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Após perder mãe e avó soterradas, filha e padrasto buscam forças para recomeçar

24/11/2023 - 17h43min

Atualizada em 24/11/2023 - 18h12min

Ao conseguirem escapar com vida de casa soterrada na Linha Marcondes, filha e padrasto tentam seguir em frente superando a perda trágica de mãe e avó (FOTO: Cleiton Zimer)

Por Cleiton Zimer

Santa Maria do Herval / Gramado – A enxurrada que atingiu Santa Maria do Herval entre a noite de sexta-feira (17) e madrugada de sábado (18) foi, por si só, muito grave. Inúmeros foram os estragos.

Mas a tragédia se maximiza diante daquilo que não se pode mais recuperar: dois óbitos, mãe e filha, que morreram soterradas na localidade de Linha Marcondes, em Gramado, divisa com o Teewald.

As águas turbulentas deixarão para sempre a lembrança triste que ceifou a vida de Ledwina Lehnen, 86 anos, e Elisabeta Maria Benisch Ponath, 51. A filha ainda correu para salvar a mãe, mas as duas foram arrastadas pela força dos escombros do barranco que veio abaixo nos fundos da residência.

Local onde ficava a casa. Não sobrou nada (FOTO: Cleiton Zimer)

“Parecia que milhares de pessoas estavam jogando água com balde”

A filha Débora Carolina Benisch, 32, e o padrasto Olavo Ponath, 56, também estavam no local na hora e sobreviveram. A casa em que moravam não existe mais e, no momento, estão na residência de familiares em Várzea Grande, Gramado.

Juntos, ao lado de amigos e comunidade, buscam unir forças para seguir em frente. Emocionados, receberam a reportagem e relatam o que aconteceu.

Débora lembra que naquela noite de sexta-feira chovia muito. “Parecia que milhares de pessoas estavam jogando água com balde”, conta, afirmando que, temerosa, já não conseguia dormir, assim como os demais que estavam em casa.

Olavo conta que por volta de 4h30 da madrugada deu um forte estouro. “Tremeu tudo, toda a casa. Daqui a pouco de novo. Levantei. Mas pensei: onde vou? Está tudo escuro”. Ele olhou para fora e viu muita água. “Pensei: vou abrir um valo para a água sair.”

Débora afirma que isso era anormal. Que nunca tinha tanta água passando rende à residência, sendo que começou a acontecer nesta onda de tempestades, como em junho e agora.

Viu o cachorro correndo

Naquela manhã todos acordaram aliviados. A chuva persistia, porém, menos intensa. “Tomamos café e fomos fazer uns ‘servicinhos’. Olhei e era onze e pouco, pensei, vamos almoçar”, lembra Olavo.

Depois disso, foi tratar os cachorros e se deitou um pouco para descansar, pois na madrugada ninguém ‘pregou o olho’.

Débora foi fazer um chá. Ela lembra de ter visto um dos cachorros correndo para baixo no terreno. “E de repente fui para fora e vi o ‘paiol’ se mexendo. Corri pra dentro. Disse: mãe chama o Olavo que aquela casinha ou árvore está caindo em cima da nossa casa. E daí minha mãe correu, chamou ele, nós levamos minha mãe para fora, alguns cães também. E aí minha mãe disse: não, vou ter que salvar a vó, e correu.”

Foi tudo questão de segundos. Olavo relata como “dois segundos”.

Elisabeta pulou para dentro pela janela

Elisabeta pulou para dentro da janela onde Ledwina estava. “Ela entrou e foi levada. Eu tentei puxar minha mãe e não consegui, não consegui puxar.”

Olavo também tentou, mas sua esposa foi arrancada de suas mãos.

Toda a estrutura foi abaixo. Vizinhos escutaram o forte estrondo, correram para ajudar mas, nada mais podia ser feito. As duas foram soterradas.

Quem vai ao local, nem diz mais que ali tinha uma casa.

