Cadernos
De SC para Santa Maria do Herval: a força da dona Lori, sempre lutando pela família
Ela e o marido vieram par ao RS há quase quatro décadas, onde começaram uma nova história
Por Cleiton Zimer
Santa Maria do Herval | Há 39 anos os agricultores Lori Hentges e Aloísio Roque Hentges resolveram vender suas terras em São João do Oeste, Santa Catarina, e ir em busca de uma nova jornada. Com seis filhos pequenos fretaram dois caminhões que levaram a mudança – desde coisas da casa e maquinários, como trilhadeira e moenda de cana antigas.
Não tinham carro próprio. Assim, viajaram longos quilômetros até chegar em Santa Maria do Herval.
Diferente da propriedade que deixaram para trás – onde tudo era plano – adquiriram uma em meio aos morros da localidade de Padre Eterno Ilges, o ‘Ilges Perich’, num lugar que nem sequer estrada tinha na época. “Era só uma picada”, lembra Lori.
Aloísio faleceu há cerca de três anos, aos 76. Lori segue morando na casa secular que compraram e cuidam com muito zelo. Aos 72 ela fala da vida de luta que teve desde jovem.
Ainda em Santa Catarina enfrentou duras batalhas. Agricultora desde criança, ao casar seguiu na lida cultivando de tudo um pouco junto ao esposo.
Certa feita seu marido se feriu gravemente, quando uma árvore lhe caiu sobre as pernas enquanto cortava mato. Por mais de meio ano não pôde fazer nada.
Ocorre que a família era humilde. Se não trabalhassem na roça nada teriam. E lá foi Lori, levando as crianças nas costas, num carrinho de mão, indo sozinha na lavoura. “A filha mais nova ficava chorando às vezes, aí os outros tinham que se deitar no cercadinho com ela”. Por sorte a roça era do lado de casa, praticamente no pátio.
Não tinha fogão a gás. Chegava em casa meio-dia, ligava o fogo no fogão de lenha, fazia almoço, depois lavava a roupa e, de tarde, voltava à lida.
Chegava em casa com o luar alto
A rotina era pesada. “Eu chegava em casa de noite, quando a lua já estava alta. Às vezes as crianças já estavam dormindo e tinha que dar banho nelas”, lembra.
Após meses, quando o marido se recuperou, a rotina começou a voltar a normal aos poucos.
E quando apareceu a oportunidade, através de um conhecido, decidiram se mudar para o Teewald.
RECOMEÇANDO:
Vindo desbravar o desconhecido; até mesmo o Hunsrik era diferente
Quando chegaram em Herval Lori levou um susto. Primeiro porque a região era muito íngreme, cheia de pedras. Depois, porque a propriedade era envolta por matagal – tiveram muito serviço para conseguir limpar, organizar e novamente cultivar. “Foram tirados sete caminhões de madeira do potreiro”. Por muitas vezes ela chorou por ter deixado sua terra natal.
E não tinha estrada. Ela ia somente até a casa do vizinho que ficava um pouco antes. “Quantas e quantas vezes passamos por cima do cercado, passando pelo potreiro até chegar na rua.” A via, que liga o Ilges através do bairro Amizade, foi feita somente nos idos dos anos de 1990.
Não conheciam ninguém. Tinham dificuldades até mesmo na comunicação pois, o alemão (Hunsrik) falado aqui, tem pronúncia diferente do de SC. “Como por exemplo lâmpada. Para gente era ‘bico’ em SC, aqui é outra coisa. Aí fomos comprar uma lâmpada e nos deram um bico de criança”, lembra sorrindo.
Foi difícil até encontrar banha para poder cozinhar. Carro não tinham, então, além de usar a junta de bois e carroça para trabalhar, também colocavam as crianças em cima para passear. Iam na venda do Shu Eldo, no Ilges, comprar farinha para fazer pão – e ia muito, afinal, eram várias bocas para alimentar. “A cada dois dias tinha que fazer.”
Mas não desistiram. Foram necessários muitos anos para conseguir arrumar a propriedade e tornar ela própria para plantio. Os filhos graduadamente foram crescendo e ajudando a trabalhar. “Lá não tinha como levar os menores para a roça, era muito perigoso.”Mais duas meninas nasceram quando vieram para o Teewald, totalizando oito filhos.
A casa, em estilo enxaimel, é uma das mais antigas da região e uma das mais preservadas também. Até hoje segue sendo bem cuidada, impressionando a todos que passam pelo local.
Ali seguiram plantando de tudo, desde batata, feijão, até mesmo arroz. Também criavam animais.
Além de muito trabalho, a vida também foi envolta por uma grande perda, do filho Vanderli que faleceu em um acidente de moto. “Choramos muito. Foi difícil”, recorda Lori, dizendo que com a união da família conseguiram recomeçar.
<BOX>
<T> Saudades de casa
Hoje não trabalha mais tanto. Fica em casa sempre acompanhada dos filhos e netos. Faz alguns serviços pequenos, cuidado de suas flores e também ajudando a filha Venesia, que costura. “Eu corto os fios”. Assim, não fica parada.
Ela sente saudade dos seus familiares em Santa Catarina e, sempre quando pode, vai visitá-los. São entre nove irmãos e todos ainda vivem.
Seu marido, que muito amava, faleceu quanto estavam a três meses de completar 50 anos de casamento.