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Região

Caderno 65 anos de Dois Irmãos – Uma vida dedicada ao próximo

10/09/2024 - 07h50min

Atualizada em 10/09/2024 - 08h23min

Dona Edi entendeu desde cedo que seu propósito era ajudar os necessitados, missão que ela cumpre até hoje

Por Nicole Pandolfo

 

Os olhos da dona Edi impressionam não só pelo tom de azul, mas pelo brilho e contraste que ainda se mantêm intensos aos 83 anos de idade. Eles são o cartão de visita da senhora de cabelos brancos e parecem refletir a sapequice de uma menina ávida por conhecer e experimentar a vida. Natural de Santo Ângelo, Edi Kaefer Gomes da Silva veio para Dois Irmãos de trem até Porto Alegre quando tinha 5 anos. No trajeto, o encantamento da menina pela aventura da viagem foi tanto que uma espiada para o lado de fora do trem quase resultou num acidente grave: “Eu queria olhar tudo! Se a mãe não tivesse me segurado, com o soco que o trem tinha dado…!” Mais tarde, a queda em um poço no terreno da avó também quase terminou em tragédia, não fosse, mais uma vez, pelo resgate desesperado da mãe: “Tinha uma flor linda lá! Eu quis pegar e… tuffit lá dentro!”, lembra a senhora rindo das travessuras da criança.

Da Infância ao convento

A infância da dona Edi aconteceu na localidade de Frankenthal, em Morro Reuter, junto da família que plantava batata, feijão, uva, entre outros cultivos. Por frequentar as missas assiduamente, Edi chamou a atenção das freiras do Colégio Imaculada Conceição, de Dois Irmãos, que viram na menina de apenas 11 anos, uma potencial religiosa e ativa força de trabalho: “Eu achava elas bonitinhas, engraçadas! Com 12 anos quando eu cheguei lá [no convento], achei que não ia precisar trabalhar, mas elas me colocaram pra tirar leite, porque eu era da colônia, acharam que eu saberia tirar leite”, lembra Edi.

O chamado

No convento, além do trabalho e dos estudos regulares, Edi aprendeu a tocar acordeon. O conhecimento em música fez com que ela fosse transferida para Lajeado, já adulta, e foi nesta época que um episódio marcante definiria o rumo que a sua vida iria tomar.

“Eu senti uma coisa estranha, de repente eu escutei a minha mãe me chamando.” Ela “sentiu” o chamado da mãe, mesmo estando há quilômetros de distância dela. Com o aval das freiras para voltar para casa, encontrou a mãe aflita: O pai havia sido internado em Porto Alegre, onde teve o corpo todo engessado em uma tentativa de aliviar dores intensas. De imediato, Edi lembrou de um curandeiro que conhecia em Lajeado que se prontificou a ajudar o seu pai: o levou para casa e tratou das terríveis dores que acometiam as suas juntas. Ela assistia a tudo com admiração e muita curiosidade: “Eu sempre tinha aquela coisa, uma vontade de aprender, vontade de fazer algo pelo outro. Aquilo ficou dentro de mim”, ela recorda.

Muito além da religião

“Tu não vais ficar muito tempo no convento”, lhe disse o curandeiro. “Tu vais sair já já.” A afirmação surpreendeu a jovem que nunca havia realmente sentido a vocação religiosa, mas que aceitava a condição que lhe havia sido imposta, já que, além de lhe oportunizar o estudo, a levava a realizar o que ela verdadeiramente considerava uma missão: ajudar ao próximo.

Depois de um tempo em Santa Catarina, Edi foi transferida para Bahia, onde ela e outras religiosas formaram um grupo de serviço social designado a trabalhar com os pobres em uma cidade pequena. “Ninguém queria ir pra missa”, conta Edi. “Inventei de comprar um conjunto musical, pra ver se o povo se animava!” O sucesso da aquisição dos instrumentos agregou tanto à paróquia ao ponto de “exportar” talentos da música. E mais uma vez, a criatividade e a coragem de Edi a conduziria a realizações muito além do âmbito religioso.

Muito além do seu tempo

Cansada da rotina e trabalho, Edi decidiu deixar o convento, mas foi convidada a continuar trabalhando nas ações da pastoral. Em contato com as famílias da região, ela conheceu a realidade de inúmeras empregadas domésticas, cujas condições de trabalho as impediam de estudar: “Elas não ganhavam salário. Ganhavam almoço e [os patrões] já achavam muita coisa!” Edi iniciou um movimento pelos direitos destas mulheres e assumiu para si a responsabilidade de providenciar local e professores que as ensinassem de graça. Em um evento, o segundo dos encontros organizados por ela, que chegou a reunir cerca de 900 pessoas participando de palestras e recreações, surgiu a ideia de organizar um abaixo-assinado. O documento foi encaminhado para a câmara de deputados com um apelo para a regulamentação dos direitos trabalhistas das domésticas. Apesar da espera de quase 5 anos para que o documento fosse “desengavetado”, finalmente as domésticas foram reconhecidas como profissionais.

De volta a Dois Irmãos

Depois de algumas idas e vindas, já casada e com uma filha, dona Edi voltou a morar em Dois Irmãos e passou a se dedicar à prática da massoterapia e Reiki, além do trabalho, através da pastoral, de cuidado aos doentes e necessitados. O interesse pelos chás surgiu após a visita de um padre que trouxe para a cidade a prática conhecida como Bioteste. Edi se especializou na técnica que consiste em detectar problemas ou disfunções no organismo de uma pessoa e, a partir disso, prescrever uma combinação de chás com propriedades curativas específicas para cada caso. Há 30 anos Edi é referência na região e já participou da formação de novos especialistas, além de ter aliviado os males de muitos que buscaram pelo método de tratamento natural. Edi seguiu o curso natural de quem soube identificar desde cedo o propósito ao qual ela queria dedicar a sua vida: “Curar o outro é fazer o bem. Se Jesus estivesse aqui, ele também faria.”

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