lá e disse que o professor não poderia ficar devendo, que não tinha como sobreviver com meio salário. Mas o Walter disse que a gente trabalhava meio dia; ele era um bom prefeito, mas não entendia que além de dar aula meio dia, tinha que corrigir, fazer atividades.”

Naquela época Querino já tinha seu comércio na Linha Cristo Rei. Dava aulas segundas de manhã, de tarde comprava as coisas dos colonos e se dirigia para Novo Hamburgo com seu Chevrolet 42 – que comprou em Padre Eterno, de um Backes –, onde fazia sua feira na terça pela manhã, lecionando durante a tarde.

Sob a pressão de terceiros, o prefeito Walter chamou o professor para uma conversa. Disse que não poderia mais fazer isso, que tinha que dar aula todas as manhãs. “Eu expliquei os motivos, e que os pais estavam aceitando. Mas ele foi duro comigo e não aceitou.”

Querino se impôs e não recuou. Assim chegou ao fim, após 11 anos, sua carreira de professor. Decidiu deixar a sala de aula para se dedicar exclusivamente ao comércio.

Ai fiquei com o armazém. Comecei a negociar ainda mais. Foi indo bem, comprei mais um caminhão.” Passou a negociar com lenha também, comprando de diversas cidades da região.

FUNDOU SEU PRIMEIRO CORAL E PRESIDIU A CONSTRUÇÃO DA IGREJA

 

Conciliando o comércio, em 1965 fundo o Coral Cristo Rei na localidade. Isso também o fez ser eleito presidente da comunidade católica, para presidir a construção da Igreja.

Querino lembra até hoje. Era abril de 1968, no final de uma missa de crisma em Picada São Paulo. “Fomos na porta da Igreja, uma comissão, para pedir para a autorização do bispo Dom Vicente Scherer.” O bispo perguntou a distância que seria. Querino informou que até o último morador eram 7 km, mas até a Igreja, 5 km. “Em quatro anos quero fazer a crisma na nova igreja”, teria dito o bispo.

E assim a comunidade se uniu. Primeiro levantaram um galpão e, aos poucos, a igreja através de diversos mutirões. “Quatro anos depois Dom Vicente veio fazer a crisma. A Igreja não estava totalmente pronta, mas tinha telhado já.”

Dom Vicente Scherer rezando a missa de crisma na Igreja de Linha Cristo Rei

A vinda para Dois Irmãos para ser ecônomo do Santa Cecília

Querino lembra que as mesas do Santa eram organizadas de forma especial para os eventos. Na foto, preparada para um encontro religioso

Naquela época, nos idos de 1977, a referência que se tinha de Dois Irmãos era a Sociedade Santa Cecília – como ainda o é. Portanto, estavam precisando de alguém à altura para conseguir tocar os eventos, bailes, festas, almoços e jantas. Seu Querino já era conhecido por tudo, pelos eventos que fazia em Cristo Rei – fora que era sócio do Santa, tendo ajudado voluntariamente na construção da quadra, quando vinham lá de Cristo Rei na camionete do professor Utzig.

Aí larguei o comércio, aluguei e fui para a economia da Santa Cecília, onde fiquei por oito anos.” Ele já era casado, tinha os filhos José Luiz, Maria Lorena, Paulo Ricardo, Maria Denise e Ademir. A família toda veio junto e foram morar na casa do ecônomo. “Todos ajudavam a trabalhar”, recorda.

Equipe que trabalhava na Sociedade Santa Cecília. Querino está ao centro (entre os dois de branco).

Querino lembra o quão movimentada a Sociedade era. Todo final de semana tinha algum evento. Se não era festa ou baile, tinha casamentos.

Recorda ainda que, no começo, não tinha freezers grandes. Havia umas caixas de concreto em baixo dos balcões. Lá eles colocavam as bebidas e as cobriam de gelo.

Mais tarde a esposa voltou a cuidar do armazém na Linha Cristo Rei. Mas ficaram morando em Dois Irmãos, pois já tinham construído a casa em que moram até hoje. Por fim venderam o comércio em Morro Reuter e ficaram definitivamente em Dois Irmãos.

