Região
A cada 17 horas e meia, uma mulher é vítima de violência na região
Por Cleiton Zimer e Guilherme Sperafico
Região – Os números são alarmantes. A cada 17 horas e meia, aproximadamente uma mulher é vítima de algum tipo de violência em um dos 11 municípios da região de cobertura do Diário. Os dados, divulgados pela Secretária de Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSP/RS), demonstram que, entre 1º de janeiro e 30 de novembro deste ano, são 455 denúncias registradas nas delegacias da Encosta da Serra.
Durante o período, o município mais populoso da região, Estância Velha, é o que mais acumula casos de violência contra a mulher. A cidade é, também, a única a registrar feminicídio nos primeiros 11 meses de 2023. Dois Irmãos e Estância somam uma tentativa de feminicídio cada um.
A maior parte dos crimes relacionados à violência doméstica entre os municípios da Encosta da Serra são de ameaças. Graças às denúncias, muitas das vítimas fazem o pedido de medidas protetivas contra seus agressores e evitam que casos ainda mais graves ocorram.
Apesar de ser menor do que o número de ameaças, os casos em que as vítimas sofrem lesões corporais também são altos, totalizando 152. Cinco municípios também registraram estupros, totalizando 32 casos de mulheres violentadas. Nova Petrópolis possui a maior incidência deste tipo de crime, com 13.
CASOS DE VIOLÊNCIA NA REGIÃO
Município | Femin. Tentado | Feminicídio | Ameaça | Estupro | Lesão Corporal | Total |
---|---|---|---|---|---|---|
Dois Irmãos | 1 | 0 | 43 | 7 | 28 | 79 |
Estância Velha | 1 | 1 | 98 | 10 | 60 | 170 |
Ivoti | 0 | 0 | 45 | 1 | 21 | 67 |
Lindolfo Collor | 0 | 0 | 14 | 1 | 5 | 20 |
Linha Nova | 0 | 0 | 3 | 0 | 0 | 3 |
Morro Reuter | 0 | 0 | 4 | 0 | 2 | 6 |
Nova Petrópolis | 0 | 0 | 35 | 13 | 20 | 68 |
Picada Cafe | 0 | 0 | 8 | 0 | 6 | 14 |
Presidente Lucena | 0 | 0 | 3 | 0 | 2 | 5 |
S. M. do Herval | 0 | 0 | 8 | 0 | 4 | 12 |
S. J. do Hortêncio | 0 | 0 | 7 | 0 | 4 | 11 |
Total | 2 | 1 | 268 | 32 | 152 | 455 |
Feminicídio aconteceu em Estância Velha
Entre as vítimas de violência doméstica na região em 2023, uma delas, infelizmente, não resistiu aos ferimentos causados pelo agressor. Patrícia Margarete dos Santos, de 48 anos, morreu no dia 1º de julho. Ela havia sido espancada pelo então companheiro, 26 dias antes do óbito. Desde a data da agressão, ficou internada em coma até o falecimento.
Durante o período, o agressor foi preso pela Polícia Civil de Estância Velha. Ele possuía extensa ficha criminal, com passagens por desacato, ameaça, lesão corporal, porte ilegal de arma de fogo e homicídio.
De acordo com relatos de uma irmã, Patrícia e seu ex-companheiro ficaram juntos por apenas nove meses. Apesar de curto, o tempo foi suficiente para que ela tivesse sido internada duas vezes por agressão. No primeiro caso, meses antes de sua morte, a vítima chegou a ficar dois meses no hospital devido aos ferimentos, que lhe deixaram graves sequelas. Entretanto, ela optou, na ocasião, por não fazer a denúncia.
Após um tempo separada, Patrícia foi morar com sua mãe para se recuperar do trauma, mas o agressor procurou por ela, pediu desculpas e os dois reataram o relacionamento. Pouco tempo depois, a mulher voltou a ser espancada e acabou morrendo.
O maior problema segue sendo a falta de comunicação dos fatos
De acordo com o delegado titular de Dois Irmãos, Felipe Borba, a maioria dos casos de violência doméstica acontecem dentro de casa, sendo causados pelos próprios companheiros.
“O contexto mais recorrente em que ocorrem são quando existe ciúme excessivo ou quando a mulher decide terminar o relacionamento.” Ressalta que não é incomum os episódios de agressão estarem relacionados ao uso drogas e álcool.
Dentre as situações mais recorrentes estão os crimes de ameaça, xingamentos, lesão corporal e até perseguição. “Onde o agressor fica atormentando de maneira seguida a vítima, seguindo na rua, vasculha as redes sociais.”
MEDIDAS PROTETIVAS FUNCIONAM
Borba destaca que, num universo de 100 casos de medidas protetivas ao longo de um ano, três são descumpridos. “A maioria obedece. Quando não, gera as prisões.”