Ledwina tinha 86 anos, de uma vida repleta de desafios e lutas

Elisabeta, 51, correu para ajudar a mãe e também morreu

“Eu tentei puxar minha mãe e não consegui, não consegui puxar”

DESESPERO E CONFUSÃO

Débora, naquele momento, sentiu desespero e confusão. Ao mesmo tempo que percebeu que sua mãe e avó tinham sido soterradas, tentou fugir pois mais terra junto com árvores estava vindo. “Pelo potreiro, onde me salvei, também estava cheio de água. Fui correndo, escorregando e praticamente rolando ali pra baixo. Estava escorregadio. A terra lisa e ‘prendendo’ a gente.”

Olavo ficou desesperado. “Eu não sabia para onde correr.”

Não foi só a casa. O mundo deles desmoronou naquele instante.

Débora conta que vizinhos ajudaram, chamaram os bombeiros. Vieram rapidamente. Ela acredita que, de tão rápido que vieram, se fosse somente pelos escombros sua mãe teria sobrevivido pois não tinha muitos ferimentos; porém, ela sofreu traumatismo craniano.

Casa tinha apenas 7 anos

A família, por longos anos, trabalhou arduamente. Com o dinheiro de uma rescisão de Elisabeta somado às economias da lavoura, deram início à construção da casa de alvenaria.

Débora conta que o Delmo Haubert a fez em 2016 – foi a realização de um sonho. “Todas as coisas que tinha dentro a gente comprou de trabalho na fábrica e dos milhos.”

Eles conseguiram sair só com as roupas do corpo. Nem documentos salvaram e estão tendo que refazer.

O recomeço

Ainda não deu tempo para pensar no que farão daqui em diante. Ainda estão assimilando o choque.

Embora estejam na casa de familiares na Várzea, contam que irão morar com o pai de Olavo na Linha Marcondes Alta.

Não vão mais voltar a reconstruir naquelas terras. Não querem mais e, também, porquê deve ser interditado pela Defesa Civil.

Os próximos passos ainda vamos pensar. Primeiro colocar a cabeça no lugar. Não adianta fazer tudo de uma vez só”, afirma Olavo.

Farão muita falta

Débora, emocionada, conta que as duas farão muita falta. A mãe, de forma especial, era uma das principais incentivadoras dos seus projetos. “Depois que bati minha cabeça num acidente de carro, eu tenho ataques de ansiedade. Minha mãe sempre me ajudava.”

Olavo e Elisabeta estavam juntos há quase 20 anos. Casaram em 2008, mas já namoravam desde 2004. “Está sendo muito difícil sem ela.”

A vó Ledwina, a Winie como era chamada, era uma mulher forte e batalhadora. Tinha certa dificuldade para caminhar nos últimos tempos, mas, se pudesse, continuaria indo junto para a roça. Só não ia porque os familiares não permitiam, já que poderia afetar os problemas cardíacos que tinha.

Muitas pessoas ajudando

Débora e Olavo estão reunindo forças para seguir. O principal acalento vem do abraço de toda a comunidade. Contam que estão recebendo muita ajuda, desde doação de roupas e, até mesmo, móveis.

Questionados sobre o que precisando neste momento, Débora disse que produtos básicos, limpeza e alimentos, e ração para os cachorrinhos com os quais vão ficar – os cães estavam junto no velório que aconteceu na tarde de domingo, na Marcondes, em Herval.

Quem quiser ajudar, pode entrar em contato com Débora pelo 054 99235-8832.

Todo o vínculo em Herval

Embora a casa ficasse em Gramado, exatamente na divisa, todo o vínculo da família era em Santa Maria do Herval. Inclusive, foi o avô de Débora, Felippe Benisch, que construiu a igreja e escola (que não existe mais) da Linha Marcondes.

 

Situação de Santa Maria do Herval

Em relação ao contexto geral do município de Herval, o vice-prefeito e secretário de Obras, Gilnei Capeletti, diz que cada dia estão conseguindo resolver um pouco dos estragos. “Mas vai longe.

A ponte do Rio Loch segue interditada. Parte da estrutura foi levada e terá de passar por uma grande manutenção. “Não sei se vão conseguir recuperar assim. A água levou troncos da sustentação”. Já a estrada, no mesmo local, não terá mais passagem e terá de ser feita por outro local. “Estamos sem solução por enquanto.

 

 

 

 

 

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