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Caderno 65 anos de Dois Irmãos – A mente inquieta e a alma criativa do comerciante que fez dos desfiles de moda uma tradição

10/09/2024 - 06h54min

Atualizada em 10/09/2024 - 08h22min

Atrás do balcão de sua loja, dois Celestinos de épocas diferentes. No quadro, o registro de quando atuou como modelo (Fotos: Nicole Pandolfo)

Pelas mãos de Celestino Graeff, Dois Irmãos ganha um pouco mais de cor e elegância

Por Nicole Pandolfo

 

“Eu sou terrível! Quando eu abraço uma causa, eu entro de corpo e alma ou não entro.” A afirmação é de Celestino Graeff e demonstra a intensidade do comerciante que desafia a normalidade em um local onde o padrão ainda é regra para muitos. Mas a alma extravagante do pai de família de 68 anos, nascido em Ivoti e que se autodenomina “filho de Morro Reuter”, trouxe cor, magia e elegância a Dois Irmãos: seja na produção que transforma a vitrine da sua loja de roupas em ponto turístico, no trabalho e criatividade que empregou nas primeiras edições do Natal dos Anjos ou na tradição dos desfiles de moda assinados por ele que movimentam eventos há mais de 30 anos.

O bom vendedor

“Eu tenho 45 anos de sucesso, mas por quê?” Há quase meio século de portas abertas no ramo do vestuário, Celestino levanta a questão que revela uma lição básica para quem deseja empreender no comércio: a comunicação com o cliente. “Eu falo muito, mas eu escuto! Escuto e transformo”, ele diz. “Pra tu ter um negócio, não é só fazer como tu pensa. Tem que ouvir o teu público.” Como um bom vendedor, Celestino desenvolve uma relação próxima com os clientes que retornam à loja em busca da honestidade das suas dicas e do conhecimento de quem vive o mundo da moda desde o seu fundamento mais básico: a costura.

Com 45 anos de loja aberta, Celestino abre o segredo para o sucesso no comércio: a comunicação com o clientes

“Por que tu não te lança como alfaiate?”

Filho único entre 5 irmãs, Celestino iniciou a vida profissional como engraxate numa empresa de calçados onde perdeu dois dedos da mão direita em um acidente de trabalho: “Foi a minha sorte. Tive que perder os dedos pra crescer na vida”, ele brinca. Do balcão da rodoviária, em Morro Reuter, onde ele passou a trabalhar, Celestino já chamava a atenção pelo estilo como se vestia: “Eu era dos extremos, um tênis de uma cor, outro tênis de outra cor. Eu ia pra boate com o macacão da Shell!”

Das idas a Porto Alegre, trazia retalhos de tecido e fazia as próprias roupas: “Eu tenho um casaco [da época]… não tem cor que não tenha nesse casaco!” Mas foi depois de uma tentativa frustrada de empreendimento com uma churrascaria na capital que Celestino acatou a sugestão da mãe: “Voltei com uma mão na frente e outra atrás. A minha mãe ficou desesperada e me disse: ‘Por que tu não te lança como alfaiate?’” A pequena loja aberta em 1979 em Dois Irmãos deu ao povo o que falar, afinal, um homem costureiro era novidade em uma época em que a profissão era comumente exercida por mulheres. Celestino, mais uma vez impressionava e atraia olhares pela originalidade.

A primeira peça

“O primeiro terninho que eu fui fazer era para uma senhorinha. Verde água. De tergal, na época era moda. Fiz uma sainha acima do joelho, retinha, e um blazer, mas ela queria o corte de alfaiataria. Fiz 4 cortes pra ficar bonito. Ela queria com ombreira. ‘Posso provar?’, ela disse. Mas claro! Ela provou e disse: ‘Celestino, tu não me levas a mal, mas não gostei.’ Tudo bem. Não deu certo, ela foi embora… Peguei o terninho e pendurei. Entrou uma menina, ela veio pra conhecer a loja. Na época a gente trabalhava com tudo dentro de saquinho, então eu abria os saquinhos e mostrava. A menina olhou, conversa vai, conversa vem, ela se interessou pelo terninho: ‘Que bonitinho!’ Quer provar? Nós tínhamos um provadorzinho num canto. Ela provou e começou a dar gargalhadas! Ué! O que houve? ‘AMEI!’ O terno caiu como uma luva pra ela. Agora eu sou costureiro!!”

Os desfiles do Celestino

Logo que abriu sua loja, Celestino era o único comerciante que viajava a São Paulo para buscar peças. Ele conta que na época as novelas tinham uma grande influência na moda: “Eu trazia as tendências!”
A mente criativa e o tino para as vendas faziam com que Celestino investisse em ações que o mantivesse em destaque. Uma das formas de expor suas coleções e novidades foi através dos desfiles de moda. O primeiro aconteceu na extinta boate Express, na Sociedade Atiradores. Celestino buscou 12 modelos de uma agência em Porto Alegre: “Eu tinha que fazer uma coisa diferente!” E ele fez, no caso, até mais do que planejava. No dia do desfile, a calça de uma das modelos ficou apertada e ela optou por desfilar com o fecho aberto, deixando à mostra um pedaço da calcinha. “Foi um escândalo! Queriam fechar a boate!”

Depois do primeiro, Celestino manteve os desfiles de moda como uma tradição que movimentou diversos eventos da cidade. Com uma autoconfiança inabalável, ele descreve cada produção com o orgulho de quem, como ele mesmo diz, “entra de cabeça” em todos os projetos e não deixa nenhum detalhe para trás: “Em primeiro lugar, tem que ter passarela. Eu me nego a fazer desfile no chão, com exceção do primeiro que eu não tinha dinheiro. Tem que ter iluminação! Tu tem que colocar brilho nas roupas. Desfile de moda tem que ser bonito! E todos os meus desfiles vendem muito bem.”

De elegantes a criativos: fotos de desfiles do passado registram o cuidado com cada detalhe da produção

De volta às passarelas

Por 30 anos, os desfiles da loja Michelle Modas apresentaram tendências e impressionaram o público anualmente em Dois Irmãos. Em agosto deste ano, Celestino aceitou o convite do Lions Clube Portal da Serra para um café beneficente depois de 4 anos sem nenhuma produção. O show foi pautado na elegância e versatilidade de peças femininas: “Eu estou fazendo uma superprodução!”, disse Celestino na semana anterior ao desfile. “60% será a minha parte, os outros 40% quem vai dar o brilho são as minhas modelos.” Das 12 modelos selecionadas pelo estilista para o evento, somente duas tinham experiência em passarela, seguindo a tendência eclética e plural do cenário da moda mundial.

A experiência da produção independente, sem parcerias, do último evento parece ter trazido de volta a empolgação do comerciante para produzir novos espetáculos. Para ele, o valor dos desfiles vão além das vendas na loja, eles movimentam a cidade, oferecem beleza e elegância a Dois Irmãos.

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