Região

A história de luta do andarilho que vive pelas ruas de Herval e região

24/09/2021 - 19h02min

Atualizada em 26/08/2023 - 18h56min

Daniel vive da coleta de latinhas que faz pelas ruas da região (FOTO: Cleiton Zimer)

Por Cleiton Zimer

Santa Maria do Herval / Região –Por onde quer que eu ande me sinto em casa. Sempre estou na presença de Deus”. Há mais de nove anos Daniel Armbrust, 53 anos, vive na rua. É comum vê-lo por aí, andando por Santa Maria do Herval, ajuntando latinhas com um carrinho para angariar seu dinheiro com o qual sobrevive.

A coleta de latinhas é a meneira de Daniel sobreviver (FOTO: Cleiton Zimer)

Não tem lugar fixo. A estrada é sua companhia constante e o céu o seu telhado mais seguro. À noite posa em paradas de ônibus ou qualquer outro lugar em que possa se ajeitar; o banho é em rios e eventualmente acha um chuveiro. Com o dinheiro das latinhas compra a sua comida mas, também, recebe muita ajuda nas suas andanças.

É preciso levantar a cabeça, se erguer e, se necessário for, catar latinhas”

Daniel já chegou a caminhar quase 50 km num único dia; garante que não passa fome nem frio e, que apesar das dificuldades enfrentadas é grato pela vida. “A única coisa que a gente não pode fazer é desanimar. É preciso levantar a cabeça, se erguer e, se necessário for, catar latinhas. Tem muitos que desanimam e começam a fazer coisas erradas, como roubar, eu não faço isso. A pessoa pode ser pobre ou rica, não importa, o que precisa é ter honestidade sempre”, afirma.

O andarilho anda pelas ruas, coletando as latinhas com o carrinho de madeira (FOTO: Cleiton Zimer)

Mas, afinal, qual é a história de Armbrust?

Daniel anda por diferentes bairros de Santa Maria do Herval. Além disso passa por Serra Grande, Igrejinha, Três Coroas, Canela, Gramado e Morro Reuter – geralmente fechando o ciclo a cada três meses.

No feriado de 20 de setembro, na última segunda-feira, o encontramos na localidade de Padre Eterno Baixo. No dia anterior tinha ido até Morro Reuter e estava retornando, seguindo em direção à Serra Grande onde passaria a noite em alguma parada de ônibus.

Naquela altura já tinha recolhido várias latinhas pelo trajeto; decidiu parar perto da Igreja Evangélica para amassar elas e, também, descansar um pouco.

Muitos já o viram andando por aí, até o reconhecem vindo de longe, mas poucos realmente sabem da sua história. Mas, sentando ao lado da Igreja Evangélica, numa sombra, Daniel falou sobre a sua vida.

Uma trajetória marcada por inúmeras dificuldades

Ele nasceu e cresceu em Três Coroas, onde morava com os pais, um irmão e uma irmã. A infância foi conturbada. Daniel relata que seu pai tinha problemas com álcool e frequentemente os filhos e a esposa eram agredidos por ele, sendo até mandados embora de casa. “Quantas vezes minha mãe fugiu do pai para ficar no irmão dela”, relembra.

Já aos oito anos começou a trabalhar como engraxate. Saia de Três Coroas e ia até Canela, no Caracol, e passava o dia trabalhando; de noite voltava para casa. “Era para ajudar meu pai e minha mãe”.

Mesmo enfrentando todas as dificuldades na família, a vida insistiu em ser ainda mais severa com Daniel. Então, em junho de 1982, a casa da família que ficava na encosta de um rio, foi arrastada e destruída por uma enxurrada histórica.

Daniel conta a sua trajetóra de vida até aqui; além do carrinho, tinha apenas essa muda de roupa no corpo e percorria todos esses quilômetros com chinelo de dedo (FOTO: Cleiton Zimer)

Daniel tinha 14 anos na época. Depois da tragédia foi adotado por uma família conhecida em São Chico, no município de São Francisco de Paulo. Desde cedo teve que trabalhar pesado na lavoura, colhendo batatas e carregando os caminhões, além da lida nos matos de pinheiros. O trabalho árduo, porém, era feito sem garantias.

O serviço pesado ao longo dos anos lhe deixou sequelado, com várias hérnias pelo corpo, principalmente na parte intestinal. Também desenvolveu hidrocele – que é o acumulo de líquido dentro do escroto envolvendo o testículo.

