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Após reportagem que escancarou a realidade da Vila Perimetral em Estância Velha, autoridades mobilizam ações para proteger crianças da localidade

13/09/2024 - 15h11min

Atualizada em 13/09/2024 - 15h18min

Por Geison Concencia

ESTÂNCIA VELHA – Nesta semana, a reportagem do jornal O Diário mostrou uma realidade pouco conhecida para muitos moradores de Ivoti e Estância Velha: a Vila Perimetral. As condições de vida em que as crianças da localidade estão expostas, com esgoto passando em frente às suas casas, acende um alerta para medidas de proteção a infância.

A inocência delas, aliado a desinformação dos pais, permite que elas brinquem nesse ambiente, desconhecendo os perigos invisíveis que podem prejudicar a saúde delas. Mas não é apenas a patógenos e doenças que elas estão suscetíveis, mas a outras situações de vulnerabilidade que envolvem as famílias.

Nesta semana, um casal perdeu temporariamente a guarda dos filhos, após o pai ser acusado de manter a companheira em cárcere privado. Além disso, um dos filhos, uma criança de oito anos, era diagnosticada com autismo e estava há cerca de um ano sem frequentar a escola. Também não há registros se o menino também se ausentava do Núcleo de Atendimento Integrado (NAI).

Criança fica um ano sem frequentar uma sala de aula e sobre um ambiente de violência

Informações obtidas com exclusividade, apontam que o menino estudava na Escola Aroni Mossmann, em Ivoti, próximo à residência da família na Vila Perimetral. Há cerca de um ano, os pais não conseguiram rematricular a criança na mesma instituição, devido ao fato da Vila Perimetral pertencer à Estância Velha.

“A razão pela qual Ivoti não pode aceitar a matrícula do menino é que ele é morador de Estância Velha. Por questões legais e de assistência, os órgãos importantes como o Conselho Tutelar e os serviços de Saúde só podem fornecer suporte a residentes dentro do próprio município”, diz nota da Prefeitura.

Passado um ano, os pais procuraram matricular o filho em Estância Velha. Porém, segundo diz o pai que conversou com a reportagem antes da retirada dos filhos pelo Conselho Tutelar, a criança precisa de um transporte especial, que a busque na Vila Perimetral e a leve até a escola.

A Prefeitura de Estância Velha tomou conhecimento do fato há cerca de uma semana e diz que trabalha na solução do problema. “A Secretaria de Educação e Cultura (SEMEC) já está realizando o atendimento à família, que procurou o auxílio na última semana”, diz em nota.

Perigos reais
O professor da Universidade Feevale, Fernando Spilki, reforça os perigos existentes no contato com água de esgoto. “Os perigos são reais, além de doenças gastrointestinais causadas por vírus e bactérias, há também o risco de hepatite A, entre outros problemas”.

A transmissão da hepatite A é fecal-oral (contato de fezes com a boca). A doença tem grande relação com alimentos ou água inseguros, baixos níveis de saneamento básico e de higiene pessoal (OMS, 2019). Outras formas de transmissão são o contato pessoal próximo (intradomiciliares, pessoas em situação de rua ou entre crianças em creches), contato sexual (especialmente em homens que fazem sexo com homens -HSH).

A estabilidade do vírus da hepatite A (HAV) no meio ambiente e a grande quantidade de vírus presente nas fezes dos indivíduos infectados contribuem para a transmissão. Crianças podem manter a eliminação viral até 5 meses após a resolução clínica da doença. No Brasil e no mundo, há também relatos de casos e surtos que ocorrem em populações com prática sexual anal, que propicie o contato fecal-oral (sexo oral-anal) principalmente.

Efeitos podem ser físicos e psicológicos, aponta especialista

O psiquiatra e professor do curso de Medicina da Universidade Feevale, Ricardo Lugon Arantes explica que situações de vulnerabilidade social, como falta de saneamento e casos de problemas familiares fazem mal para todas as crianças, com ou sem deficiências, não restritas as que tenham autismo. “Não há uma especificidade de que as crianças autistas sejam mais afetadas do que outra criança, com outro tipo de deficiência. Violência é catastrófico para todas elas. Com deficiência, o impacto pode ser ainda maior, pois a construção da rede de apoio e serviços, geralmente, é ainda mais difícil e as barreiras são ainda maiores”.

Especialista, defende a articulação da rede intersetorial que atende as crianças, como Conselho Tutelar, escola, e demais entidades voltadas a educação, assistência, saúde e proteção à criança.

Arantes ainda ressalta que os efeitos de uma vivência em meio a ambientes hostis, com pouco saneamento, por exemplo, e violência, podem ter consequência inclusive nas memórias afetivas e na biologia do corpo. “Ela poderá ter a liberação de hormônios do estresse, afetando o funcionamento cardiovascular. Além disso, pode impactar o crescimento, o desenvolvimento, a memorização e as relações interpessoais”, explica.

Especialista também alerta para negligência do Estado, ao não oferecer moradias dignas: “quando a gente reconhece que tem espaço de ocupação ilegal e não oferece atendimento e possibilidades, lembrando que temos sistemas universais de saúde e educação, isso também é uma forma de violência, só que na dimensão coletiva”.

 

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