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Diário da Terceira Idade: A memória em números precisos de um eletricista aposentado de Dois Irmãos

10/11/2023 - 10h53min

Atualizada em 10/11/2023 - 11h00min

Em homenagem ao seu Sérgio e para registro futuro na sua memória da qual nada escapa, destacamos que esta entrevista aconteceu em uma quarta-feira e durou 45min

 

Por Nicole Pandolfo

Dois Irmãos – Conversar com Sérgio Morschel é ter acesso a uma memória afiada, cheia de dados e números. Em pouco tempo, datas e horários de acontecimentos de 10, 20, 40 anos atrás são relembrados num falatório energético de quem, aos 64 anos, se aposentou, mas continua trabalhando como eletricista de forma independente porque “não consegue ficar parado”.

Na sala de casa – que não fica exatamente na sala, mas na garagem – ele e a esposa receberam a reportagem do Diário como quem recebe um amigo de muito tempo. A história do dia em que o pai faleceu, há 10 anos – “segunda de manhã, às 9h15, sentado em 45 graus”, aponta Sérgio, com precisão – lembrou o nosso amigo do episódio em que ele mesmo quase partiu desta para uma melhor.

10 dias com Covid

O sofá, de onde Sérgio fala hoje, foi seu local de descanso por dias enquanto sofria com os sintomas da Covid. No início da epidemia, Sérgio dividiu o elevador com um colega de trabalho contaminado e teve que deixar a família na praia quando os primeiros sintomas apareceram. Ele tem quase certeza de que foram as recomendações do Dr. Satyro, médico da família, que o salvou: “Imagina! Os dois pulmões em 40% atingidos!”

Do sofá da garagem, fraco e com falta de ar, Sérgio observava os transeuntes na rua. A notícia de que ele estava contaminado tinha se espalhado e o temor do início da epidemia fazia com que as pessoas atravessassem a rua logo em frente a porta da garagem, mas não era suficiente para impedir que torcessem o pescoço para espiar a situação do vizinho que estava nas últimas: “Era que nem uma coruja, que faz 90 graus com a cabeça”, descreve Sérgio.

O histórico de boa saúde, Sérgio acredita, foi o que o manteve vivo.

“2600km com mais ou menos 2h sem chuva”, conta Sérgio sobre a última viagem até o Paraná enquanto mostra as fotos do reencontro com a família

14 anos aposentado

Seu Sérgio tem orgulho da sua vida como trabalhador: “Em 79 eu saí da roça, lá de Herval e fui pra Estância Velha”, relembra. Ele aprendeu o ofício de eletricista na prática, trabalhando em construções: “3 meses e o troço afundou, não tinha mais serviço”. De volta a Dois Irmãos, Sérgio seguiu o conselho de uma prima e deixou de procurar trabalho “por conta”: “1º de setembro de 1980 eu fui registrado”, diz ele com orgulho garantindo que tem a carteira guardada para provar. “29 anos e 6 meses depois eu me aposentei.”

Deixou a escola aos 11 anos

Sérgio lembra do último dia que foi para a escola: “Em 8 de dezembro nós tínhamos o exame da 5ª série. Eu tinha 11 anos quando saí da escola e não voltei mais.” Não precisava, mas ele destaca que sua matéria preferida era matemática. A moça do banco ficou para trás na corrida de quem faz o cálculo de previsão de juros das finanças do seu Sérgio primeiro. Ele cansou de esperar pela resposta e deu o resultado antes: “Quando vocês me falam que 2 mais 2 é 5, vão ter um velho que vai ficar nervoso!”

O que teria acontecido se Sérgio tivesse continuado a estudar? Ele não sabe dizer, mas conjectura uma possibilidade negativa: “Talvez eu estaria pior. Todos que tem a minha idade, 90% ficaram mais para atrás.” Ter abandonado a roça e os estudos e buscado trabalho na cidade foi o que construiu tudo o que Sérgio tem hoje. A carreira como eletricista desenvolvida na prática é motivo de orgulho. Com muita razão.

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