Em índices gerais no Rio Grande do Sul, mais de 80% dos casos de feminicídio acontecem com mulheres que, naquele momento, não tinham medida protetiva em vigor.
“É um crime onde geralmente o homem abusa justamente do sigilo e da incapacidade da vítima tomar iniciativa, buscar auxílio. Nosso maior obstáculo é o desconhecimento, a falta de comunicação dos fatos.”
Indo na raiz da questão
Como forma de chegar às raízes da violência diversas atividades estão sendo desenvolvidas em Dois Irmãos. Nas últimas semanas os policiais foram palestrar em escolas.
“Está sendo bem visível a compreensão dos jovens de que e necessário interferir nessas relações quando a vítima, por menosprezo, humilhação, não tem condições de, por si só, buscar uma melhora”, enfatiza o delegado.
Borba relatou que, quando falam em tópicos sensíveis “de caso aconteça na casa de alunos”, observa-se um semblante de quase choro em algumas faces. “Indicativos que algum familiar passa por aquela situação.”
DENUNCIE
Em caso de violência doméstica, as vítimas ou testemunhas podem acionar a Brigada Militar através do fone 190 em toda a região, e a Guarda Municipal de Estância Velha no fone 153. Também podem ser buscadas as delegacias de Polícia Civil da região.
DELEGACIAS:
- Dois Irmãos – Av. Sapiranga, 777. Fone: (51) 3564-1190.
- Estância Velha – Av. Brasil, 1110. Fone: (51) 3561-1110.
- Ivoti – R. Germano Hauschild, 305. Fone: (51) 3563-1001.
- Nova Petrópolis – R. Frederico Michaelsen, 404. Fone: (54) 3281-1378.
- Santa Maria do Herval – R. Benno Closs, 38. Fone: (51) 3567-1100.
Programa de proteção fez 1.246 atendimentos
Em Estância Velha, há dois anos as mulheres vítimas de violência são acompanhadas através do Programa Mulheres Protegidas. A ação da Prefeitura, é realizada através da Secretaria de Segurança, da Guarda Municipal e do Centro de Referência Especializado de Assistência Social.
De acordo com o programa, uma média de 8 a 9 mulheres são atendidas por semana, com medidas protetivas. O programa oferece proteção e segurança às vítimas de violência, com uma rede de apoio inclusive com atendimento psicológico e jurídico, através do Centro de Referência da Mulher.
Além disso, o programa é o único na região metropolitana que possui um convênio com o Instituto Avon e a Rede Accor de Hotéis, para que as mulheres que estão sob risco de vida possam sair imediatamente de suas casas até que os casos sejam analisados pelo Poder Judiciário.
Por meio de um aplicativo, desenvolvido gratuitamente, os servidores monitoram pelo celular informações sobre todas as pessoas que devem ser protegidas. Com viaturas exclusivas, os policiais, em parceria com Fórum, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e o CRM, realizam rondas diárias no local de moradia e trabalho da vítima, além de transitar na escola das crianças.
Desde sua implantação, foram realizados 1.246 atendimentos pelo Mulheres Protegidas. Foram 15 ocorrências em flagrante, 1.218 Visitações: 1218 visitações, 7 vítimas precisaram de assistência e 6 de transporte.
Atualmente, 19 agressores são atendidos por trabalhos de psicologia e assistência social. Durante este ano, 325 casos novos de violência chegaram ao programa. Ao todo, 432 prontuários estão ativos, de mulheres em atendimentos. Em 2022, os casos de violência doméstica diminuíram em 72% no município e, em 2023, o índice chega a 85%.
PERFIL DAS VÍTIMAS E AGRESSORES
De acordo com informações da Assistência Social do município, a maioria dos últimos boletins que têm sido registrados não são de casos flagrantes, mas de mulheres que já vivem há muito tempo em situação de violência doméstica e são encorajadas a denunciar. “Elas querem dar fim ao assédio, de forma geral, e aí denunciam”, destaca a assistente social Carol Vanzin.
Outro fator que tem chamado a atenção, é o fato de que, cada vez mais as idosas estão registrando casos. “A faixa etária que mais denuncia seus companheiros é dos 42 aos 67 anos. Cada vez mais, as idosas buscando o fim dos relacionamentos por ‘n’ situações de abusos”, relata Vanzin.
O perfil de abusador, segundo a assistente social, também já pôde ser traçado após mais de dois anos de programa. “É o homem sem antecedente criminal, branco, com trabalho e renda fixa, mantenedor da residência e com idade que varia de 36 a 54 anos. A maior prevalência também é a violência psicológica e patrimonial. São os maiores índices”, conclui.