Comercio que a família tinha na Linha Cristo Rei. A esposa Maria Anita está atendendo no balcão.

A POLÍTICA

Querino também teve ampla passagem pela política. Foi vereador pelo ARENA entre 1970 e 1973. Se elegeu através de eleitores de Morro Reuter e de Santa Maria do Herval, principalmente. Depois concorreu mais duas vezes, mas não se elegeu.

Também foi chefe de gabinete do prefeito Romeo Benício Wolf – entre 1983 a 1988.

Atuando na transformação das comunidades

Enquanto chefe de gabinete, ajudou de perto na transformação na vida das comunidades. Como era do interior, o prefeito Romeo incumbia a Querino a tarefa de ir até as pessoas no período em foi levada a energia elétrica para o Teewald e Morro, por exemplo.

Na época, a energia elétrica foi levada à muitas residências através de uma parceria. A CEEE pagava uma parte, Prefeitura outra e os moradores também. “Então o Romeu disse que tinha que ir lá, de casa em casa, pegar assinatura dos colonos para aderir ao programa.”

Querino saia de madrugada. Pegava os primeiros colonos ao raiar do dia, os outros na hora do almoço e, os demais, à noite – afinal, nos demais horários todos estavam na lida. E foi assim que a luz chegou para muitas famílias da Linha Marcondes, Rio Loch e Batatenthal, dentre outros.

A luta pelos direitos dos agricultores

Querino também tinha muita ligação com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, fazendo parte de sua constituição através da Frente Agrária Gaúcha – encabeçada pela Igreja Católica. “Era uma orientação para os colonos se unirem e pedirem a sindicalização, para que pudessem se aposentar.”

Ele então organizava as reuniões por todo o município de Dois Irmãos, sendo coordenador regional e fazendo parte da direção estadual. Foi Querino, inclusive, que redigiu a ata de fundação do Sindicato Rural de Dois Irmãos.

Lembra que certa feita foi incumbindo pelo bispo Dom Vicente Scherer a participar de um congresso na Argentina, pois tinha um movimento lá que queria fazer um pacto com a Frente Agrária no Brasil. “Eu e mais três de outras cidades fomos. Aí chegamos a conclusão que estavam pregando o comunismo. Voltamos e falamos que essa não era a nossa intenção.” Desta forma, não teve parceria alguma.

Um legado eterno de Querino: o canto coral

Foi no seminário que Querino aprimorou seu canto. Ele está na segunda fileira de baixo para cima. O quarto da esquerda para a direita.

Quando saiu da economia do Santa Cecília, passou a se dedicar integralmente aos corais. Além do Cristo Rei, fundou o São Nicolau de Walachai. Em 1992 assumiu também as regências dos corais misto e masculino do Santa Cecília e Picada São Paulo. “Tinha seis corais na época.”

Esse interesse veio da família, sua mãe e seu pai, que sempre cantavam em casa. O dom foi aprimorado na época do seminário. “As famílias sentavam de noite e começavam a cantar. Minha mãe cantava muito bem” lembra, com carinho.

Hoje, nos seus 86 anos, ele permanece com os corais de homens do Santa Cecília, Walachai e Cristo Rei. Além disso, tem o grupo de amigos Wir lieben das Leben, em Dois Irmãos.

Ele ainda preside a Liga de Corais de Nova Petrópolis – fundada em 1955, para manter a tradição e preservar as músicas trazidas da Alemanha pelos antepassados.

Questionado como vê o futuro do canto coral, se diz preocupado. “A juventude, maioria deles, não quer mais saber disso”, lamenta. Conta que todo ano se faz um encontro de corais. “Neste foi em Walachai, em junho. Tinha 10. Mas já participaram mais de 20.”

Querino afirma que é necessário mais investimento nesta área. “Nova Petrópolis incluiu no currículo escolar. Agora, todas as localidades têm corais”, cita, afirmando que é um exemplo a ser seguido.

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