Chegou a fazer cirurgias e não conseguiu mais voltar a trabalhar, com risco de alguma hérnia se romper. Para piorar não conseguiu auxílio-doença por parte do governo; conta que só ganhava atestados, mas nunca um laudo apontando sua inaptidão ao trabalho pesado. Desta forma, há cerca de 10 anos se mudou para Parobé voltando a morar com dona Maria Francisca Armbrust, sua mãe.

Mas não durou muito tempo. Dona Maria morreu logo em seguida, aos 75 anos. Ela pagava aluguel e, por não ter trabalho, não restou outra opção para Daniel do que sair de lá. Desde então, há nove anos, está na rua, sem moradia certa e enfrentando os desafios de cada dia para conseguir sobreviver.

Seu pai, Delmar Armbrust, 86 anos, ainda é vivo e está em um asilo, também em Parobé. Daniel não tem contato com os outros dois irmãos.

Os desafios da rua

Daniel já teve três carrinhos furtados; essa carrocinha da foto foi lhe doada recentemente (FOTO: Cleiton Zimer)

Daniel relata que nunca passou por necessidades extremas. Sempre teve alguém para lhe dar comida, água, algum cobertor ou guarda-chuva. Conta que recebeu o primeiro carrinho em um marcado no Centro de Herval e, desde lá, trabalha coletando latinhas. “As pessoas me dão lanches para comer. Quando não recebo comida e não consigo juntar dinheiro, têm lugares que me deixam comprar fiado e eu pago na minha próxima passagem”.

Disse que tem um carinho especial por Santa Maria do Herval. “Sou sempre bem recebido aqui”.

Mas desde que está na rua, por diversas vezes, já se deparou com a maldade do ser humano. Furtaram seu carrinho três vezes. O último, foi há poucas semanas e ficou 15 dias sem poder coletar latinhas. Logo quando recebeu um outro, de doação, se pôs na rua para trabalhar, indo até Morro Reuter e voltando, trajeto no qual conversamos com ele.

Infelizmente, junto com o carrinho, também furtaram sua mochila e tudo o que tinha dentro. Ele seguia só com as vestimentas do corpo, com chinelo de dedo, um guarda-chuvas que ganhou e seus documentos – todos em dia – que leva no bolso. Além disso, e um episódio anterior, também furtaram um celular que comprou à duras custas; agora não consegue se comunicar.

O sonho de uma nova carrocinha

Questionado se precisava de algo, prontamente respondeu que não. Disse apenas que estava lutando para juntar um dinheiro e comprar uma bicicleta antiga, daquelas com freio no pedal que não dão muita manutenção. “Quero adaptar ela no carrinho para ser mas fácil transportar as latinhas”.

Voluntários já de dispuseram a doar uma bicicleta antiga. Entretanto, analisando o carrinho que ele usa, se constatou que ele é todo de madeira, pequeno e ao mesmo tempo pesado. O objetivo é juntar um dinheiro para poder montar uma carrocinha nova, mais leve, de fácil adaptação à bicicleta.

Quem quiser ajudar, pode entrar em contato pelo 051 99323-6063, com Cleiton.

Um emprego e uma casinha

Daniel quer juntar dinheiro para, um dia, ter a sua própria moradia (FOTO: Cleiton Zimer)

Daniel conta que tem o sonho de juntar dinheiro para comprar uma casinha. “Se eu pudesse trabalhar, em algum serviço mais leve, eu o faria”, disse. Ele trabalhou por um tempo como servente de pedreiro, gostava, mas não pode mais por causa das suas hérnias. “Seria bom se eu pudesse ter um depósito para colocar minhas latinhas, para juntar e vender em quantidade. Assim preciso vender tudo logo, pois não tenho onde guardar. Mas vamos seguir assim”.

“Só eu e Deus”

Daniel teve dois relacionamentos, mas não deram certo. Também não teve filhos. “Pelas ruas, sou só eu e Deus. O mais importante é que ele sempre está comigo, 24 horas por dia, para onde eu vou”, diz Daniel, que aprendeu a ler na Bíblia. Vai à Igreja, seja ela qual for, e ainda faz orações pelas pessoas doentes. “Eu não posso fazer nada, mas Deus faz”.

Além de juntas as latinhas para vender, ele contribui para o meio ambiente. As latas, vazias, são um prato cheio para o mosquito da Dengue. “As garrafinhas de vidro eu não recolho, mas quando encontro uma viro elas de bico na terra para não encherem de água”.

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